Quer comprar a biografia não autorizada de Roberto Carlos legalmente agora? Pergunte-me como

qui, 28/06/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Quer comprar a biografia não autorizada de Roberto Carlos legalmente agora? Pergunte-me como


E viva a internet! Mais uma vez, graças a esse, como diriam os chineses (e talvez RC) “instrumento do mal”, você já pode encomendar pelo site www.bertrand.pt o livro “Roberto Carlos em detalhes”, de Paulo César de Araújo, sem correr o risco de ser preso (a não ser que o cerco à obra proibida tenha chegado também aos correios – se esse for o caso, informe este blog com urgência!). O volume sai por 24 euros (cerca de R$ 63) e a disponibilidade é imediata, “salvo ruptura de stock” (sic). Mas não se preocupe, pois os estoques estão relativamente cheios – a estante que eu vi na livraria (real, não virtual) Bertrand, no Chiado, em Lisboa, há apenas duas semanas, estava bem abastecida.

Ora pois, quem diria… Como se já não bastassem as dezenas de versões online da obra, fui encontrar, justo em Portugal, a tal biografia censurada – quer dizer, censurada não, pois censura, segundo o biografado em questão, seria ter mandado apagar alguns trechos da obra e não sumir com ela por inteiro do mercado (isto é, do mercado brasileiro). Bom, mas se não foi censura, foi o quê? Enquanto pensamos numa boa definição do episódio, vamos celebrar então essa volta do ídolo às rodas de conversa (ainda que por motivos menos nobres) colocando “Roberto Carlos em detalhes” na “ressaca da ressaca” desta Curva das Expectativas Flutuantes, minha modesta contribuição para o termômetro cultural da temporada que antecede as férias do meio do ano.

Temporada essa, cheia de filmes estreando – e não é coincidência que essa Curva venha cheia de promessas de celulóide. Porque é verão nos Estados Unidos – o grande período de férias anual do hemisfério norte -, nós aqui pegamos uma “rabeira” e ganhamos, mesmo que nesse minguado descanso de julho, uma avalanche de lançamentos no cinema. Não é das safras mais sofisticadas – os chamados “filmes de verão”, nos Estados Unidos, são pura diversão superficial. Mas, para cada “Ratatouille” ou “Tá dando onda” (que, inexplicavelmente só está previsto para estrear aqui em outubro – será que os distribuidores já ouviram falar que o público alvo de um filme de animação como esse sabe baixar na internet uma coisa que ele quer ver muito mais rápido do que eles conseguem soletrar “bilheteria fraca”?) – enfim, para cada “Ratatouille” e “Tá dando onda” (que por fazerem crescer nossa esperança no surrado universo do desenho digital, estão na categoria “ótimas críticas”), existe um “Sicko” – o novo filme de Michael Moore, que mesmo antes de estrear oficialmente nos Estados Unidos, já está gerando o “bochicho” de sempre.

Na nossa nem sempre feliz produção nacional, o melhor boca-a-boca tem sido para “Saneamento básico, o filme”, o novo trabalho do diretor Jorge Furtado – se você ainda não viu o trailer, clique aqui agora! E o filme completo estréia mês que vem – não perca!

No “pré-bochicho”, vamos de novela das nove (no meu tempo era das oito)… O clima de excitação já é grande para a trama que vai substituir… a trama que vai substituir “Paraíso tropical”. Mesmo ainda sem um nome definido, todo mundo já sabe que seu autor vai ser João Emanuel (“Cobras & lagartos”), e isso basta para criar o barulho necessário até a segunda metade de 2008 (que é a previsão da estréia). Ah, se a próxima produção do Projeto Quadrante tivesse um décimo dessa boa vontade do público… Depois de “A pedra do reino” (que, na sua breve existência, já mereceu a categoria da “ressaca”), seja “Capitu”, seja “Dois irmãos”, o que vier nessa faixa de produção tão nobre, vai ter que se esforçar para resgatar o entusiasmo do público que aplaudiu “Hoje é dia de Maria”.

Ainda na “ressaca”, “13 homens e um novo segredo” (que ainda não vi, mas “oiço” comentários – e são esses comentários, só lembrando, que tecem essa curva, e não a minha opinião pessoal apenas) abusou da trama complicada. Se você, como eu, já tinha tido uma certa dificuldade em fazer com que o golpe que eles deram em “12 homens e um segredo” fizesse sentido, pode perder essa esperança na parte final (?) da trilogia.

Para terminar, o Blue Man Group (de passagem pelo Brasil) está a um passo de ser o Cirque du Soleil da temporada – se eu encontrar aquelas cabeças assustadoramente azuis em mais um programa de TV ou uma capa de caderno cultural de jornal, é provável que eu acabe da cor deles… “Superexposição” para eles!

E naquele estágio imediatamente anterior, no “ponto de saturação”, está a movimentação para lembrar os dez anos da morte da Princesa Diana – Lady Di… Começa com esse megashow que acontece neste domingo (celebrando o que seriam seus 46 anos) e só vai terminar (se terminar) em agosto, mês marcado pela sua morte trágica em Paris em 1997 (ah, se eu me lembro bem desse plantão…). Prepare seu estômago…

Ou melhor: quer um antídoto para qualquer torpor cultural? Ouça o novo sucesso de Rihanna, “Umbrella”, que está na categoria “ótimas críticas”. Disparado, é a melhor música circulando nas paradas americanas e já contaminando (no melhor sentido possível) as FMs por aqui também. É uma canção assim que faz você renovar sua eterna esperança no pop – e para os que torcem o nariz para algo tão descartável, tente imaginar que a música encaixaria muito bem no repertório de uma certa Siouxie Sioux (rápido! clique aqui se você nasceu depois de 1985…).

Minha biografia

seg, 25/06/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Isso já deve ter acontecido com você também: você assiste a um espetáculo (um filme, um programa de TV, um show – qualquer evento cultural), e você tem aquela sensação de que ele foi feito especialmente para você, que, de alguma maneira, aquilo que foi mostrado com gestos (movimentos, imagens, palavras, músicas, sons – qualquer manifestação da criatividade humana) está lá para traduzir a sua história pessoal. Comigo isso já aconteceu várias vezes, mas nunca de uma maneira tão forte e intensa quanto na noite da quinta-feira passada, quando fui assistir a “Mar de gente”.

Foi uma semana abundante em ofertas performáticas em São Paulo, de ópera eletrônica (“O guarani”) a uma das companhias de balé mais respeitadas do mundo (Nederlands Dans Theater), passando, é claro pelos onipresentes humanóides do Blue Man Group (que também fui ver, mas prefiro guardar meu comentário para uma outra hora – aguarde a Curva das Expectativas Flutuantes na próxima quinta-feira). E entre tantas opções eu fui ver justamente a estréia do último trabalho do coreógrafo Ivaldo Bertazzo – o tal “Mar de gente”.

Não foi, claro, uma escolha gratuita. Ivaldo, que é uma das poucas pessoas que eu tenho a honra de chamar de mestre, foi alguém com quem trabalhei intensamente durante 12 anos. Comecei a freqüentar sua escola de dança em 1981 – e dois anos depois eu já estava dando aulas como seu assistente. Nesse período, participei de mais de 12 espetáculos (pelas minhas contas… pode ser que um ou dois tenham escapado) e passei por um processo de consciência corporal (uma expressão que infelizmente sempre parece mais pretensiosa do que ela realmente é) que carrego comigo até hoje. Trago a experiência do gesto, da dança, do movimento em cada momento do meu cotidiano – e faço isso sem o compromisso de um bom aluno que quer repetir a lição. Pelo contrário: as lições do mestre Ivaldo (para mim, é difícil chamá-lo de Bertazzo…) são assimiladas sem esforço e passam a fazer parte do nosso cotidiano como se tivéssemos nascido sabendo aquilo (e, quem sabe, não nascemos… já chego lá).

Ivaldo me deu, enfim, o presente da dança – essa mesma que já tentaram usar contra mim, numa tentativa pífia de desmoralizar o que é um dos ensinamentos mais preciosos que eu já tive nesses 44 anos. Um dia ainda vou escrever sobre essa minha experiência corporal (ah… os livros que ainda estão só em projeto…), mas, por hoje, vou preferir falar dela através de trinta garotos e garotas que eu vi no palco do Sesc Vila Mariana, em São Paulo (eles ficam em cartaz até o dia 08 de julho e depois vão para o Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre – e ainda devem confirmar outras cidades).

