Não lá

seg, 22/10/07
por Zeca Camargo |
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zeca_dylan1.jpgSe eu acreditasse em coincidências, acharia que vivi um grande momento místico-cultural na noite do último domingo, quando fui assistir a um dos filmes mais esquisitos que já vi na vida. O título (que, tanto quanto sei, ainda não foi traduzido para o português) é “I’m not there”. Seu diretor, Todd Haynes. Seu tema, Bob Dylan – talvez.

Sim, essa é uma introdução confusa – mas eu garanto que não tem nada a ver com o fato de eu estar saindo hoje de férias (mais sobre isso mais para frente). Deixe-me tentar explicar… Um filme de Haynes sempre é assistido (especialmente por mim), com expectativa máxima, desde que vi (e lá se vão quase 20 anos!) “Superstar: the Karen Carpenter story” – uma espécie de biografia da cantora dos Carpenters (notória por ter sido uma das primeiras vítimas famosas de anorexia), “interpretada” por uma boneca Barbie. Sua nem tão farta assim filmografia ainda inclui um pequeno clássico cult, “Velvet Goldmine” – algo próximo de uma reconstituição da trajetória de David Bowie nos tempos do “glam rock” (um filme que faz parte também do meu, digamos, currículo formativo – para mais detalhes, consulte meu livro “De a-ha a U2″).

Recapitulando: “Bob Dylan – talvez”; “uma espécie de biografia da cantora dos Carpenters”; “algo próximo de uma reconstituição da trajetória de David Bowie”. Nenhum trabalho de Haynes (pelo menos entre os que eu assisti) é exatamente alguma coisa. Suas narrativas são elaboradas sugestões de histórias que poderiam ser – e que às vezes até foram -, mas que nunca vamos saber. Assim, meio estranho mesmo.

“I’m not there” faz parte da mais que abundante programação da Mostra de Cinema de São Paulo deste ano. É possível que você ainda pegue uma sessão até o final da temporada (quem sabe o filme entre, como azarão, naquela repescagem dos melhores da mostra), mas sua estréia oficial é incerta. Uma pena, mas tem sempre a esperança de um DVD (para não falar da possibilidade de você encontrar o filme aqui mesmo, na internet). Recomendo-o de maneira especial, até como complemento da discussão que começamos na semana passada – e que discussão!

Já que você vai ficar um tempinho (um mês!) sem encontrar algo novo por aqui, rogo que dedique suas possíveis próximas visitas por aqui para ler os comentários sobre o post anterior – referente, claro, ao filme “Tropa de elite”. “I’m note there”, nesse sentido, faz um estranho espelho com “o filme do capitão Nascimento”. Quem diria… Todd Haynes e José Padilha unidos pela simples confusão entre ficção e realidade… E é essa a estranha coincidência que eu evocava lá no início do texto: que prazer, logo depois de uma excitante discussão com quem passa por aqui sobre o que “Tropa de elite” significa no Brasil de hoje (e basta você passar os olhos nos comentários para ver que a discussão foi boa), deparar com um trabalho como esse, supostamente uma biografia sobre um dos artistas mais cultuados de todos os tempos – em que as possíveis histórias que o envolvem são interpretadas por atores diferentes (numa delas, inclusive, quem o encarna é uma atriz – Cate Blanchett, na melhor interpretação da sua carreira, sem exageros), e seu nome sequer aparece.

Quando Dylan é vivido por Christian Bale, ele é John (ou Jack); Richard Gere é Billy (ou Mr. B); Marcus Carl Franklin (que, aliás, é uma criança), é Woody; a própria Cate Blanchett é Jude (foto ao lado); Ben Whishaw, Arthur (foto acima); e ainda tem Heath Ledger… Em termos de narrativa cronológica, “I’m not there” faz “Amnésia” (de Christopher Nolan) parecer linear, e David Lynch, um diretor cartesiano.

Tudo se confunde no filme – não só uma história com a outra, mas a própria biografia de Bob Dylan. Fatos históricos permeiam as seqüências como convites à confusão entre fato e ficção. Nada é apenas uma coisa ou outra – e não é nem mesmo a mistura. Haynes transporta o espectador para um lugar que não pode ser definido – um “não lá”. Não é apenas Dylan que não está presente no filme (ou está?), mas nós que assistimos também começamos a duvidar da nossa experiência de assisti-lo. O que só faz com que o trabalho seja realmente genial.

Como “Tropa de elite”. Como a instalação da artista colombiana Doris Salcedo, “Shibboleth”, atualmente no Turbine Hall” da Tate Modern, em Londres – que eu visitei há poucos dias e que ilustrou o último post (e que muitos acertaram na mosca que trabalho era aquele – bravo!). Todos esses trabalhos, como verdadeiras obras de arte, são abertas a múltiplas interpretações. Você pode ver o diretor José Padilha explicando à exaustão aspectos do seu filme, e mesmo assim (veja os – até o momento que escrevo isso – 123 comentários que mandaram sobre ele) querer desenvolver sua própria interpretação sobre a saga do capitão Nascimento. Idem para o trabalho de Doris Salcedo: no texto do site da Tate, ela até se refere à longa história de racismo e colonialismo que permeia o mundo moderno – mas quem disse que aquela fenda no chão não pode ilustrar a aparentemente irreversível divisão social do Brasil? E por que não achar que, fazendo as pessoas andarem sobre essa fenda, a artista quer mostrar como somos indiferentes às conseqüências gravíssimas que essa divisão pode criar?

Quando o trabalho é bom, são múltiplas as interpretações – dos vôos mais altos (Haynes, Padilha e Salcedo) aos exemplos mais ordinários que podem ser tirados na música pop (escrevo isso ao som de uma impagável versão de “Panic”, dos Smiths, oferecida pelas Puppini Sisters – umas loucas que regravam sucessos “quase contemporâneos” como se fossem cantoras da era de ouro do rádio – procure já!).

