A estrada mais famosa da Argentina
Quando estava preparando minha viagem, planejava descer do Rio de Janeiro até Ushuaia pela costa atlântica, pela Ruta 3, e voltar margeando a Cordilheira dos Andes, pela Ruta 40. Aliás, esta é uma das principais dicas para quem quer se aventurar em uma viagem grande de carro: sempre que possível, tente traçar um percurso circular, ou oval. Desta forma, evita-se passar duas vezes pela mesma estrada e se está sempre conhecendo lugares e paisagens diferentes.
Evidentemente que não basta olhar no mapa e decidir no “olhômetro” o caminho que se vai fazer. É preciso estudar as condições e os trajetos das estradas, para calcular o tempo e, principalmente, ver se é possível guiar nelas. E, após pesquisar e conversar com outros estradeiros, decidi que não seria possível voltar pela Ruta 40.
A Ruta 40 é, certamente, a mais exaltada na Argentina pelos amantes das estradas, vendida como adesivos nas bancas de jornais e nos maxi-kioskos (espécie de lojas de conveniência). É encarada como uma espécie de Route 66, que, nos Estados Unidos, é celebrada como a rota do desbravamento, por onde passaram muitos hippies e beatniks nas décadas de 60 e 70, em busca de liberdade e experimentações. E, se a Route 66 tem quase 4 mil quilômetros, ligando horizontalmente o leste ao oeste dos EUA, a Ruta 40 tem pouco mais de 5 mil quilômetros, ligando verticalmente a Argentina, de norte a sul.
Percebi que não poderia encarar a Ruta 40 porque seriam cerca de 600 km dirigindo sozinho, em uma estrada de um ripio bem ruim, mal cuidado, passando por um ou dois vilarejos, com trechos de cerca de 300 quilômetros sem um posto de gasolina ou borracheiro. Eu estava com apenas um estepe montado e mais um pneu solto, que não seria de muita serventia caso estourassem dois pneus, já que não teria como montá-lo em uma roda. O celular, certamente não teria sinal.
Sendo assim, resolvi voltar pela mesma Ruta 3 da ida, margeando o Atlântico. Antes, porém, pegaria um pequeno trecho da Ruta 40, de 70 km, para cortar caminho na viagem entre Puerto Natales, no Chile, e El Calafate, na Argentina, meu próximo destino. E, para ser sincero, para provar também o que era rodar na mítica Ruta 40. Sentir o gostinho do que seria me aventurar por centenas de quilômetros em uma estrada completamente inóspita.
Saindo de Puerto Natales, após atravessar a fronteira, chega-se à cidade de Rio Turbio, onde abasteci – a gasolina na Argentina é mais barata do que no Chile. De Rio Turbio, pega-se 60 km de um trecho asfaltado da Ruta 40. Na bifurcação com a Ruta 7, entra-se à esquerda para continuar na 40, mas, agora, na parte de ripio (pequenas pedras jogadas sobre a terra batida). Antes disso, já havia batido fotos de um hotel, no meio da estrada, absolutamente deserto, daqueles que só havia visto em filmes. Não vi pessoas, nem carros. E fiquei pensando em quão sinistro deveria ser passar uma noite ali.
Na Ruta 40, entendi um pouco da origem da fama. Não há nada. Quando muito, alguma placa de sinalização. Fotografei alguns animais, como uma ave de rapina que não descobri o nome, emas e muitas ovelhas, carneiros e cordeiros. Aliás, só nessa viagem eu descobri que os cordeirinhos têm grandes rabos peludos, como o resto do corpo. Antes de crescer, os rabos são cortados. E, mesmo neste fim de mundo, os rebanhos são marcados e tem donos. Só não consegui fazer idéia de como eles encontram e recolhem os animais para tosá-los, extrair o leite ou abatê-los para comercializar a carne.
Ao longo dos 70 km de ripio na Ruta 40, cruzei com apenas dois veículos: uma van carregando turistas e uma picape. Saltei várias vezes do carro para sentir a vastidão daquele lugar. Podia berrar o quanto quisesse que não seria escutado. A sensação era de ter aquela imensidão só pra mim, ao mesmo tempo em que me sentia ínfimo naquela magnitude desértica. Ao final do trecho, uma curiosa “espantalha” parecia avisar que voltaria a pegar a estrada asfaltada. Era hora de seguir viagem até El Calafate, na expectativa de conhecer algumas das mais bonitas geleiras do mundo, após curtir a poeirenta, desoladora e encantadora Ruta 40.
Bernardo Tabak, do G1