Não canso de repetir que minha vida teria sido diferente se eu não tivesse encontrado a dança. E, ao assistir ao elenco de “Mar de gente”, essa foi novamente a primeira coisa que me veio à cabeça. Aquelas pessoas dançando ali, mostrando um porte, um universo gestual, uma dignidade naqueles rostos – como eu digo no texto do programa que fui convidado a escrever – maior do que qualquer coisa que eles poderiam ter sonhado. Isso despertou em mim uma alegria (misturada com saudade, vitalidade e surpresa) que há tempos eu não sentia em nenhum espetáculo.

Antes de prosseguir, queria tirar do discurso um ruído que sempre aparece nos comentários sobre o trabalho de Ivaldo nos últimos anos. Já há algum tempo, ele trabalha com jovens de comunidades geralmente classificadas como carentes. Usei o “geralmente” porque sempre que ouço ou leio essa expressão sinto um leve incômodo… Essas comunidades, inevitavelmente situadas nas periferias das grandes cidades, são carentes sim – mas carentes de recursos básicos, que qualquer cidadão merece ter pelo simples fato de existir, desde que seja abraçado por um governo com um mínimo de consciência social (eu diria também “ética”… mas essa é uma palavra perigosa nos últimos tempos… se entrarmos nessa, vou me perder do que realmente quero dizer aqui). No entanto, essas mesmas comunidades são abundantes em todos os aspectos que as privações que a ausência de cidadania lhes impõe insiste em ignorar: talento, garra, criatividade, força de vontade, brilho – e todas essas outras coisas que os mais cínicos preferem chamar de “aspectos humanos”. Um breve passeio por uma periferia coloca todas essas qualidades dessa gente na sua cara – e, para os mais sensíveis, que preferem não circular por essas áreas, só assistir a um episódio de “Antônia” (ou mesmo o filme) pode te dar uma idéia do que eu estou falando.


Antes que isso vire um discurso político, porém, só queria lembrar que fiz esse “parênteses” para dizer que os jovem do elenco de “Mar de gente” veio da periferia sim. Veio de comunidade carente sim. Mas não é só por isso que eles devem ser admirados. Eu tenho horror daquele olhar condescendente que diante de um trabalho como esse parece dizer: “nossa, para alguém que veio de onde eles vieram, ficou muito bom…”. A esse tipo de comentário, um sonoro verso do hit de hit de Cris Nicolotti. Estou aqui para celebrar o trabalho desses meninos e meninas primeiro – e depois ver o que significa isso, considerando o universo de onde vieram.

Logo quando o elenco vai entrando no palco, praticamente junto com a platéia, a primeira coisa que você percebe é que não se tratam de pessoas que você esperaria ver num espetáculo de dança. Pelo menos não aquele clichê com que as pessoas se acostumaram a pensar num grupo de bailarinos – mesmo depois de tanta Pina Bausch (e tanto Mark Morris , que infelizmente nunca veio ao Brasil com sua trupe) as pessoas ainda acham que bailarino “é tudo a mesma coisa”… Mas esse elenco, insisto, há de se juntar a tantos outros para derrubar essa idéia! Lentamente eles vão se sentando nas escadas no cenário e você vai vendo que cada um deles tem um traço diferente: uma boca enorme, uma cabeleira enorme, uma perna meio curta, uma bunda meio saltada, olhos que não poderiam ser mais distintos. Eles têm expressão! Vem coisa boa por aí.

Estou me referindo, claro, às coreografias – para mim, facilmente reconhecíveis, já que trabalhei tanto tempo com Ivaldo. A dança indiana (em especial o “kathak”, que é das muitas coisas que eu me orgulho de ter feito bem um dia…) é uma linguagem recorrente no trabalho do coreógrafo e volta em “Mar de gente” como uma onda renovadora. Mas estou também me referindo ao desenvolvimento desses bailarinos no palco.

“Desgraciadamente”, como se diz em espanhol, memorizei os nomes de apenas parte do elenco (por enquanto). Por isso, os que cito a seguir não são mais nem menos belos e belas do que os outros – são apenas aqueles que minha memória já claudicante conseguiu apreender. Como a Vanessa por exemplo, com aqueles braços e pernas poderosas – que a certa altura desliza pelo palco como um animal sinuoso e insinuante. Ou o Deivison, que também atravessa o palco, em outro momento, arrastando uma pedra, mas que oferece muito mais na despretensão de seus movimentos nas coreografias que participa. Deivison tem uma das caras mais honestas que eu já vi, e essa honestidade, não duvide, se traduz em todo seu gestual.

Tem o Douglas, que é como se o David, de Michelângelo, tivesse deixado crescer o seu cabelo de maneira descomunal e emprestasse um pouco da beleza dos traços africanos. Aquela massa que se move desafiando a gravidade é um imã para os olhos da platéia, assim como os braços da Ariane toda vez que ela ataca de “kathak”. Aliás, não faltam motivos para seu olhar se perder pelo palco: o rosto iluminado e delicado da Fernanda, em ligeiro contraste com o contorno forte da sua bunda; os lábios impressionantes da Samara (que vêm como um bônus para seus gestos precisos); o corpo longilíneo e elástico do Rubens, que termina sempre num sorriso largo; as extremidades impecavelmente definidas da Ariane, especialmente na dança indiana; a presença sutil de Josenilton, que mais parece um indiano nobre infiltrado no elenco; a alegria que esbanja da cara da Amanda; o centro gravitacional do Anderson (Dias da Silva), que ameaça influenciar o da própria Terra, certamente uma herança da dança de rua; e a inspiração infinita que foi ver o outro Anderson (Ferreira Xavier) se mexer de lá para cá, o tempo todo pelo palco com uma vivacidade que me remeteu à minha própria história.

Todos os bailarinos e bailarinas do elenco – mas talvez o Anderson, em especial, com sua altura não exatamente privilegiada, que é compensada por uma presença valiosa de um eixo natural e uma refinação na execução de cada passo raramente vista até nas companhias mais tradicionais – parecem provocar a própria definição da dança. Apenas de olhar aqueles corpos você pode tirar a conclusão apressada de que ninguém ali deveria estar fazendo aquilo. No entanto, com o talento de cada um deles trabalhado pelas mãos de um mestre, ali estão eles brilhando no palco: o Anderson, o outro Anderson, a Samara, o Rubens, a Vanessa, a Fernanda, o Deivison, a Ariane, o Douglas, a Amanda, o Josenilton – e mais todos que eu posso citar escolhendo aleatoriamente seus nomes na ficha técnica do espetáculo, Priscila, Mayara, Gilson, Lucas, Angélica, Silvana, Wanderley… São ao todo trinta nomes que insistem em contrariar uma observação careta que grita: “vocês não deveriam estar dançando!” – mas eles estão dançando sim, e estão assim suspensos num estado de beleza que vão levar para a vida inteira.

E é aí que minha biografia se cruza com a deles. Quantas vezes eu não ouvi que “eu não deveria estar dançando”? Até hoje, com o esdrúxulo episódio recente de um vídeo antigo meu dançando que foi ressuscitado pelo YouTube e pela TV, quantas pessoas não se aproveitaram para fazer seu comentário estreito e preconceituoso? A sorte é que eu passei por um aprendizado tão sofisticado quanto o que esses meninos e meninas que estão trabalhando com o Ivaldo acabaram de passar. E quem ganha um presente como esse – posso garantir – não fica derrubado com nada.

O que nos leva – agora sim – ao cotidiano da periferia de onde vêm o elenco da Cia. de Teatrodança Ivaldo Bertazzo. Depois de vê-los dançar, você acha que isso faz alguma diferença? Garanto que não para eles. Porque o que importa ali é a dignidade (sei que já usei essa palavra, mas aqui não cabe outra…) – dignidade essa que eles aprenderam a ter, através do movimento. Todos ali descobriram como usar esse corpo tão estranho – e qual corpo que não o é? – a seu favor. Mais do que isso: por mais de uma hora, eles se colocam no palco para mostrar que isso é possível para qualquer um. Eles são um exemplo sim – mas não um exemplo fácil de uma ONG barata (você sabe que existem ONGs e ONGS, não sabe?). Cada menino desses, cada menina dessas são dignos, apesar do lugar de onde vieram – e o serão para sempre. Eu sei disso…

A essa altura, já alcancei aquele estágio em que começo a pedir desculpas pelo tamanho do texto… Mas, se você veio comigo até aqui, por que não me acompanhar um pouco mais, só para eu poder falar um pouco das danças propriamente ditas de “Mar de gente”? Vai ser só mais esse parágrafo, pois tenho que registrar como Ivaldo consegue, como poucos, misturar linguagens num resultado totalmente original. Da grande roda romena às linhas de uma travessia pelo palco com o vigor que um Moussorgosky inspira; dos movimentos em tempos diferentes precisamente executados numa escada ao “duelo” de “kathak” moderno sobre uma cruz de papel; das acrobacias dos meninos oferecendo combinações impossíveis entre aqueles corpos ao múltiplo pas-de-deux já no final do espetáculo; e da briga de casais coreografada à valsa em marcha-a-ré que encerra a apresentação emprestando o giro dos dervishes, Ivaldo está se reinventando a cada momento – e, com isso, sendo cada vez mais generoso com seu público.

