Você sabia (2): PRSPs, os planos do FMI para o combate à pobreza
Nos anos 90, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial montaram uma estratégia para reduzir a pobreza nos países em desenvolvimento de renda baixa (categoria que inclui vários países africanos e alguns na América Latina, como a Bolívia e o Haiti).
Eram os Poverty Reduction Strategy Papers (PRSPs), que podem ser traduzidos livremente como “planos de estratégia para redução de pobreza”. O objetivo da iniciativa, que recomendava políticas para a redução do problema, era ajudar as nações mais pobres do mundo a atingir as “metas do milênio” da Organização das Nações Unidas (ONU), que visam a redução da pobreza no mundo pela metade.
Em tese, a idéia não era ruim: o FMI e o Banco Mundial enviaram técnicos aos países para traçar, em parceria com entidades da sociedade civil e governos, estratégias para melhorar as condições de vida dessas populações. Mas os PRSPs esbarraram em um problema muito claro: os especialistas enviados pelas duas instituições tentaram forçar o modelo de desenvolvimento aplicado nos países desenvolvidos do Hemisfério Norte para as nações mais pobres do Hemisfério Sul.
Não é de se espantar que os resultados da iniciativa tenham sido pífios e que o cumprimento das metas do milênio da ONU, que devem ser cumpridas até 2015, sejam hoje um sonho distante. Apesar de o FMI e o Banco Mundial realmente terem ouvido a sociedade civil para desenvolver os planos de redução da pobreza, eles não a escutaram realmente. As instituições já tinham a receita pronta antes mesmo de chegarem à África.
Entre os principais ingredientes desta receita estavam a liberalização econômica, a redução da participação do Estado na economia e a entrada desses países no disputado comércio mundial. Mais do que uma sugestão, a liberalização foi uma imposição, pois iniciativas de descontos na dívida externa e repasse de dinheiro para alívio à pobreza passaram a ser condicionados ao cumprimento dos PRSPs.
Embora a liberalização econômica tenha contribuído para o crescimento dos países desenvolvidos e funcione até certo ponto para nações em desenvolvimento com economias maiores, a realidade africana é completamente diferente. Além da diferença de desenvolvimento econômico, há questões sociais, políticas e culturais que impedem que a África copie o modelo de desenvolvimento do Hemisfério Norte.
São diferenças que ficam evidentes no aspecto tribal da sociedade africana (muitas vezes, o sobrenome das pessoas identificam a quais tribos elas pertencem); à variedade de religiões (além de crenças locais, há vários países muçulmanos no continente); de gênero (a posição da mulher na África é muito frágil; elas são, por exemplo, 70% da população pobre); e de estabilidade política (as nações africanas são muito jovens, pois o processo de independência terminou só nos anos 70; além disso, a democracia africana é extretamente frágil).
Além de manterem os olhos vendados à realidade do continente, o FMI e o Banco Mundial resistiram o quanto puderam à reivindicação número um de técnicos e estudiosos de desenvolvimento (pelo menos daqueles que trabalham fora dessas duas instituições): o perdão da dívida externa desses países. Como a economia dessas nações é extremamente frágil, por mais que pagassem juros, elas nunca seriam capazes de pagar a dívida por completo (por isso, em 2005, a dívida dessas nações foi finalmente perdoada).
O que se comenta nos círculos internacionais é que a África precisa encontrar seu próprio padrão de desenvolvimento. Qual padrão é esse ninguém parece saber. Entretanto, até pelo fato de a iniciativa dos PRSPs ter sido baseada no padrão de tentativa e erro, uma coisa já se sabe: inserir esses países no jogo da globalização não é, pelo menos no curto prazo, a saída para combater sua miséria.