E é nesse espírito, de descobrir coisas assim, que estou saindo de férias – e aqui, sim, começa nossa “despedida”. Faz tempo que não paro – paro, mesmo – por um mês inteiro. Assim, permita-me achar que o descanso é merecido. Nos encontramos de novo aqui no final de novembro – mais precisamente no dia 26. Pode até ser que, tomado de uma saudade arrebatadora da nossa conversa (e quem vai dizer que não é uma conversa), eu mande aqui uma daquelas fotos com a singela pergunta: “onde eu estou?”. Mas não garanto – melhor dizer apenas que vou para o “não lá”!

Como cantavam as Go-go’s em “Vacation”, um clássico pop sobre (justamente) férias: “Vacation / all I ever wanted / vacation / had to get away / vacation / meant to be spent alone”… Geralmente eu até me dedico a traduzir as coisas que cito aqui, mas hoje, desculpe, tenho um avião para pegar. Até… breve?

É tudo verdade

qui, 18/10/07
por Zeca Camargo |
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Em março do ano passado, o “Fantástico” exibiu o documentário “Falcão – meninos do tráfico”, produzido pelo rapper MV Bill, pelo seu empresário Celso Athayde e pelo centro de audiovisual da CUFA (Central Única das Favelas). Este blog ainda não existia – algo que eu lamento pois este seria também um bom assunto para abrirmos o debate aqui. Não é isso que eu vou fazer hoje, porém. Menciono esse episódio apenas porque me lembrei de um telefonema em particular que chegou à Redação do programa naquela noite em que “Falcão” foi ao ar. Foram dezenas de ligações, entre elogios e protestos – e, nessa última categoria, o que me chamou mais atenção foi o de um pai revoltado por estarmos exibindo “aquilo” na televisão. Indignado, ele argumentava: “estou com minha filha de oito anos assistindo ao programa e… o que eu vou falar para ela? Como eu explico isso que vocês estão mostrando?”.

Repito, não vou usar este espaço hoje para discorrer sobre os muitos méritos (e possíveis pontos fracos) de “Falcão” – se você por acaso não assistiu no ano passado, já existe um DVD, lançado pelo próprio MV Bill com o material; pode correr atrás! Mas, para ninguém se perder na minha argumentação, vale dizer, em linhas bem gerais, que o documentário é um registro, feito em favelas do Brasil, por pessoas lá de dentro mesmo, sobre a vida desses “falcões” – que, segundo a própria entrada do filme na Wikipédia, são aqueles “cuja tarefa é vigiar a comunidade e informar quando a polícia ou algum grupo inimigo se aproxima”. E, só para dar mais uma informação oficial, dos 17 “falcões” entrevistados, 16 morreram durante as gravações “vítimas da violência na qual estavam inseridos” (segundo o mesmo texto na Wikipédia).

“Falcão” me veio à lembrança – ou melhor, aquele comentário de um telespectador sobre o trabalho – depois que fui assistir, no cinema, a “Tropa de elite”. Já chego lá – mas, antes, deixe-me voltar um pouco ao tal pai “revoltado” com a exibição do documentário. Quando soube de sua reclamação (não fui eu que atendi o telefone, mas outra pessoa da equipe), minha primeira reação foi pensar: “Ah… não sabe o que dizer para sua filha o que significa isso? Isso é o país onde ela está crescendo, meu senhor, e seria interessante o senhor explicar para ela exatamente o que está acontecendo neste país pois um dia, quem sabe, quando ela crescer, ela vai poder não só entender melhor a realidade em que ela vive, como inclusive, educada desde pequena, pode até pensar em soluções para transformar essa realidade… quem sabe para melhor”.

Obviamente não me expressei dessa maneira para aquele telespectador – mas pensei nessa curiosa reação por vários dias (e volto nela, como você pode ver, até hoje). Seria mesmo melhor, para esse pai, tentar explicar para sua filha pequena o que significava aquela reportagem no contexto do Brasil onde ela iria crescer? Ou seria mais fácil e simples, dizer apenas: “não liga não filhinha… isso é coisa da televisão… eles vivem inventando coisas…”? Talvez, pela indignação do telefonema que ele havia dado, ele tenha preferido a segunda opção – o famoso gesto de “tapar o sol com a peneira”. Afinal de contas, no dia seguinte pela manhã, sua filha iria para a escola, com seu uniforme limpinho, aprender na sala de aula coisas que pouco ou nada teriam a ver com o que ela acabara de assistir na televisão naquela noite de domingo. E a vida continuaria esse conto de fadas até que um dia, eventualmente, esses dois universos – o do aconchego do papai e o da estupidez do tráfico (e do consumo) das drogas – se cruzassem nos pilotis da faculdade particular que esse mesmo pai estaria bancando para a filhinha. Mais ou menos, aliás, como acontece em “Tropa de elite”.

Mas aí já seria tarde para explicar para ela que tudo que ela viu quando ela era pequena naquele documentário da televisão era verdade.

No último post perguntei se mais alguém tinha reparado não só na força das imagens que saíam do projetor durante uma sessão de “Tropa de elite” mas também na por vezes bizarra reação da platéia e… bingo! Não fui só eu então que percebi risos deslocados, comentários gratuitos e pantomimas inexplicáveis durante a exibição (sobre esse último comportamento, somente a título de ilustração, cito um pai, que estava sentado perto de mim, e que tinha levado seu filho, certamente de menos de dez anos, para assistir a “Tropa de elite”, e que de vez em quando, respondendo a uma ou outra dúvida do “filhão” sobre o que estava acontecendo na tela, fazia, junto com um som que tentava imitar um tiro de revólver, a mímica de quem estava atirando à distância num alvo em movimento – no caso, o próprio filho… ah, esses pais tão brincalhões…).