E esse público também sou eu. Que ironia…

Crédito de todas as fotos: Priscila Prade

Beth, Shrek e mais um mar de gente interessante

qui, 21/06/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Esta, na capa de uma edição recente do “NME” (para quem não conhece, o maior oráculo do pop há decadas!), é Beth Ditto, líder de uma banda chamada The Gossip. As chances de você ter ouvido alguma coisa deles são poucas – especialmente se sua única fonte de informação se resume às FMs comerciais. O Gossip não é exatamente uma banda nova (surgiu em 1999), mas nos últimos meses, tem sido apontada como a coisa mais “cool” do universo. Talvez só essa capa faça você refletir sobre o estado das coisas…

Ou talvez não. Talvez você ache essa capa, essa foto – tudo enfim -, um horror (e já posso até imaginar os comentários anônimos que vão chegar…). O que seria uma pena, pois você estaria perdendo um instantâneo precioso da nossa nunca desinteressante cultura pop – e perdendo também a chance de seguir meu raciocínio de hoje que começa, sim, celebrando Beth Ditto. Aos leitores que ficaram horrorizados com meu post sobre o sucesso de Cris Nicolotti – onde estavam eles para comentar meu post anterior sobre aquilo que eles, supostamente, acham que é a única cultura que vale a pena, a dos livros? -, eu recomendo que avancem apenas depois de tomarem sua medicação. Aos que já entraram no espírito há muito tempo, bem-vindos: vai ser daí, de Beth Ditto para baixo. Ou melhor, para cima!

Eu sei, eu sei: tudo parece uma mera provocação. Mas ouça uma música do Gossip e você vai ver que o interesse por eles pode e deve ir muito além da capa do “NME”. A primeira vez que ouvi a banda, foi quando achei um EP deles (“Arkansas heat”), em 2002, num balcão de ofertas da Amoeba Records, quando de passagem por San Francisco, na Califórnia. Já estava um pouco zonzo de tanto disco (a loja é gigantesca, não duvide), quando não resisti dar uma olhadinha nas pechinchas. Lembrava vagamente de ter lido algo sobre eles numa revista alternativa (uma referência ao som que remetia aos B-52′s do início dos anos 80 e a outra banda que eu adorava chamada Pylon – faz tempo…). Comprei – e gostei. Mas não dei muita atenção, confesso.

Alguns anos depois… pronto! Eles são a coisa mais sensacional desde o White Stripes! Fama essa, merecida – e não quero nem entrar no mérito, pois você mesmo pode julgar ouvindo eles aqui mesmo na internet. O que me interessa falar é da imagem totalmente anti-convencional de Beth Ditto – e do triunfo de uma figura como ela, num cenário de Lilly Allens & Amy Winehouses. Todas as fotos que vi recentemente de Beth – e essa reproduzida aqui só vem reforçar isso -, me fazem lembrar do corte de cabelo totalmente bizarro de Ronaldinho na Copa de 2002. Você também não se perguntava por que ele teria feito aquilo, deixado um chumaço ridículo de cabelo na frente da cabeça? Minha explicação, que, claro, nunca tive oportunidade de conferir, era simples: ele era o Ronaldinho, dono do mundo (naquele tempo) e ele podia fazer o que ele quisesse. Sem dar nenhuma explicação. Mesmo que fosse uma coisa imbecil. Ficou mais bonito? Mais feio? Mais esquisito? Dane-se.

Voltemos à Beth Ditto. Uma pessoa que posa assim na capa de uma revista – você acha que ela está ligando para alguma coisa? Você acha que paira na cabeça dela qualquer dúvida sobre quem ela é e como ela quer aparecer? Você acha que ela está ligando para o que os outros acham dela? Toda vez que eu tiver de explicar o que eu acho que é alguém com personalidade eu vou sacar essa foto para mostrar. Taí alguém que não faz concessões: quer gostar de mim? Tem que ser assim… E você acha que os fãs foram embora?

O que nos leva ao Shrek – outra, digamos, aberração (como a maioria das pessoas preferiria categorizar ele e Beth – e tantos outros) – com sua bilheteria somada de mais de um bilhão de dólares. Fui ver “Shrek terceiro” esta semana, e a boa notícia é que é bem engraçado (a má notícia é que eu achei os dois filmes anteriores muito, mas muito, muito mesmo, extraordinariamente, inimaginavelmente engraçados – percebeu a diferença?). Entre as boas piadas (não se preocupe, não vou contar nenhumazinha), está toda a seqüência da morte do pai de Fiona, o rei-sapo. Dizer que o momento mais engraçado de um filme é uma morte pode parecer estranho com relação a qualquer filme – mesmo “Shrek”. Mas eu falava sobre pessoas (ou ogros) que não faziam concessões, não é? Por que não uma gracinha no hora da agonia final? Afinal, Shrek, o personagem, não respeita nada mesmo – nem a possibilidade de ser rei… Resumindo bem o argumento desse terceiro episódio, o reino de Muito Muito Distante procura um herdeiro, e nosso herói simplesmente se recusa a assumir o trono – e todas as confusões se originam daí.

Até o final da história, e assim como nos episódios anteriores, Shrek não faz o menor esforço para ser aceito (ok, ele se veste como um nobre nas cortes francesas do século 17 para uma festa, mas você pode imaginar o que acontece…). E essa é a maior marca desse personagem. Se “Shrek terceiro” peca por alguma coisa é talvez pela insistência com que essa mensagem é passada dessa vez. Tudo bem, consigo até entender que se um cara de 44 anos como eu não precisa ouvir lições de moral (ainda mais num filme que, ironicamente, destrói todos os arquétipos de contos de fadas que, um dia, já serviram para nos dar lições de moral), a idéia funciona bem com as crianças – e, para fazer uma criança entender alguma coisa, é preciso repetir, repetir, repetir. Mas eu queria um pouco mais de graça – mais atrocidades saindo da boca do Burro, mais canastrice saindo pelos olhinhos do Gato de Botas, um pouquinho mais de subversão.

Saí do cinema achando que não tinha gostado tanto dessa continuação, mas aí passei na banca de revista e encontrei o “NME” com Betty Ditto pelada na capa – e tudo começou a fazer sentido. As coisas que eu mais acredito estavam, misteriosamente, se conectando bem na minha frente: a vingança dos diferentes!

Veja bem: o que eu estou argumentando aqui não é um elogio à feiúra ou ao bizarro. Eu gosto de viver num mundo onde tem Gisele Bündchen, Jude Law, Juliana Paes, Rodrigo Santoro – e pode crescer essa lista aí na sua cabeça com infinitos nomes de gente maravilhosa. Mas eu quero mais: quero Fiona e Gisele, Shrek e Brad, Ditto e Moss, Lázaro Ramos e Chico Dias, Negra Li e Mara Manzan – novamente, poderia aqui desfilar uma lista infinita de nomes. E o que uniria todos eles não seria a beleza caretinha que a gente aprende erradamente a procurar para nos completar desde a adolescência, mas a certeza de que nenhuma dessas pessoas quer ser outra coisa que não ela mesma (a gente só vai aprender muito mais tarde, muito depois da adolescência, que a única coisa que pode realmente nos completar é alguém que seja assim – como a gente perde tempo…).

