Fãs
Quando Sandy perguntou, já quase no final do último show (último mesmo) que fez com seu irmão, terça passada em São Paulo, “tem gente do Peru aí?”, e um grupo de pelo menos umas 20 pessoas se manifestaram com entusiasmo de um Coliseu recepcionando um gladiador vitorioso, eu achei que era um bom momento para refletir: “O que aquelas pessoas todas estavam fazendo lá?”.
A primeira resposta é fácil. Eles estavam participando, junto com milhares de fãs brasileiros, de uma experiência única: a oportunidade de poder contar, para toda a eternidade, que presenciaram a despedida de uma das duplas de maior sucesso (se não a de maior sucesso) do pop brasileiro (como essa turma que eu fotografei toscamente durante um dos inúmeros momentos delirantes do show). Mas isso é o que qualquer um dos garotos ou garotas que estavam usando aquela camiseta verde – que serviu inclusive como “passe livre” para que eles cantassem um dos números no palco com Sandy e Junior (uma espécie de agradecimento que os irmãos fizeram para todos seus fãs) – poderia te responder sem pensar.
O que estava acontecendo ali era algo bem mais complexo: uma comunhão entre uma legião de seguidores e seus ídolos máximos – numa troca praticamente inexplicável e sem regras, um intercâmbio velado e honesto, de respeito mútuo e provavelmente infinito. Um pacto espontâneo de fidelidade, que deixa perplexo quem não faz parte dessa relação.
Onde eu me encaixo nisso? Bem, dizer que eu sou fã de Sandy e Junior seria esticar a definição do que é um fã (aliás, um dia ainda vou usar esse espaço para explicar exatamente porque eu tenho dificuldade em ser fã de alguma banda…). Durante anos, meu contato com a dupla foi menos que periférico. Quando eu trabalhei na MTV, eles ainda estavam numa órbita distante do pop que eles viriam a desenvolver – e que poderia se encaixar (como encaixou brilhantemente algum tempo depois) na linguagem da emissora. Talvez por causa dessa distorção, deixei o trabalho dos irmãos fora da amplitude do meu radar musical durante os anos 90, e vim inevitavelmente encontrá-los já quando trabalhava no “Fantástico”. Fui pego de surpresa.
Como eu – justo eu, que gosto de ter os ouvidos bem abertos – deixei escapar a metamorfose de Sandy e Junior? Descontando algumas músicas românticas demais (“pecados menores” de qualquer bom artista), fui praticamente obrigado a perceber que eles tinham se transformado numa usina de canções pop incrivelmente poderosa.
(Tenho certeza de que algumas pessoas vão parar de ler este texto por aqui e começar a me chamar de “mascarado” – para usar apenas uma expressão que as regras de pudor do G1 não vão transformar em asterisco… Antes de alguém jogar a primeira pedra, porém, quero deixar claro, mais uma vez, que eu não tenho nenhum tipo de preconceito musical. E se houver ainda alguma dúvida sobre isso, por favor consulte meu livro “De a-ha a U2”, especialmente o trecho em que eu falo dos Backstreet Boys. Ou, melhor ainda, já que estamos falando em preconceito, teste o seu: experimente cantar o refrão de “Vamos pular”, do próprio Sandy e Junior, substituindo o título da música por um verso em inglês, tipo “c’mon get up” – cabe direitinho! Cantarolou baixinho na sua cabeça? Será que você teria menos obstáculos para gostar deles se essa música viesse cantada em inglês, por uma dupla de irmãos loirinhos com sobrenome de uma cadeia internacional de hotéis? Bem, vamos continuar…).
Não quero usar este espaço hoje para falar dos méritos musicais de Sandy ou de Junior – aliás, como já coloquei naquela “retro” musical aqui mesmo no G1, acho que a separação da carreira dos dois só vai trazer benefícios para todo mundo. Se você não gosta deles, vou falar ao vento. E se você é fã, nem precisa ouvir (mais uma vez) elogios. Só dei essa explicação para chegar então ao tal show de despedida, onde presenciei um dos mais emocionantes encontros entre ídolos e seus admiradores.