Os comentários enviados até hoje de manhã me deixaram bem feliz, não, claro, pela constatação do comportamento surpreendente de parte da platéia, mas pela sempre bem-vinda ampliação da discussão – cumprindo assim a missão deste blog. O João, por exemplo (comentário 29), reparou que uma garotada brincava de se estapear na saída do cinema dizendo “tira essa farda… você não é caveira” – bonitinhos, não? O Rilton (28), com fina ironia, comparou o comportamento da platéia da sessão que assistiu à de um besteirol tipo “Todo mundo em pânico”. E por favor não deixe de ler o comentário da Kely (29), que, aliás, não viu o filme, mas sentiu a “influência” dele em seus alunos (“de classe alta”): “era como se tivessem visto, sei lá, uma comédia urbana”…

Como disse o Robertto (comentário 45), algumas vezes a intenção do diretor talvez fosse mesmo fazer rir, “mas rir sorrisos nervosos, de quem não pode negar que participa, de uma forma ou de outra, de coisas horríveis. Mas nunca gargalhadas, como presenciamos”. Fiquei curioso… Será que as risadas vieram nos mesmos momentos do que as da sessão que eu assisti? Quando, durante um treinamento do Bope, o capitão Nascimento fala que é hora de aprender a carregar cadáver? Quando o capitão Nascimento briga com sua mulher para ela nunca mais dar palpite sobre seu trabalho? Quando os universitários estão no morro cheirando cocaína? Quando um alto oficial descobre que foi “furado” (por um policial de escalão mais baixo!) no seu esquema de propina com o jogo do bicho?

Claro que há momentos feitos para provocar o riso no filme (a seqüência de empurra-empurra de cadáveres entre as áreas de responsabilidade de uma ou outra delegacia é macabramente hilária). Mas é que… passou um pouco da conta. E isso, para mim, só pode ser explicado porque, para uma boa parte do público, “Tropa de elite” é um filme de ficção (como colocou bem o comentário 32 – infelizmente anônimo). Calma! Até novas evidências surgirem, o trabalho do diretor José Padilha, apesar de baseado em relatos e histórias reais, é mesmo uma obra de ficção – no sentido de “construída”. Mas ela está longe – muito longe – de não representar uma realidade.

Mas para que encarar uma realidade, quando é muito mais fácil achar que aquilo é simplesmente uma grande invenção? É muito mais fácil pensar algo como: “nossa… de onde os caras tiraram isso? Esses caras tão viajando!”. Como aquele pai revoltado com a exibição de “Falcão” no “Fantástico”, é melhor achar que é tudo mentira… É tudo verdade. Mas é melhor achar que é tudo mentira.

É melhor pensar que não pode existir um espetáculo como aquela cena da execução (que é conhecida como “microondas”) onde uma pessoa é queimada presa em uma coluna de pneus. Aquilo tem que ser inventado! Segundo relato da filha de uma amiga minha, numa sessão em São Paulo, uma pessoa na platéia teria se lembrado, nesse momento, do assassinato do jornalista Tim Lopes – mas estamos falando de uma exceção, certo? Como acreditar que aquilo realmente acontece quando é possível ver, na TV aberta, um programa de humor que, para comemorar seu aniversário, tacou fogo em uma de suas apresentadoras como se ela fosse a vela de um bolo. Ela estava, claro, protegida por uma roupa (e um gel) especial, acompanhada por uma equipe de especialistas de dublês – tudo muito seguro… Agora… engraçado? Não estou dizendo que o programa que achou que a “vela humana” era hilária deve ser condenado (experimenta falar mal desse tipo de humor para ver milhares de dedos apontando na sua direção te chamando de reacionário!), nem que o momento “microondas” do filme deveria ser assistido com solenidade. Mas é que quando entramos numa freqüência onde qualquer coisa é uma piada, tudo se mistura – e uma cena como aquela de “Tropa de elite” ganha automaticamente a conotação de uma grande “tiração de sarro” – e tudo bem!

Não, não é tudo bem. O filme é brilhante – e já foi elogiado de tantas maneiras que acho que eu pouco acrescentaria aqui neste sentido. Para não perder a oportunidade, poderia dizer que gostei de “Tropa de elite”, entre outras coisas, por ter provocado o surreal debate sobre se ele é o não um filme fascista – debate esse onde, pelo que pude acompanhar, poucos eram os que tinham noção do que poderia significar a expressão “filme fascista”…). O trabalho de José Padilha é, claro, muito mais do que isso (para não falar das contribuições superlativas de Wagner Moura, André Ramiro e, em especial, Caio Junqueira). Mas minha opinião, nesse sentido, só se juntaria ao coro de elogios que o filme mais importante da temporada (e você reparou que eu não usei o adjetivo “brasileiro” depois de “filme”?) recebeu – e vai continuar recebendo.

Prefiro aqui deixar esse espaço aberto para saber mais da sua reação – e da reação da platéia quando você assistiu ao filme. Para voltar àquele comentário 32, do post anterior, será que você também acha que “quando perceberem que não se trata de um filme, mas da vida real (…) a dor na consciência vai pesar”? Será mesmo? Talvez não antes de, como sugeriu o colunista do “Estadão”, Matthew Shirts, em artigo recente, o filme fazer parte do currículo escolar em todo o país. Mas aposto que, se isso um dia acontecer, vai ter um pai reclamando que o filho dele voltou para casa fazendo perguntas inconvenientes sobre o país onde ele vai crescer…

(Você deve estar se perguntando – e com todo direito – a que se referem as fotos que ilustram este post. Bem, vamos ver se você adivinha onde ela foi tirada, o que ela significa e, quem sabe, até o porquê de ela estar ilustrando este texto. Segunda-feira continuamos…)

O som do silêncio

seg, 15/10/07
por Zeca Camargo |
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Eu não quero escrever sobre isso hoje. Mas é que eu fui assistir a “Tropa de elite” – e fiquei chocado. Só que não quero escrever sobre isso hoje. Hoje eu tirei para falar de Young Marble Giants. Mas é que, numa tentativa de driblar o fuso horário no retorno do Japão, eu fui conferir “Tropa de elite” num cinema – e o que eu vi me deixou perplexo. Não o que eu vi na tela – que bem ou mal só coloca em imagens o que a gente já conhecia por palavras. O que me deixou sem ação foi o que eu presenciei na platéia. Fui ver o filme num shopping center da zona sul paulistana – o que já define um pouco a freqüência da sala em que eu estava. A reação, os comentários, e, sobretudo, as risadas, me deixaram mais sem ação do que qualquer cena de alguém que vai “pro saco” no filme. Mas eu não quero mesmo falar sobre isso hoje – então, fica para quinta-feira (e se você presenciou alguma coisa estranha na sua sessão de “Tropa de elite”, mande aqui como um comentário).