O que nos leva ao mar de gente. Ou melhor, “Mar de gente” – entre aspas e com maiúscula na primeira palavra, já que se trata não apenas de uma expressão, mas de um espetáculo de dança (que estréia hoje em São Paulo, no Sesc Vila Mariana, mas que vai passar por várias cidades do Brasil – fique ligado!). Eu ainda não vi a apresentação em sua forma final – vi apenas um ensaio geral recente, e, por isso prefiro escrever mais a fundo sobre ele na semana que vem. Outros complicadores, que espero explicar então, não permitem que eu faça um texto “de qualquer jeito” para algo que tem uma referência tão forte na minha vida como a dança – e, em especial, o coreógrafo que está por trás dessa criação, Ivaldo Bertazzo.

Mas só queria encerrar esse raciocínio sobre o poder de ser diferente com algumas das coisas que passaram pela minha cabeça enquanto eu assistia àquele ensaio. Tenho de começar explicando que é uma companhia de dança talvez um pouco diferente daquelas que você está acostumado a ver – ou, no caso de você não ter visto nenhuma, daquilo que você imagina que é uma companhia de dança. Acredito que a maioria das pessoas ali nunca pensou em dançar profissionalmente – todos vêm de um cotidiano tão duro quanto o da maior parte dos brasileiros, e todos descobriram o movimento por acaso. Talvez por isso seus corpos sejam tão pouco previsíveis – e tão surpreendentes.

No mar de gente que Ivaldo apresenta, o que mais chama a atenção não é o pé em ponta, a perna alta, a cintura desenhada, o arco do braço, o pescoço esguio, o cabelo preso em coque. Não. O que desorienta o olho do espectador, nessa companhia estupenda, é a beleza da imperfeição de cada traço – e não entenda “imperfeição” como defeito, mas “imperfeição” no sentido de não ser o que se espera de um modelo. Até porque, quando esses bailarinos e bailarinas dançam o que está sendo apresentado é menos a forma, e mais a verdade daqueles gestos. “Mar de gente” tem forma sim – e formas lindas. Mas ela aparece como uma conseqüência inesperada, e não como um fim.

Cada uma daquelas figuras, pelas mãos de Ivaldo, tem a certeza absoluta de que é bela – e não importa o que os outros digam. Como escrevi no programa do espetáculo (no qual fui convidado a escrever), o que eles ainda não sabem é que eles vão ser bonitos para sempre. Do jeito que eles são.

Um outro tipo de história triste

seg, 18/06/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Há pouco tempo escrevi aqui sobre minha infinita busca da história mais triste do mundo. De certa maneira – e pela onda de lançamentos de livros sobre o Oriente Médio que parece não dar trégua – algumas pessoas ficaram com a impressão de que só as grandes narrativas sobre as injustiças sociais merecem estar nessa lista. Os exemplos que dei naquele post, de fato, talvez passassem essa idéia. Mas existe um outro tipo de história triste, aquela que não fala sobre a vida de um refugiado, nem sobre o drama de quem perdeu tudo numa guerra, tampouco de quem vive um cotidiano de extrema repressão por conta de um regime político estúpido e brutal. Esse outro tipo de história triste é contado entre quatro paredes – mesmo: num quarto semi-iluminado, numa sala sem ar, num salão silencioso, ou em qualquer outro lugar por onde passe aquilo que se convencionou chamar de “família”. Não foi Tolstói que escreveu, no início de “Anna Karerina”, que “todas as famílias alegres se parecem”, mas “cada família infeliz, é infeliz à sua maneira” (com o perdão da tradução rápida, pois meu russo está meio enferrujado…)? Pois acabo de ler mais uma dessas pequenas tragédias, escrita por um mestre do suspense.

Calma, não estou falando de um livro de Stephen King – que é um mestre, sim; do suspense, sim; e que escreve excepcionalmente bem para o gênero. Mas estava pensando em outro tipo de suspense, mais tênue, menos aterrorizante, mais surpreendente e menos previsível. Estava pensando em Ian McEwan, no seu novo livro “On Chesil Beach” – lançado também no Brasil (“Na praia”, Companhia das Letras).

É um livro pequeno, nas suas breves 136 páginas (na tradução brasileira, ou mesmo nas 166 da edição inglesa que li) – e algumas resenhas na imprensa estrangeira já se adiantaram para dizer que é também menor, uma opinião da qual discordo radicalmente (mas já chego lá). Devorei de uma tacada no avião de volta de Lisboa (mais sobre essa viagem na semana que vem), num agradável vôo diurno – que se tornou mais prazeroso ainda pela companhia de Ian McEwan. Um prazer, como tentei descrever há pouco, sempre temerário, pois em todas suas histórias você tem certeza de que a tragédia é eminente.

Pode ser, por exemplo, uma viagem romântica a uma das cidades mais bonitas do mundo, Veneza, como a que me deparei no primeiro livro que li desse autor, “The confort of strangers”, que no Brasil recebeu, na edição da Rocco, o título de “Ao deus-dará” (a versão para o cinema, pouquíssima conhecida, foi rebatizada de “Uma estranha passagem em Veneza” – e ambas as obras são altamente recomendáveis). Tudo é tão perfeito, todos os personagens são tão elegantes, tão cultos, tão interessantes, e tudo se encaixa tão maravilhosamente nessa espécie de lua-de-mel informal que, quando a tragédia chega, você tem vontade de reler tudo desde o começo para ver se deixou escapar alguma pista de que aqueles horrores já estavam esboçados em algum trecho do livro. Se você também quer ser surpreendido nessa leitura (ou mesmo com o filme), pule esta frase – mas eu preciso dizer que o desfecho de “The confort of strangers”é tão chocante que faz com que “O albergue” pareça um filme infantil.

McEwan consegue o mesmo efeito – ainda que em um outro cenário – em “O inocente” (Rocco; Companhia das Letras). A história, também transformada em filme (Isabella Rossellini, num de seus papéis mais interessantes), acontece em Berlim, durante os anos 50, em plena Guerra Fria. A monotonia e o estado de permanente suspensão daquela cidade na época dão um tom sombrio, perfeito para o clímax maleficamente elaborado pelo escritor.

Outras vezes, o horror por trás de uma história está num passado enterrado – como em “Cães negros” (Rocco) – ou num segredo tardiamente revelado – como em “Reparação” (Companhia das Letras). Este último, que também foi adaptado para o cinema (mas ainda está inédito), é talvez seu esforço mais sofisticado. Precisaria de bem mais espaço que apenas um parágrafo para falar da força dessa história, da engenhosidade da sua construção e sobretudo da sofisticação de sua narrativa (naquilo que é talvez um dos meus capítulos favoritos de tudo que eu já li, ele mostra como a dona da casa onde se passa a primeira parte do livro acompanha tudo que acontece em todos os seus ambientes, sem sair do seu próprio quarto, onde está confinada com uma enxaqueca terrível; talvez só um capítulo de “Auto-da-fé” sobre petrificação, tenha me deixado mais extasiado – mas esse assunto é para uma outra hora…). Por isso, vamos deixar para comentar esse volume quando o filme sair por aqui.

Na orelha de “On Chesil Beach” (estou usando esta referência porque ainda não vi a edição brasileira) estão listados os dez romances que McEwan já escreveu (incluindo “Amsterdam”, lançado aqui pela Rocco, que lhe valeu o prestigiado Booker Prize inglês), mais duas coleções de contos – e eu já li quase tudo… Quer dizer, se for escrever sobre cada um deles… Vou resistir fortemente comentar sobre “Amor para sempre” (que me inspirou tanto a ponto de eu fazer uma reportagem para a televisão sobre a síndrome de Clerambaut), e seu impecável primeiro capítulo sobre um acidente com um balão, para ver se sobra fôlego para falar de seu último trabalho.

Como comentei lá no início, “Na praia” só parece um livro menor. A premissa é deliciosa: um casal na noite de núpcias, diante da incerteza de ambos os cônjuges perderem a virgindade, transforma o que deveria ser um momento de realização num acidente irreversível. Se você se espantou com o fato de os dois protagonistas serem virgens, vale assinalar que o ano é o de 1962, pouco antes da revolução sexual sacudir todas as noções de intimidade – uma época onde, como escreve McEwan, ser jovem era “uma condição ligeiramente embaraçosa, para a qual o casamento era o início da cura”. Ele, Edward, só conhecia o “auto-prazer” – onde “prazer”, aliás, era apenas um “benefício acidental”: “O objetivo era o alívio – do desejo urgente e aprisionador de pensamentos algo que não poderia ser imediatamente obtido” (minha tradução). Ela, Florence, quando se forçava a se informar sobre o assunto, o fazia em almanaques “modernos”, direcionados a moças à beira do altar, mas lá só encontrava expressões que a aterrorizavam – especialmente uma palavra que “sugeria a ela nada além de dor, carne cortada diante da faca: penetração”. Como consumar o ato entre eles?