Quando escrevi lá em cima que tenho dificuldade em ser fã de alguma banda não estava sendo esnobe com ninguém. Nesses 44 anos, várias foram as vezes em que presenciei o poder de um artista no palco. Por exemplo, quando o Nirvana se apresentou no Brasil – eu ali nas coxias daquele palco imenso, quase não acreditando que Kurt Cobain ser capaz de abrir a calça para a câmera de TV que estava, numa transmissão ao vivo, a menos de dois metros dele, até que ele finalmente abriu. Quando eu cobria, lá no início dos anos 90, um evento chamado Video Music Awards (não confunda com o VMB!), quase não consegui acreditar que estava mesmo vendo a performance de Prince cantando “Get off”. A primeira vez que Björk tocou no Rio foi uma experiência transformadora para mim. No ano passado, quando apresentei, na mesma semana, os shows dos Rolling Stones (Copacabana) e do U2 (Morumbi) tive outra prova da idolatria que um público é capaz de demonstrar para venerar seus ídolos. E mesmo recentemente, quando encarei um show do Arctic Monkeys em Chicago senti toda a força que só o palco é capaz de provocar.
Dei exemplos variados, de artistas que gosto em diferentes escalas, só para reforçar que o que eu estava observando ali na noite da despedida de Sandy e Junior não tinha nada a ver com a intensidade da minha admiração por eles. O que era bom de ver era o transe que tinha contagiado aquela multidão por quase duas horas – um transe do qual eu não fazia parte (afinal de contas, eu estava lá para trabalhar, com a missão de fazer a última entrevista deles, como uma dupla, para ir ao ar no “Fantástico” desse domingo), mas que eu podia perfeitamente entender, e até me divertir com ele.
E se eu sentia isso, imagine o objeto de tanta adoração – a própria Sandy, o próprio Junior. Como, aliás, eles contaram na entrevista, mais de uma vez eles ficaram tão emocionados que foi difícil se concentrar na apresentação. Os fãs, claro, não faziam isso de propósito, para “desvirtuar” a performance deles. Mas é que eles não poderiam reagir de outra maneira. Vou chutar a estatística, mas pelo que vi lá naquela noite, 80% daquele público de fato cresceu ouvindo Sandy e Junior – a enorme maioria da platéia tinha a mesma faixa etária da dupla. Dessa maneira, ficava fácil entender que a separação dos dois (artística, que fique bem claro!) era de fato ligeiramente traumática para muitos: o que fazer quando a trilha sonora da sua vida chega ao fim?
Sem querer fazer muitas previsões, eu acho que tanto Sandy como Junior devem seguir caminhos bem diferentes – ainda que, como eles fazem questão de dizer eles nunca vão estar totalmente distantes (nem poderiam, numa família tão unida como a deles!) – e igualmente de sucesso. Os fãs, como afirmavam sem parar, vão seguir a carreira de ambos com a mesma devoção quase religiosa. Ou não? Pouco importa. O que contava para eles naquela noite era a catarse de uma longa relação apaixonada. E eu espero, de coração, que você saiba bem o que é isso, pois passar por essa vida sem ter tido um ídolo é deixar de aproveitar a fascinação que uma música, um filme – enfim, uma performance – pode exercer sobre você. Essa sim, é a vida besta…
(Ao contrário do que esbocei no post anterior, este post não tem exatamente um tom natalino. Ia escrever sobre boas músicas de Natal – já sabendo que esse é um tema complicado… São poucos os artistas que se saíram bem dessa roubada, e eu queria justamente assinalar alguns bom exemplos – e também alguns “desastres”. Mas Sandy e Junior cruzaram meu caminho e, como sempre, o acaso me levou para outro assunto. Porém, Natal de 2008 está logo ali… ano que vem eu vou tentar me dedicar a esse tema. Mas, só para você passar as festas vindouras num astral um pouco melhor do que aquelas surradas canções natalinas são capazes de te induzir, deixo aqui minha sugestão da música perfeita para a temporada: “Just like Christmas”, de uma banda chamada Low. Um pouco triste, um pouco alegre, um pouco ingênua e um pouco cínica, “Just like Christmas” tem tudo na medida certa (até o som de sininhos!). Experimente – e seu Natal também pode ser legal! Ah, e como esse blog se orgulha de ser interativo, se você tiver outras sugestões de uma boa música para essas festas, ou mesmo alguma que você não suporta ouvir entre os dias 24 e 25 de dezembro, fique à vontade – os comentários estão aí para isso. Nos encontramos aqui novamente só na quinta-feira, 27 de dezembro, com uma pequena lista de “lição de férias”… Bom Natal – mesmo!)