Hoje, como adiantei na semana passada, o assunto é a banda de favorita de Kurt Cobain (há controvérsias, mas já explico como eu soube disso), aquela que me salvou do choque de ter ouvido “Rise”, do PIL, numa churrascaria em Nagoya, que me acompanhou nos longos vôos de volta para casa – e que ainda me acalmou quando eu voltei da revoltante sessão de “Tropa de elite” (e você tem minha palavra de que essa foi a última vez que eu cito esse filme hoje).

Fui descobrir Young Marble Giants “de trás para frente” – isto é, primeiro fiquei obcecado com uma banda chamada Weekend, por causa de um disco sensacional chamado “La varieté” (1982). E quando não tinha mais o que ouvir dela (uma das mais vibrantes manifestações da esquisita onda de “new bossa” que atravessou o pop inglês dos anos 80 – e que, entre vários grupos descartáveis como Matt Bianco, também ofereceu o impecável Everything But The Girl), fui procurar as origens da banda. Numa era pré-wikipédia, nem sempre era muito fácil traçar árvores genealógicas musicais. Assim foi com um certo esforço que descobri que a cantora Alison Statton (cujos vocais, de uma clareza cristalina, poderiam ser usados em aulas de conversação de inglês) tinha gravado um disco, em 1980, com dois irmãos (Phillip e Stuart Moxham), sob o nome de Young Marble Giants.

Foi mais um bom tempo até eu conseguir colocar as mãos nesse vinil (novamente, eram os tempos pré-internet…). Mas quando finalmente eu consegui ouvi-lo no meu, então, moderníssimo toca-discos (que, com duas agulhas, executava um LP inteiro – que ficava na vertical – sem precisar virar o lado), foi um baque. “Colossal youth”, o único disco oficial gravado por eles, não se parecia com nada que eu havia ouvido até então (na minha ainda modesta cultura pop).

Tive uma sensação parecida quando ouvi o primeiro disco dos B-52’s (o da capa amarela), “Dazzle ships”, do OMD (ou Orchestral Manouvers in the Dark), e “Autobahn”, do Kraftwerk. Mas dessa vez era diferente. Ao contrário dessas experiências anteriores, “Colossal youth” não parecia ter sido composto por extraterrestres: era uma música feita por gente – uma gente muito esquisita, que gostava de usar muito poucos instrumentos nas suas composições, que preferia preencher suas canções (que raramente iam além dos três minutos) com um vocal muito tímido e que soavam ao mesmo tempo intimistas e desesperados. Humanos, enfim.

Tive a certeza, depois de consecutivas audições, de que estava diante de uma obra única. Procurei em vão um outro trabalho deles, mas só encontrei coisas soltas – quando muito algumas faixas diferentes reunidas numa espécie de coletânea chamada “Salad days”. Meu apetite não foi saciado – e achei melhor guardar esse meu “achado” na gaveta “favoritos para revisitar em momentos difíceis”. Até que, quase dez anos depois, entrevistando Kurt Cobain, que passava com o Nirvana para um show histórico no Brasil, o nome da banda reapareceu da maneira mais inesperada.

À certa altura da conversa – perenemente tortuosa -, falávamos de inspiração, Kurt disse que começou a escrever porque queria fazer música como o Young Marble Giants. Dei uma engasgada típica de desenho animado: não conseguia acreditar no que tinha acabado de ouvir e, para não deixar o assunto passar batido (mesmo que ninguém que pudesse assistir à entrevista identificasse de imediato que eram esses caras), joguei fora a minha pauta e comecei a perguntar ao Kurt, o que ele achava de especial na banda. Segundo ele contou, ela era uma de suas favoritas – ouvida, provavelmente, em suas longas noites da adolescência. As músicas deles, tão fáceis e tão fortes, eram, para Kurt, o exemplo do que deveria ser uma boa canção pop – e ele queria, com o Nirvana, atingir o mesmo nível de simplicidade e impacto.

Quando eu ainda me recuperava do susto de ter ouvido Kurt falar de Young Marble Giants, ele tira da sua bolsa – um saco de pano bastante emporcalhado – dois CDs dos Mutantes (isso era antes de eles terem um renascimento entre o cenário musical alternativo nos Estados Unidos, antes de Beck ter servido como um padrinho fundamental desses filhos da Tropicália), e me pergunta: “Onde eu posso conseguir mais disso?”. Foi o suficiente para eu me perder totalmente na minha linha de pensamento. Deixei a entrevista correr ao sabor da conversa de Kurt. Os detalhes, como já adiantei, estão no meu livro “De a-ha a U2″ – leitura fortemente recomendada (descontado aí a autopromoção) para os fãs do Nirvana. Só não conto mais porque hoje é dia de Young Marble Giants. E eu quero usar o espaço que me resta para tentar explicar melhor que som é esse que transcende qualquer classificação.

Antes, porém, uma boa notícia: para quem não é exatamente da minha geração – e não pegou o vinil de “Colossal youth” -, acaba de ser relançado um CD triplo que inclui esse álbum remasterizado, mais as faixas de “Salad days”, as famosas sessões do programa de rádio do DJ inglês John Peel, e algumas escassas raridades. Compre. E depois me fale se a descrição abaixo corresponde ao que você ouviu.

Não dei aquele título acima para este post à toa. Cada música do Young Marble Giants é um passo na direção do despojamento total. Mais do que a famosa canção de Simon & Garfunkel, esse é o verdadeiro som do silêncio. É quase nada: um baixo básico, um teclado que parece um instrumento de criança, e o vocal titubeante de Alison Statton – isso, quando ele aparece, uma vez que boa parte do repertório da banda é instrumental. Tudo parece não passar de uma brincadeira juvenil, mas o resultado final é seríssimo – e comovente.