Não vou aqui estragar seu prazer em descobrir isso, na leitura desse livro. Vou só dizer que o enlace se transforma numa batalha – e aqui vai uma amostra dela, numa tradução bem livre (repetindo, ainda não vi a edição brasileira):

“Com seus lábios atracados firmemente nos dela, ele examinou o chão carnudo daquela boca, e então moveu-se contornando a parte interna de seu maxilar inferior até o espaço vazio onde três anos atrás um dente do siso cresceu torto e teve de ser removido com anestesia geral. Essa cavidade era por onde sua própria língua geralmente vagava quando ela estava perdida em pensamentos. Por associação, era mais uma idéia do que um local, um lugar privado e imaginário, em vez de um vazio na sua gengiva, e a ela parecia peculiar que outra língua pudesse chegar lá também”.

E isso é a descrição de só um beijo… Instantâneos como esse se revezam com “flashbacks” sobre o passado de Edward e Florence, e sobre o romance que culminou na tal noite de núpcias nesse hotel na praia de Chesil – no nem sempre deslumbrante litoral inglês. McEwan descreve em minúcias como a corte se desenvolve aos trancos – e como quando o clímax chega (se é que o momento pode ser chamado de clímax), a conseqüência dele é um processo triste e destruidor. Quase 95% do livro são sobre aquela noite e os caminhos que levaram até lá. O resto o autor usa para dar um avanço acelerado na vida de seus personagens, num truque que o leitor de McEwan conhece bem, mas que nunca deixa de apreciar. Nesse “fast forward”, você percebe que a tragédia ainda é muito pior, que a tristeza que foi imposta a esses protagonistas era ainda mais profunda – e tudo fica ainda mais claro quando o escritor coloca, na última página: ” É assim que todo o rumo de uma vida pode ser mudado – sem fazer nada”.

É nesse nada que esse escritor fica cada vez melhor. E eu só não declaro oficialmente que essa é história mais triste que eu já li de sua autoria, porque eu sei que logo logo ele vem com um novo livro.

O dia em que Juana Molina encontrou o kuduro

qui, 14/06/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Isso é o que eu chamo de choque de culturas. Como combinado, fiquei devendo alguma coisa a mais sobre a cultura portenha desde segunda-feira – mais especificamente, fiquei devendo falar um pouco mais da música pop que sempre encontro em Buenos Aires. Ocorre que esta semana me encontro em Portugal – de onde escrevo este post. E por mais que tente me concentrar no meu iPod, onde trouxe uma bela seleção em castelhano, sou constantemente interrompido pelo som que domina as rádios por aqui – e promete dar o tom de todo o verão europeu: o kuduro.

Não, não se trata do novo sucesso de Cris Nicolotti, que já nos deu a sensacional “Vai tomar no cu”. Esse ritmo, agora descoberto pelo chamado “mundo civilizado”, já remonta pelo menos uma década. Em 1998, enquanto fazia uma série de reportagens em Luanda, Angola, fui apresentado ao kuduro pelo DJ Tony (onde andará?). Me lembro perfeitamente de sair com ele para comprar CDs – um segmento da matéria que fazia – depois de ter visitado sua casa, onde sua mãe e irmã recebeu nossa equipe com grande hospitalidade – se você descontar a grade de ferro que revestia a porta de entrada do apartamento, criando uma espécie de antecâmara transparente, um hall improvisado, enfim, um compartimento não raro, depois reparei, em todos os lares de uma Luanda ainda bastante machucada pela guerra civil.

Mas então, na loja de CDs, DJ Tony me mostrava quem eram os artistas mais populares e que o kuduro era o som do momento (1998!). Como se diz aqui em Portugal, ainda não havia “percebido” o que a palavra significava, até que ele me contou que o tinha surgido como uma resposta ao kumole, o ritmo que se dançava, como a própria expressão indica, com o cu mole – se precisar de tradução, com o quadril mais solto. Assim, o kuduro tinha uma batida mais marcada, mais curta – e dançava-se com a bunda mais presa (note-se que cu, é palavra usada correntemente em Portugal, como nosso “bum-bum”; já vi até propaganda de fraldas que anunciavam que a marca tal era a que dava mais conforto ao “cu do seu bebê”…).

Já estou aqui eu, mais uma vez, me distraindo do meu assunto principal. Vou entrar no pop argentino no próximo parágrafo, não se preocupe. Mas antes quero só fechar essa introdução celebrando, ainda que com certo atraso, a “explosão” desse ritmo para o mundo. No Brasil, algumas rádios mais antenadas (perdão pelo trocadilho inevitável) já estão a tocar o ritmo – que, por aqui, repito, é uma unanimidade. Quem sabe o kuduro não chegue com tudo no (nosso) verão?

Mas e o pop portenho? Aumento o volume do meu iPod e… volto à Juana Molina. Na verdade, cada um dos artistas e bandas que quero falar aqui – só para variar – mereceria um post só dele (ou dela). A começar pela própria Juana (a moça da foto) – que é praticamente inclassificável. Do pouco que sei de sua biografia, parece que foi uma estrela adolescente da TV argentina, mas que quando cresceu, pensou um pouco e quis ser uma artista alternativa. E põe alternativa nisso. Seu som, se for realmente necessário resumir em uma categoria, é eletrônico. Mas as batidas não são pesadas, nem tampouco hipnóticas. São sensoriais. Poucas faixas dos seu três CDs (que eu conheço oficialmente, mas pode ser que outros EPs existam) trazem um refrão reconhecível – nem sequer uma frase musical memorável (“Que llueva!”, talvez seja a mais acessível de todas, nesse sentido). Mas quem precisa de um corinho quando suas músicas são tão imediatamente cativantes? Seus dois primeiros discos são hoje raridades, mas o último, que é do ano passado, chama-se “Son” e pode ser facilmente encontrado nas boas lojas da internet (foi até lançado nos Estados Unidos) ou mesmo na Miles, de Buenos Aires, cujo email eu indiquei no post anterior.

Com uma introdução dessas, fica difícil ir adiante. Minha sugestão é que você abra bastante sua cabeça pois o colorido da música argentina é inesgotável. De Juana Molina podemos saltar, por exemplo, para o pop cerebral de Gustavo Cerati – que já passou pelo rock, eletrônico, romântico – e ultimamente enveredou inclusive pelas trilhas sonoras de cinema. Sempre evito comparações com o pop brasileiro, mas, só para dar uma idéia, se tivesse que aproximar Gustavo de algum artista brasileiro, ele seria o Lulu Santos – pela competência musical, ele pela vontade infinita de experimentar (e, claro, pela eficiência dos resultados, que simplesmente não saem das rádios).

Cerati, que não é exatamente jovem, deixa sua influência em dezenas de bandas novas que aparecem a cada temporada – cada visita que eu faço à Miles, em Palermo Viejo, é uma surpresa – em mais de um sentido. Vou sempre à seção de recomendados – quando não ensaio uma conversa com seu atendentes sempre ecléticos – e descubro coisas como Rubin, um Elvis Costello portenho, que fez uma das canções mais apaixonadas que já ouvi – ironicamente chamada “Odio el amor”. Só conheço um EP seu, mas as poucas músicas ali contidas são uma lição de pop.

Foi sem querer, também na Miles, que encontrei (até fora da seção de recomendados) uma coisa estranhíssima chamada Atirador Laser. O primeiro disco que comprei deles chama-se “Otro rosa” e tem a peculiaridade de dispensar refrões em todas as faixas (órfãos do Los Hermanos, tomem nota!). Sem nada, absolutamente nada, para ajudar a memorizá-las, as canções, contudo, são de uma estranha beleza – e para os corajosos que quiserem arriscar uma aventura por aí, meu conselho é começar pela sublime “Atemporal” (que, entre tantos versos lindos traz esse que reproduzo, sempre pedindo desculpas pelo meu castelhano torto: “quiero morrir con vos/ pero envejezco solo yo”).