Há pouco tempo descobri um raríssimo DVD, “Live at the Hurra”, que mostra a bizarra performance da banda no palco. Assim como o som deles não se parece com nada conhecido, a presença de palco de cada um dos três membros – como diria o robô de “Perdidos no espaço” – “não tem registro”! Uma amostra disso foi, claro, para no youtube (e você pode conferir logo abaixo).

Mas, isso (com o perdão do clichê) é só a ponta do iceberg. Mesmo depois de duas décadas, cada vez que escuto “Colossal youth” é como se eu descobrisse novamente o que é respirar. Foi assim agora no Japão, quando comprei o relançamento ao qual me referi há pouco. E vai ser assim quando eu ouvir Young Marble Giants daqui a pouco, quando, tentando esquecer a experiência de ter assistido “àquele filme” (ooops – quase falei!), eu me entregar novamente a esse som – do silêncio. Em silêncio.

Raiva é energia

qui, 11/10/07
por Zeca Camargo |
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Não, este não é um texto sobre os comentários mais, digamos, alterados com relação ao último post. Tampouco a frase anterior é uma ironia. Não quero usar desse recurso tão frágil nessa mídia chamada internet. Até porque, se tantas viagens ao Oriente me ensinaram alguma coisa, foi a mensagem zen de ficar com as boas coisas, entender que as más existem, e ir em frente. Assim, em meio a inevitáveis (e sempre bem-vindas) discordâncias, o que fica mesmo é a frase de um comentário mandado pela Aryane: “Eu nasci no Brasil, mas pertenço ao mundo”. Qualquer dúvida, é só reler o post anterior com atenção…

Enfim, este é um texto sobre música pop – um assunto que (preciso sempre me lembrar) me inspirou a aceitar escrever este blog, mas que eu mesmo ando esquecendo de explorar. O título acima é uma tradução (até que razoável) do refrão de uma das melhores canções pop de todos os tempos (um dia desses, pode cobrar minha lista das 100 músicas pop mais perfeitas) e também uma das mais estranhas: “Rise”, do Public Image Ltd. – ou simplesmente do PIL, ou ainda, se você preferir, do cara que se chama oficialmente John Lydon, mas também atendia pelo nome de Johnny Rotten, e teve de se reinventar depois de ter sido imortalizado como o rosto do Sex Pistols.

Geralmente quando eu falo de uma banda que existiu há mais de cinco anos, eu sempre recomendo, conhecendo as estatísticas sobre os internautas, que meu leitor médio consulte sempre alguém mais velho (ou a própria internet) para mais informações. No caso do Sex Pistols, porém, quero acreditar que esse conselho é irrelevante. Mesmo o fã mais alienado de Britney Spears ou Fergie (ou até mesmo de Linkin Park!) já ouviu falar dessa banda. Talvez até você seja um fã genuíno e eu estou aqui cometendo uma injustiça. Mas só quero ser bem didático, não alienar ninguém, e deixar tudo bem claro desde o começo para chegar onde eu quero – que é ao Young Marble Giants. Mas vamos com calma.

Eu falava de “Rise”, que foi, talvez, o maior sucesso de PIL, quando a carreira de Lydon (que teve seu apogeu – e queda – entre 1976 e 1977 com o Sex Pistols) experimentou um breve renascimento nos anos 80. Eu estava em Londres, em 1986, quando esse “single” foi lançado – e poucas vezes eu me senti tão feliz de estar perto de ver a história acontecendo (pelo menos a história do pop). A cada momento que eu ouvia aquela introdução – e ela tocava em cada biboca que eu entrava pela cidade – eu sentia imediatamente um arrepio. E se isso acontecia apenas nesse início poderoso, imagine o que se passava comigo quando vinha o grito do refrão, esse que tomei emprestado para o título de hoje: “Anger is an energy! Anger is an energy!” (que pode ser conferido no poderoso – ainda que datado – vídeo abaixo).

Era bom ter 23 anos, estar num lugar como Londres, e ouvir isso. Melhor ainda era repetir isso cantando pelas ruas geladas, enquanto eu almoçava uma fatia de pizza endurecida (uma libra esterlina!). Essa lembrança, claro, não veio à toa. “Rise” reapareceu para mim num improvável contexto, durante uma gravação em Nagoya, no Japão – o país que estou visitando a trabalho. Acompanhando o dia de um decasségui (descendente de japonês que volta ao país dos seus ancestrais para trabalhar como operário e fazer algum dinheiro) recém-chegado do Brasil, eu almoçava, junto com minha equipe, no lugar menos típico possível: uma cadeia – mundial – de restaurantes de inspiração australiana (existe até no Brasil), especializada naquilo que, na casa da minha avó mineira, se chamava “bife na chapa”.

Nesse ambiente, que, insisto, não tinha nada a ver com o Japão, a trilha sonora ambiente (oferecida num volume altíssimo) era execrável: o pior do pop-rock dos anos 70, 80 e 90 (você sabe do que eu estou falando…). Quando então, para minha surpresa, os alto-falantes começam a tocar “Rise”.

Foi estranho. Não apenas por essa música não ter nada a ver com o lugar onde eu estava, mas também por essa aparição inesperada me remeter a uma outra viagem que fiz ao Japão – a primeira, há quase dez anos. Foi justamente para entrevistar John Lydon, quando ele havia ressuscitado o Sex Pistols – obviamente sem um dos seus membros originais fundamentais, Sid Vicious, morto em 1979 – para uma turnê que se chamava (com apenas uma ponta de ironia) de “Lucro imundo”, ou “Filthy lucre”, no original. Mais ou menos o que os Mutantes fizeram recentemente – mas vamos deixar isso para outra hora.

Enfim, o que me veio à memória foi a imagem de John Lydon, de cabelo vermelho e verde, vestido em couro e tachas, sentado no quarto de um hotel em Roppongi – um bairro nobre de Tóquio – falando sobre música comigo (um relato mais completo da entrevista está no meu livro “De a-ha a U2). Só que o “flashback” veio com um detalhe bastante perturbador: o cara que fez “Rise” (e, claro, que fez também “Anarchy in the UK”, “God save the queen” e “Pretty vacant”), que, mesmo na sua decadência artística, ainda significava alguma irreverência, de repente, estava ali como música ambiente de uma churrascaria popular.

Estranho sim… Mas ao mesmo tempo que pensava sobre isso, voltando no trem-bala para Tóquio, me lembrei, procurando um certo conforto, de que esse é o caminho de todas as coisas: mesmo a mensagem mais irada (e não uso esse adjetivo aqui como se estivesse numa praia carioca), em questão de alguns anos, vira um ruído pop, facilmente digerível como pano de fundo de um almoço informal (pelo menos mais digerível do que aquele primeiro pedaço de carne “ocidental” que eu comi depois de vários dias de uma dieta essencialmente japonesa…). Toda a loucura dos olhos de Lydon, reduzida a isso.

Cheguei tarde ao hotel e fui procurar apoio musical numa pilha de CDs que comprei numa loja de música em Shibuya (o bairro do agito em Tóquio) que tem seis andares – uma loja, é importante assinalar, da mesma cadeia da Tower Records, que faliu nos Estados Unidos, mas que, aqui no Japão, ao contrário de todos os estabelecimentos americanos do ramo, “ferve” de gente das 10h às 23h (uma grata anomalia comercial que este que vos escreve, e é membro declarado daquela rara espécie que ainda compra música nesse formato, encontrou por aqui).

Escolhi uma reedição do clássico (e, a rigor, único álbum oficial) do Young Marble Giants, uma das bandas mais importantes de todos os tempos que quase ninguém ouviu falar. O nome dessa pequena obra-prima é “Colossal youth”- ou “Juventude colossal” – algo que eu achei que precisava ouvir naquele momento. E escolhi bem. Só mesmo alguma coisa tão revolucionária assim poderia me tirar do torpor de ter escutado “Rise” em ambiente tão estranho.

Ben, chegamos ao impasse de sempre. Esse disco, e essa banda, eram, na verdade, o assunto principal do post de hoje. Mas acabei, como de hábito, me perdendo nas lembranças e este texto já está um pouco longo – ainda mais para quem está com poucas horas de sono acumuladas por três semanas como eu… Assim, vou deixar Young Marble Giants para a semana que vem (só esclarecendo, minhas férias começam no dia 20).

Se, porventura, você teve a graça de cruzar com esse som, já sabe: pode esperar pelo melhor. Para você que talvez só tenha ouvido falar vagamente deles – ou que simplesmente está sendo apresentado a eles hoje, neste post – deixe-me adiantar apenas um motivo para você se interessar mais: essa era a banda favorita de Kurt Cobain (sim, Nirvana!). Outro cara que, como John Lydon, tinha olhos de um azul que era pura serenidade e inocência – mas que eram também olhos de fúria. Os caras por trás desses pares de olhos, geniais no que criaram, souberam aproveitar como ninguém a idéia de que “raiva é energia”. E é esse o eco que está na minha cabeça, enquanto eu tento ter sono, ao som de “Constantly changing” e “Eating Noddemix”, do Young Marble Giants.

Revisitando Kaiser Soeze em Tóquio

seg, 08/10/07
por Zeca Camargo |
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Eu nunca achei que você chegaria a ver esse dia… algumas pessoas reclamando de um texto… curto? E o mais engraçado é que eu mesmo não encarei o último post publicado como algo “menor”, mas sim como algo diferente. Não sei se é a temporada no Japão… Talvez a expectativa de quem passa por aqui esteja alta demais (e a culpa, claro, é minha, com muito orgulho!). Mas o que essas pessoas queriam? Profundidade? Enrolação? Bem, a elas então eu dedico agora este pequeno tratado intitulado: “Perspectivas da semiótica no contexto da contemporaneidade relativa entre o apogeu da era Edo e a presença da linguagem do mangá na representação artística japonesa pós 11 de setembro”.

Obviamente este post não é sobre isso, pode relaxar (apesar de eu ter falado sobre isso com o dono de uma das galerias de arte mais interessantes aqui em Tóquio, a Mizuma). Como eu sempre faço questão de esclarecer (há um ano…), este é um espaço para escrever sobre cultura pop (alguns leitores têm problemas com a definição ligeiramente provocante sobre a abrangência desse tema – “alta, baixa, não importa” -, mas essa é uma discussão para outra hora) e eu espero honrar essa missão até… bem, até quando eu estiver a fim. Por isso o tema de hoje é… Kaiser Soeze! Quer dizer, não exatamente ele – um dos vilões mais interessantes que o cinema já criou -, mas uma linha de pensamento que… bem, quer me acompanhar? Pode ser que seja um texto longo…

Na última sexta-feira, eu saía de uma entrevista na galeria Mizuma, quando, inspirado pelos comentários dos artistas que entrevistei (Makoto Aida e Hisashi Tenmoyouya) sobre como aquela área de Tóquio onde estávamos (Naka Meguro) tinha se tornado nos últimos anos um minicentro de cultura alternativa, resolvi convidar a nossa equipe para comer um yakitori por ali. Antes que você dê um google na estranha palavra da frase anterior, eu já explico que se trata de mais um prato típico do Japão – que eu mesmo só descobri recentemente (e fora do Brasil…). As infinitas possibilidades de espetinho na brasa me impedem aqui de dar uma descrição completa da “arte do yakitori”, mas vale a pena dizer que essa é apenas mais uma faceta que uma culinária que vai muito além do sushi e do sashimi que nos acostumamos a consumir quando (nós no Ocidente) vamos a um restaurante japonês.

Ah! E é popular também: cada espetinho sai por menos de dez reais. Aliás, nesse lugar (que, se eu consegui entender bem a tradução que me deram, pode ser chamado de “Balidori”), a atmosfera era de tanto despojamento que todos comiam de pé, em modestas bancadas distribuídas pelo pequeno espaço. Enfeitando as paredes, nada além de (sempre irritantemente belas) garrafas de saquê (que por aqui soa mais como “sáque” do que “saquê”), os minicartazes com as opções do dia (o de almôndega de frango com wasabi (raiz forte) estava especialmente gostoso), e uma pequena tela de plasma – onde eu reencontrei Kaiser Soeze.