Quem mais? Nossa! Tinha feito uma lista tão breve… e ela já não cabe aqui… Quer dizer, cabe, mas… Bem, vamos “correr com a matéria”. Tem ainda Sebastián Escofet, que faz um pop sofisticadíssimo – altamente recomendado. O próprio Jaime Sin Tierra, que comprei (mais uma vez) recomendado por alguém da Miles, e que, da primeira vez que ouvi achei que era um novo disco do Echo & the Bunnymen, estranhamente todo gravado em castelhano. Eles estão até no myspace.com (onde descubro que eles já não existem mais com esse nome – a banda se desfez em 2003). E já falei do “filhote” deles – na verdade, de Nicolás Kramer, ex-vocalista do Jaime -, El Robot Bajo el Agua.

Precisaria de mais espaço ainda para descrever apenas uma música do La Portuaria, “Disculpame” – uma das canções mais bonitas para se pedir perdão que já foram compostas (e funciona, mesmo que a pessoa para com quem você quer se desculpar não fale castelhano, juro!). E mais ainda para desenvolver aqui os elogios para Leo García. Esse, só porque não resisto mesmo, é um dos mais versáteis artistas pop da Argentina, passeando por todos os estilos também, mas especialmente pela música dançante, sempre com resultados admiráveis. Cito aqui só duas de minhas preferidas, para você ter idéia do que estou falando: “Romance”, do álbum “Vos” (2003), e “Estamos juntos siempre”, faixa de “Cuarto creciente” (2005) – essa última me inspira tanto que já quis tatuar dois de seus versos nas minhas costas: “para los dos / y para todos” (ah, se eu já não tivesse mais de 40 anos…). Experimente comprar alguma coisa de Leo García na internet e faça o teste: duvido que você não vai sair dançando.

Ufa! Com muito esforço cheguei ao final – está difícil de se concentrar com tanto kuduro em volta. Meus “amigos” portenhos agora vão dar um tempo enquanto, pelas ruas de Lisboa, volto a me entregar ao ritmo angolano. Pela correria, vou ficar em falta com mais uma meia dúzia de artistas argentinos que adoro e que deixei de citar aqui. Mas tenho certeza de que não é a última vez que vou falar deles aqui…

“Mi robot bajo el agua querido”

seg, 11/06/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Meus cumprimentos aos onze (se eu contei direito) visitantes que acertaram, quase sempre em cheio, onde eu tirei, na semana retrasada, a foto do post anterior: estava diante do Malba – Museu de Arte Latino Americano, em Buenos Aires, Argentina -, que abriga, entre tantas obras preciosas, o “nosso” “Abaporu”, pintado por Tarsila do Amaral (mas também peças importantes, não só de brasileiros, como de outros artista do continente, de Helio Oiticica a Frida Kahlo, Lygia Clark ou Guillermo Kuitca – a lista é longa). Bravo! Alguém até chegou a arriscar (corretamente) o nome do artista responsável pelo trabalho que aparece na imagem, em exposição na frente do belíssimo museu: Sergio Avello. Bravíssimo!

Mas deixaria aqui a menção honrosa a todas as tentativas – que prazer ver que tantas pessoas estão antenadas com as possibilidades de espaços contemporâneos no mundo todo. Aliás, gostei até de quem sugeriu que eu estava mesmo é no Brasil… por que não? Agora que todos os comentários estão liberados (alguns antigos com a resposta certa, por um problema de edição, foram aprovados no fim-de-semana, mas eu achei que dava para disfarçar e “sustentar” o suspense), é possível avaliar as outras pistas sobre o lugar onde eu estava.

Buenos Aires, cidade elegante? Confere. Povo hospitaleiro? Confere? Ruas movimentadas? Confere. Come-se e bebe-se bem? Alguma dúvida? E dança-se sem culpa? Claro! Tenho tanta coisa pra falar de Buenos Aires, que já fico até pensando se vai sobrar espaço para falar especificamente de música… Afinal, é nessa cidade, no bairro de Palermo Viejo, que fica uma de minhas lojas de disco favoritas do universo, a Miles – endereço onde encontrei verdadeiros tesouros, quase sempre ajudado pelos peculiares atendentes da loja (não achei um endereço virtual da loja, mas se quiser encomendar alguma coisa por email, aqui vai: [email protected]).

Antes das canções, porém, uma geral das várias razões que você tem para descobrir a cultura pop argentina (ou, quem sabe, redescobrir). Para começar, a literatura. Não vamos nem falar de Borges, para não cair no óbvio… Que tal partir de algo mais contemporâneo, como Juan José Saer – que tem alguns de seus melhores livros lançados no Brasil, como o genial “A ocasião” (Companhia das Letras) ou “O enteado” (Iluminuras)? Ambos são livros pequenos, mas de uma dimensão labiríntica, de uma prosa absurdamente sofisticada, e com recompensas altamente prazerosas. Não muito diferente, a não ser pelo tamanho, do trabalho de um outro autor Alan Pauls – de quem estou atualmente lendo o denso e hipnótico (e não menos labiríntico) “O passado”, recém-lançado pela CosacNaify. Talvez seu nome tenha chamado sua atenção recentemente pelas notícias de que o diretor Hector Babenco adaptou esse trabalho para o cinema. Mas, para que esperar o filme quando o livro já está nas lojas – e as férias de julho se aproximam?

Falando em Babenco, o nome de Manuel Puig lhe seja mais familiar? Afinal de contas, “O beijo da mulher-aranha” foi um sucesso mundial (há algumas décadas, é verdade – você está desculpado/desculpada se tem menos de 20 anos…). Porém, antes mesmo do lançamento do filme, em 1985, eu já havia me apaixonado pelas narrativas de Puig (o primeiro que li foi “Boquitas pintadas” – e logo fui buscar o resto), cuja obra está sendo relançada agora pela José Olympio. Mas voltando rapidamente a Pauls (que, diga-se, é convidado da Flip agora no mês que vem), como não ficar obcecado por um autor que, para descrever o caminho dos olhos de seu protagonista num salão de um restaurante de estrada, onde ele é obrigado a descer no meio de uma viagem, usa a seguinte frase:

“Passou pelo balcão de alfajores, pelos livros, onde um romancezinho de capa sanguinolenta debruçava-se temerariamente em sua pequena sacada de metal, pelo revisteiro onde enlanguesciam os jornais do dia anterior; sobrevoou os contornos das cabeças dos companheiros de viagem, e quando voltava à própria mesa seguindo o piso em tabuleiro, justo quando a Vera do sonho, que se esquecera de algo fundamental, subia novamente a escada que tinha acabado de descer e um velho telefone começava a tocar em alguma parte do castelo, seus olhos toparam com uma cara enorme, muito séria, que ocupava todo seu campo visual.”

Recuperou sua respiração? O livro é construído por passagens assim, uma atrás da outra, que ao mesmo tempo que te tiram o ar, fazem com que você não pare de ler até quase perder os sentidos. Ainda não estou nem perto de terminar “O passado” (esse trecho é da página 159 da edição brasileira, a menos da metade do volume), mas já sei que esse é daqueles que não quero acabar logo – quem sabe um dia eu escreva mais sobre isso aqui, quem sabe quando o filme for lançado…

O que me faz lembrar que um dos cinco melhores roteiros que eu já vi nas telas é o de um filme argentino: “Nove rainhas”. Dirigido por Fabián Bielinsky (que morreu há um ano, quando estava em São Paulo, fazendo um “casting”), e brilhantemente interpretado por Ricardo Darín (queridinho inclusive de platéias brasileiras, que mantiveram “O filho da noiva” quase um ano em cartaz por aqui) e Gastón Pauls, “Nove rainhas” conta a história de dois tranbiqueiros envolvidos num golpe mirabolante. Não posso falar nada além disso sem tirar seu prazer de assistir ao desenrolar da história (se você ainda não viu… corra atrás!). Só quero acrescentar que alguns roteiristas de Hollywood (de filmes como “Zodíaco” e “O bom pastor”, por exemplo) poderiam aprender alguma coisa com esse filme sobre como desenvolver uma trama complicada de maneira simples em menos de duas horas…

Quer continuar nos filmes? Ah… Novamente me vejo diante do dilema do espaço… Já estou adiantado nos parágrafos, e ainda nem comecei a falar de música… Nem passei por fotografia (Buenos Aires tem um time vibrante de fotógrafos contemporâneos – entre eles Gustavo di Mario e Diego Levy, para citar dois que me vêm rapidamente à cabeça. Nem pelas artes – pois nem tudo começa (ou termina) no Malba… São dezenas de galerias espalhadas pela cidade (sem contar os inúmeros espaços alternativos em Palermo, ou mesmo Belgrano), além de outros centros culturais incríveis, como a Fundación Proa (que ressuscitou o bairro de La Boca, resgatando-o do seu destino de armadilha para turistas).

Queria falar de moda, já que duas das minhas grifes favoritas do planeta estão na cidade – Felix e Hermanos Estebecorena, que tem o sucinto slogan “ropa de hombre”. E quria falar de comida – Restó, El Diamante, Casa Cruz, Freud & Fahler (sim, lá existe um restaurante com esse nome!) e tantos outros. Só que eu ainda nem comecei a falar de música… Pior, nem expliquei a que se refere o título deste post…

Já viu, né? Vai sobrar para quinta-feira… Gustavo Cerati, Rubin, Juana Molina, La Portuária, Miranda, Sebastián Escofet, Jaime Sin Tierra, Leo García – todos esperem! Daqui a três dias voltarei a vocês. Mas hoje, para encerrar – e para deixar um gostinho do que é o pop portenho – só vou dizer que El Robot Bajo el Agua (sim, este é o nome da banda!) é uma das coisas mais geniais que já ouvi. Encontrei-os, por acaso, como sempre, na Miles (claro!). E pouco sei sobre eles. Parece que é um projeto paralelo de Nicolás Kramer, que é o vocalista do Jaime Sin Tierra. Mas nem fui atrás de muita informação, porque, com uma música como essa…

O site da, hum, banda (?) não dá muitas pistas – pode conferir. Mas o negócio é a música. Tudo que eu tenho deles é um EP, um CD com cinco faixas, que são praticamente uma só: uma canção se funde na outra como se não pudesse existir sozinha, ou melhor, como se não fosse possível vir uma sem antes você ter experimentado a outra. A atmosfera é onírica (e “onírica” é um adjetivo que uso com muita parcimônia…) e ao se esforçar para entender as letras, sempre em tom de sussurro, você começa a perceber que está embarcando num discurso infinito, embalado por verdadeiros mantras, como o que fecha “Ich liebe dich” (sim, eles têm uma música, em bom castelhano, com esse título!), que, com o perdão da minha fraca habilidade nessa língua, reproduzo aqui (se cometer uma grande gafe, me corrija, pois não consegui encontrar o originais na internet):

“Dentro de / tus ojos / de almendra / florescen / estrellas que titilan / de alegria / en mis pupilas”

Nunca parei para contar quantas vezes isso é repetido na canção, mas a sensação é a de que é para sempre. Esse estado atemporal já vem da música anterior também, e está na que vem depois também… El Robot Bajo el Agua caiu na minha frente totalmente de surpresa e me transformou.

Já havia citado essas músicas no meu livro “De a-ha a U2″ e agora divido esse pequeno segredo aqui com você. Com um pouco de sorte, você consegue ouvir alguma coisa dessa, hum, banda (?) até quinta. Aí, então continuaremos a conversar sobre Buenos Aires…

Onde eu estou?

qui, 07/06/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

?

Sempre quis fazer isso, e eis que surge um Corpus Christi para me dar essa oportunidade. Que oportunidade? Bem, a de fazer essa brincadeira. Como hoje é feriado, é de se esperar que muita gente tenha se dado folga da internet – é fato. Assim, qualquer coisa que eu postasse hoje aqui teria grandes chances de passar batida – você conhece o processo: mesmo que alguém volte para cá animado, na segunda depois do feriadão, a probabilidade de visitar um texto “antigo” (quatro dias, na internet, deixa um texto antigo, não deixa?) é bem pequena. Junte a isso a correria que foi minha semana (até aqui), uma vez que participei, como mediador, do primeiro Ciclo de Debates Novos Olhares (promovido pelo “Fantástico” e pelo projeto Globo Universidade) – seis mesas de discussão intensas e brilhantes (graças, claro, aos nossos convidados tão especiais). Talvez até você tenha acompanhado esses encontros ao vivo aqui pelo G1 (e se juntado assim a um público virtual que ia do Acre a Granada, na Espanha; de Uberaba, Minas, a Miami; de Campinas a Itapipoca, no Ceará – e isso para não falar das capitais…). Mas enfim, fato é que a semana ficou curta – e eu não tive nem tempo de avisar aos leais (nem mesmo os desleais) visitantes deste blog, que eu iria “pular” o post de hoje.

Assim, resolvi fazer algo bem curto – não se assuste! – na forma de uma “teaser” sobre o que vou falar na próxima segunda. Um “teaser” e ao mesmo tempo, como já falei, uma brincadeira que eu sempre quis fazer. É simples, é só responder à pergunta: “onde essa foto foi tirada?” – bem na linha daquelas seções de revistas de viagem (que eu sempre devoro…) que publicam uma foto linda e propõem: “onde você está?”, aos leitores.

A foto que ofereço aqui não é exatamente linda, eu sei – pode guardar sua ironia… Mas é enigmática. Para ajudar a “desvendá-la”, assim como as revistas de turismo, vou dar breves dicas sobre onde ela foi tirada, numa viagem bem recente que fiz – pode ser nacional ou internacional. E essa foi a primeira pista – que obviamente não ajudou em nada… Mas, vamos às outras!

Primeiro, estou na frente de um museu, em uma cidade que, como poucas no mundo, merece, de fato, o título de cosmopolita. Lá, a cultura nacional é respeitada (e venerada!) ao mesmo tempo em que outras influências, de outros países, são bem-vindas. É uma cidade de arquitetura clássica, mas de ritmo moderno. Suas grandes avenidas são recheadas de gente, iluminadas por fachadas de teatros, cinemas e restaurantes, ao mesmo tempo que discretas transversais te remetem à atmosfera de filmes “noir”. É uma cidade de elegância áspera, onde o primeiro contato com seus habitantes pode sugerir indelicadeza, mas bastam dois minutos de conversa para você perceber que está entre um dos povos mais hospitaleiros do planeta. Lá, come-se bem, bebe-se ainda melhor e dança-se sem culpa – desde sua apaixonada música tradicional até as batidas mais modernas vindas que qualquer canto do planeta.

O museu é novo (tem menos de dez anos) e impressionante, tanto pela arquitetura arrojada quanto pela coleção contemporânea quanto pela presença de obras brasileiras de altíssima qualidade – aliás, uma das mais importantes obras já produzidas no Brasil está lá. Estou diante de um trabalho bem na fachada do museu. O painel com várias luzes de trânsito traduz bem o ritmo não só da cidade, mas também do país onde a foto foi tirada: quando ele pára, uma crise de proporções mundiais pode se anunciar; mas quando ele avança, é com o impulso de milhões de sinais (semáforos ou faróis, para os paulistas!) abrindo ao mesmo tempo.

Caiu aqui no feriado? Então me diga, em que país, cidade – e especialmente em que museu – eu estou. Se seu comentário estiver correto, vou segurá-lo até segunda-feira, ok? Assim quem ainda não sabe pode arriscar um palpite – e poderá deduzir por exclusão, uma vez que todos os comentários publicados até 11/06/07 não vão estar corretos. Na segunda-feira, quanto vou escrever um pouco sobre as artes desse lugar (que tem não só uma literatura vibrante, como também uma música pop muito original – para não falar do cinema), tudo se iluminará (como diria Jonathan Safran Foer…).

Os 40 artistas mais vitais na música hoje (1997)

seg, 04/06/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Os 40 artistas mais vitais na música hoje (1997)

Este era o título na capa do número especial da revista “Spin” (que já foi muito boa, acredite!) – há dez anos! Fazendo uma megaarrumação em casa (não é que sobrou tempo depois do fim da série “Novos olhares”?), descobri esse exemplar debaixo de uma enorme pilha de papel. Por que a gente guarda essas coisas? Bem, talvez para poder escrever sobre elas alguns anos mais tarde…

É quase uma crueldade fazer esse tipo de “flashback” com algo tão volátil como a música pop. Fácil dizer que boa parte das músicas que estão tocando nas rádios hoje – e isso vale tanto para o pop internacional como para o brasileiro – não vai estar por aí em daqui a cinco anos, quanto mais daqui a dez… Claro: essa é a própria essência do pop. Surpresa talvez seria encontrar essa mesma turma de 40 artistas/bandas selecionada então pela revista ditando os caminhos do pop hoje em dia. Aliás, um punhado desses nomes dessa lista de 97, ainda está por aí – e até com uma certa relevância (já falo deles). Mas será que isso é uma boa notícia? Qual deveria ser a reação mais adequada para essa constatação – a de que manter-se por uma década no universo da música é um enorme desafio? Aplaudir os que nos iluminaram brevemente com seu brilho e saíram de cena com elegância? Reclamar daqueles que já tanto nos inspiraram, mas vieram com trabalhos cada vez menos… inspiradores? Agradecer que outros não tiveram a importância anunciada? Ou, no caso de pelo menos um desses talentos, lamentar, de fato, que ele não está mais entre nós? Vamos passar rapidamente pela seleção (infelizmente não dá, nem para esse blog de tamanho tão elástico, para eu me aprofundar em cada um deles) e, quem sabe assim, você me ajuda nas conclusões.