Não se lembra? Não se lembra de “Os suspeitos”? Talvez você não tenha a idade para ter visto esse filme no cinema. Afinal, ele é de de 1995 (já passou tanto tempo assim?!), e para ter 18 anos nessa época, você tem de estar agora com 30 – ou seja, qualquer leitor mais jovem que isso… Mas não vamos nos perder em contas. Se você não assistiu a esse excelente filme (um dos roteiros mais perfeitos já filmados, sobre a caçada ao misterioso bandido que empresta o nome para este post), aproveite o feriado desta semana e corra atrás. Eu faço questão e evocar Kaiser Soeze aqui para dar o clima do lugar onde eu estava (porcamente reproduzida aqui na foto acima, de minha vergonhosa autoria).

Ao contrário das TVs de plasma que infestam boa parte dos bares no Brasil (sobre os quais eu já comentei aqui), essa era bem pequena, e não servia, como na maioria dos casos, como um substituto para a conversa. Pelo contrário! O volume das vozes era contagiante, e a tentação de rever uma cena de “Os suspeitos” era facilmente superada pela animação dos presentes. Talvez o fato de estarmos todos de pé dava uma certa urgência aos papos da noite, mas o fato é que a energia daquele lugar era intensa. Na nossa pequena roda, falávamos desde sobre carros japoneses à literatura: Tamai, nossa produtora aqui, uma japonesa que já morou no Brasil, confessava sua dificuldade em “atravessar” Guimarães Rosa, ao mesmo tempo que elogiava Clarice Lispector, enquanto eu, diante do meu modestíssimo conhecimento de literatura japonesa contemporânea, arriscava comentar o pouco que já li (Haruki Murakami, Banana Yoshimoto).

Também bem alta, a trilha sonora (talvez destoando, de uma maneira positiva, do aspecto geral do lugar) variava entre clássicos da “disco” a obscuros sucessos dos anos 80 (alguém sabe – ou se lembra – de quem é “Chant no.1″?). Entre as menos de 20 pessoas que lotavam o restaurante (e que se entregavam passivamente a uma espécie de defumação, com a fumaça intensa que saía da grelha do chef), alguns poucos ocidentais como eu – os que eu pude chegar perto o suficiente para perceber a conversa, falavam japonês com fluência. A maioria bebia chope – mas eu preferi apostar um drinque mais local: uma cerveja sem álcool servida com uma dose de uma estranha (e mais forte) variação de saquê chamada “shochu” (teor alcoólico de 25%!). E o que era para ser apenas um lanche rápido, acabou virando uma noitada animada. E de pé…

E o que havia de especial nessa noite. À primeira vista, nada. Mas os leitores que me conhecem já puderam identificar, nessa cena, uma das minhas situações favoritas: a enorme mistura de culturas que nosso intenso mundo contemporâneo é capaz de oferecer num microcosmos como uma casa de yakitori em Tóquio. E é, acredite, essa mistura que conta para mim – é disso que eu quero sempre correr atrás. Essa é a grande experiência!

Quanto mais eu ando pelo mundo, mais eu tenho a certeza de que a única coisa que realmente não vale a pena perder é a curiosidade. E é por isso que eu fico modestamente decepcionado quando alguém chama de “preguiçoso” um post como o anterior. Decepcionado não com a crítica (quantas vezes já falei que, se existe um espaço onde eu posso escrever o que eu quiser, do tamanho que eu quiser, ele é aqui, na internet?), mas com meu fracasso em ter passado a mensagem de que essa experiência cosmopolita é suprema.

Não um fracasso completo, já que boa parte – eu arriscaria até a esmagadora maioria dos meu leitores – é capaz de embarcar nesse roteiro sem muita bússola e aceitar o convite para ler sobre qualquer assunto que eu propuser. Mas acho incrível como alguém que passa por aqui não consegue perceber que a proposta deste blog é muito maior… Só uma coisa me deixa mais perplexo que isso: o comentário cínico que insinua que os assuntos tratados aqui privilegiam o que acontece mundo afora, e não o que se passa no Brasil… Ora… e eu lá estou ligando para fronteiras? Se ainda resta alguma dúvida sobre isso, faço minhas as palavras de um dos mais respeitados fotógrafos contemporâneos no mundo (um brasileiro!), Sebastião Salgado. Num número recente da “Newstatesman”, ao participar de uma coluna regular da revista com dez questões “existenciais”, ele deu essa resposta à pergunta “se você fosse o líder do mundo, qual seria sua primeira lei?”: “Eu ficaria livre das fronteiras; eu acho que elas estão destruindo nosso planeta”.

Fronteiras… Por que, ao invés de ficar batendo um tamborzinho para uma cultura local, quem fica reclamando que nossas manifestações artísticas são sempre negligenciadas não muda o tom? Em vez de ficar choramingando um “olha eu aqui”, por que não sair perguntando “onde eu me encaixo”? Aqui mesmo, no Japão, o Brasil está presente – e como! Ernesto Neto, um dos nossos melhores artistas contemporâneos, está expondo até o próximo dia 21 em Tóquio (essa foto ao lado foi tirada lá!). No mês passado, no Tokyo International Forum, aconteceu um badalado festival de cinema brasileiro por aqui (já é o terceiro ano) – e “Tropa de elite” está prometido para 2008. E sabe qual é o destaque dos lançamentos na HMV (uma das maiores lojas de CD do bairro de Shibuya)? Orquestra Imperial!

Por isso tudo, declaro minha preguiça profunda por todos os que preferem ficar nesse contexto mais miúdo. E conclamo, mais uma vez, os que já me acompanham a correrem mais alguns riscos comigo pelas semanas vindouras. Ironicamente, faço esse convite às vésperas de sair de férias (logo depois dessa viagem ao Japão), quando não vou poder responder pela regularidade deste post (talvez um ou outro “onde eu estou?”… mas não garanto). No entanto, vamos em frente. É para você que eu escrevo. O que me dá mais prazer atualmente é ver que não estou falando sozinho ao dividir essas idéias.

Aliás, não estou sozinho nunca, num planeta tão diverso e interessante como esse nosso: seja numa biboca em Naka Meguro, num teatro na praça Tiradentes, numa loja de discos em Palermo Viejo, numa galeria em Chelsea, ou numa livraria na Paulista. Basta eu me deparar com alguma coisa diferente, que eu já tenho companhia.

Só para encerrar: achei essa ilustração na sala de embarque do aeroporto em Okayama. Nem sei o que o texto quer dizer (alguém se arrisca?), mas essa imagem para mim é perfeita: com um mundo tão incrível como esse, disposto a ser nosso balão, por que eu vou guardar minha curiosidade dentro de casa?

Fotolog?

qua, 03/10/07
por Zeca Camargo |
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Mesmo depois de um ano, faço questão de ser marginalmente alienígena (pleonasmo?) a esses detalhes técnicos. Assim, essas fotos que resolvi colocar no post de hoje para ilustrar (preguiçosamente) essa passagem pelo Japão, existem numa espécie de limbo das definições. Talvez você queira me ajudar nessa explicação, talvez você só queira conferir as diferenças (ou as semelhanças) entre essa pequeniníssima amostra de máquinas de distribuição de refrigerantes no Japão, presentes em cada canto das ruas por aqui.

São exemplos tirados de Tóquio, Toyama, Kyoto, Okayama, Naha e – sim – Naoshima! Ponto para quem arriscou, corretamente, que a abóbora de bolinhas ficava no Museu Benesse, que fica nessa ilha. Incrível como teve gente que foi direto na resposta correta! Acho que não existem mais mistérios em tempos de Google… O Elton e a Helena (que assinaram alguns dos primeiros comentários) acertaram praticamente de cara! Outros internautas foram também na mosca – não só quanto à abóbora de Yayoi Kusama, mas também quanto ao local da primeira foto, tirada no Centro Nacional das Artes, em Tóquio. Fico encantado – mesmo!

Mas vamos deixar esses comentários para depois, pois este é para ser um post breve – visual! Um flog? Ainda não sei a resposta. Tudo que posso dizer agora, daqui do outro lado do mundo, é que o Japão é algo intenso demais para digerir em apenas alguns dias. Vou precisar de pelo menos o dobro do tempo que eu já passei aqui (dez dias) para entender o que está acontecendo.

Quem sabe na segunda que vem, já de volta a Tóquio, eu consiga juntar um pouco mais as pontas dessa viagem bastante… ou melhor, bem pouco usual, Vou dormir ouvindo Kahimi Karie cantando “Ave Maria” (procure já na internet!). E quem sabe, quando acordar, eu já tenha algumas respostas para a pergunta: “que lugar é esse?”.

Onde eu estou? Quero detalhes…

seg, 01/10/07
por Zeca Camargo |
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Sim, detalhes. Afinal, quem assistiu ao “Marília Gabriela entrevista” deste domingo, sabe bem onde eu estou. Quando, no meio de tantas perguntas irresistivelmente legais, ela me perguntou qual era meu próximo projeto, respondi na lata – vítima voluntária da sedução de Gabi. Ou então você passou pelo site do “Fantástico” e viu que nossa equipe foi tema de uma reportagem por aqui – todos as informações para “desvendar o mistério”- pelo menos a pergunta básica – estão lá. Assim, de você que sabe o país por onde estou andando, quero detalhes: onde, mais especificamente, esta foto foi tirada? E, se você acertar, tem um desafio de bônus para no final do texto.

Mas pode ser que você não tenha assistido ao programa da Gabi e tenha até resistido à tentação de clicar no link do “Fantástico”. Então, vamos às dicas básicas.

Eu mesmo ando me perguntando onde estou. Ou melhor, nos últimos dias, a pergunta está mais para “quando eu estou”? Eu sei, parece estranho, mas tem horas que eu acho que estou no século 16 e outras em que sou catapultado para o século 21. Veja essa foto, por exemplo: parece uma construção bem moderna. E é! Ela abriga uma coleção bastante bizarra de obras de arte – e não digo bizarra apenas por ela refletir uma cultura bem diferente da nossa, mas por ser um espelho inesperado da cultura desse país que visito. Mas nada em suas paredes dá uma pista sobre o passado tão rico desse povo. E mais estranho que o acervo é a própria estrutura que me abriga: um prédio como esse, cheio de curvas, no meio de uma paisagem onde predominam as linhas retas.

Mas isso são detalhes… tenho cruzado esse território por avião, trem e barco – e, de vez em quando pego até uma estradinha (que é o meio mais… lento, digamos). Visitando várias regiões, tenho a impressão de que estou, na verdade, cruzando fronteiras, tamanha a diferença que se pode sentir de uma parte do país para outra. Em apenas uma semana já visitei duas megacidades e três lugares considerados patrimônios históricos pela Unesco – e um deles até se orgulha de uma piada sobre o próprio vilarejo, onde se brinca que uma casa com menos de 300 anos pode ser considerada nova…

Tenho comido de tudo. Quem me conhece, sabe que não sou de recusar prato nenhum. Mas, ultimamente, tenho sido testado com “iguarias” que vão desde um molusco que é ingerido vivo (num restaurante onde a refeição pode custar até R$ 400) até um pirulito salgado feito de um outro fruto do mar (e que não custa mais de R$ 10). Para compensar, tenho andado bastante: as maiores cidades desse país fervem com a vibração da população urbana, e as calçadas (especialmente no período da noite) são bastante movimentadas. A capital daqui já foi cenário de inúmeros filmes, mas percorrendo as suas ruas, descobre-se que as melhores descrições para sua atmosfera não estão no presente, mas em algum lugar do passado e numa data imprecisa do futuro.

E então? Mesmo que você não tenha descoberto antes, está fácil… Mas e o detalhe? Que cenário é esse? Fácil? Então essa última foto é o teste final: onde ela foi tirada? No mesmo país da foto de cima. Mas isso não basta… para ter seu esforço reconhecido aqui, tem que mandar o “endereço completo”. E a resposta? Bem, deixa eu ter um dia de folga (ou você pensa que essa viagem é de férias?) que a gente conversa…



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