Começamos pela capa? A foto é do Trent Reznor. Quem? Nine Inch Nails – ajuda? Para você com menos de 20 anos, aqui vai uma dica: em 1997, todo mundo queria ser o Nine Inch Nails. Seu álbum mais importante já tinha saído havia três anos (“The downward spiral”, 1994, um clássico mesmo) e ele ainda estava… humm… bombando. Tudo indica, na entrevista que acompanha a lista, que ele foi parar nessa posição em função da expectativa pelo seu trabalho seguinte (“The fragile”, 1999). Expectativa essa frustrada – até hoje. Seu último trabalho, “Year zero”, saiu agora em abril. Confesso que não ouvi. Você ouviu? Pode deixar um comentário aqui tentando explicar o que mudou nesse tempo todo? Obrigado.

Vou tentar não ser irônico. Mas é difícil – especialmente pela importância que esses artistas se dão (muitas vezes, aliás, ajudados pela própria imprensa). À certa altura da tal entrevista Reznor, perguntado se ele acha que teria influência nos anos vindouros diz (não sem uma certa ironia, é verdade): “Sim, eu gostaria de ser lembrado para sempre… Elvis, Lennon, Reznor”. OK. Mas eu estou tentando não ser irônico. Aliás, eu deveria agradecer pelo Nine Inch Nails ter aberto, como o artigo aponta, a cabeça das pessoas para aceitar mais a música eletrônica. Isso de fato aconteceu. Mas alguma outra coisa também aconteceu no meio do caminho, porque as pessoas simplesmente desencanaram de ouvir esse tipo de música.

Pergunte sobre isso ao Chemical Brothers (número 18 na lista), ao DJ Shadow (número 29) ou ao Prodigy (24). Se o primeiro ainda é uma das minhas bandas favoritas do planeta, o segundo nunca preencheu a promessa da sua estréia (o genial “Endtroducing”, 1996), e o terceiro “voltou” em 2004 – sem nenhuma fanfarra. O som deles ficou extremamente datado (o do Prodigy mais que o do Brothers) – e nada de novo foi acrescentado àquelas pesadas batidas no século 21. Falando em som pesado, porém menos eletrônico, lembra que o Rage Against the Machine (número 14) era a solução para o mundo? E o Rancid (30), que pareciam ser legítimos herdeiros do The Clash? E a pobre Courtney Love, com sua banda Hole (número 8 – isso mesmo, 8!)? Virou uma piada, eu sei (embora em 98 ela viesse “Celebrity skin”, que eu gosto até hoje…).

Tudo bem, você pode argumentar que Love nunca teve muita credibilidade… Então vamos falar de bandas “sérias”, como o Smashing Pumpkins (número 2 da lista), o Pearl Jam (7), o Soundgarden (32) ou o Pavement (23) – ou ainda, esticando a definição de credibilidade, o Oasis (6)! Billy Corgan, ex-líder do Pumpkins, gravitou em alguns projetos “de peso” (leia-se, que a imprensa musical adora escrever sobre, mas que o grande público tende a rejeitar fortemente), mas… “donde estás”? O Pearl Jam ainda segura a onda, mas falar que existe uma legião de fãs aguardando um novo trabalho seria um exagero… Soundgarden? Foi uma cruel coincidência a banda ter anunciado o seu fim exatamente no mês em que a “Spin” estava nas bancas. O Pavement teria uma sobrevida de apenas dois anos depois da publicação da matéria (tudo bem, ainda são moderadamente cultuados – mas e as influências que eles exerceriam nas bandas do século 21?). E o Oasis… ah, o Oasis… Tem também PJ Harvey (10) nessa categoria – e vale aqui uma menção honrosa por ela ter mantido seu status “cult” até hoje, enquanto Tori Amos, número 13 da lista… (bom, eu nunca achei que ali tinha algum futuro…).

Certos “artistas mais vitais” de 97 até que envelheceram graciosamente. Lá estava o R.E.M. (número 16), que, se não emana a mesma vibração, ao menos ainda encanta a cada novo álbum – e consegue, ainda que marginalmente, ser relevante. O mesmo vale para os Beastie Boys (12), que, com um disco ainda quente do forno (“The Mix-up”), pode não abalar mais os alicerces do pop, mas pelo menos sempre chama atenção pela originalidade. E palmas também para o Garbage (17) que, sem jamais ter feito grandes concessões, ainda permanece interessante – ainda que não tão influente.

Na música negra – um segmento importante do pop americano – algumas ironias. O grande produtor da época, Babyface (15) não faz nem sombra hoje para nomes como R. Kelly ou Kanye West – muito menos para o grande Timbaland. Bone Thugs-N-Harmony (25)? Vou abrir o jogo e revelar que tive de ir à Wikipédia para saber da vida deles (não estão tão sumidos assim – lançaram até um álbum este ano -, mas numa referência mundial, e especialmente brasileira, mal passam no radar). Tem Dr. Dre (27), claro, que é perenemente importante. E tem o Wu-Tang Clan (3) que, se não existe mais oficialmente (nunca se sabe) pelo menos deixou sua marca até hoje (esse sim é referência para qualquer garoto que quiser pegar um microfone e fazer um rap). Mas tem também Fugees (9) – se a carreira solo de cada um de seus membros seguiu trajetórias bem peculiares e, em diferentes níveis, notáveis (Lauryn Hill está vindo tocar no Brasil, um show quase obrigatório!), o grupo mesmo descansa em paz.

Uma boa meia dúzia de artistas, que nunca exatamente deslancharam, não devem ter acreditado (e não devem acreditar até hoje) quando viram seus nomes incluídos na seleção da “Spin”: Ani DiFranco (número 21!), Stereolab (33), Sleater-Kinney (35), Elastica (37), Girls Against Boys (38), Geraldine Fibers (39) e Hayden (40). Os números altos na lista não são mera coincidência… Se você ouvir qualquer trabalho desse pessoal hoje, vai concluir também que eles só serviram mesmo como recheio.

Passemos então aos sobreviventes – com brio! Beck, que aparecia em terceiro lugar na lista, continua brilhante (para quem duvidar, sugiro ouvir “The information”, do ano passado). U2, o número 5, parece que só cresce a cada ano. Björk (19)? Bem, você teve tempo de ler meu post sobre seu último disco, “Volta”? Alanis Morissette (11) anda requentando um pouco seu repertório – mas ainda é capaz de justificar uma certa expectativa quanto a seus próximos passos. Marilyn Manson (22) curiosamente está na capa da própria “Spin” deste mês (junho/07). O No Doubt (28), ninguém sabe se volta ou não, mas Gwen Stefani não deixa dúvidas de que tem fôlego para mais uma década no pop. Neil Young (31), tenho de reconhecer, apesar de não ser um superfã, que já faz parte do cânone do rock. E, como uma espécie de azarão, o Green Day aparecia lá no finalzinho da lista (número 36), quase como uma concessão – e não é que, eles sim, viraram uma referência universal para mais de uma geração?

O que sobrou? Baixas, de fato lamentáveis: Tricky (20), um dos artistas mais brilhantes e originais dos anos 90; e Pulp (26) – que nem mesmo o excelente álbum deste ano de seu ex-líder, Jarvis Cocker (“Songs for the young at heart”), consegue evocar. Ah, e aquela baixa “de verdade”: a ausência mais que sentida de Nusrat Fateh Ali Khan (34), o cantor paquistanês, morto alguns meses depois de sua consagração nessa lista – mas cuja influência, inegavelmente, se espalha infinitamente.

Pausa para reflexão: alguém se arrisca a fazer uma lista hoje para a gente conferir em 2017?



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade