O Brasil e os megatelescópios
O mundo da astronomia vive hoje uma corrida pela construção do primeiro megatelescópio. Atualmente, os maiores telescópios ópticos usados têm o diâmetro na casa dos oito metros. De tempos em tempos a tecnologia empurra esse valor para cima. Na década de 1980 tivemos os telescópios da classe de quatro metros, como o UKIRT e o CFHT no Havaí e o Blanco no CTIO, Chile. Já a década de 1990 viu o comissionamento dos telescópios de classe de oito metros, como os VLTs no Chile, os Kecks no Havaí e o Gemini em ambos hemisférios. O telescópio de Monte Palomar tem um espelho com cinco metros de diâmetro, que foi construído em 1949 com a tecnologia da época, ou seja, ele é um bloco único de vidro espelhado.
Agora, vivemos a época de planejar e construir os telescópios da próxima geração, chamados de um modo mais genérico de telescópios gigantes ou megatelescópios. Temos atualmente três projetos em desenvolvimento: o Telescópio Gigante de Magalhães (GMT, na sigla em inglês) com 25 metros de diâmetro; o Telescópio de Trinta Metros (TMT, em inglês) que, como seu nome diz, terá 30 metros diâmetro; e o E-ELT, sigla em inglês para Telescópio Europeu Extremamente Grande, que deverá ter uns 39 metros.
Os avanços da ciência vão empurrando esses limites constantemente, mas a tecnologia não consegue acompanhar tão prontamente e, por vezes, é preciso esperar 10, 20 anos entre uma geração e outra de telescópios. Hoje, a demanda por instrumentos gigantescos como esses é ditada pela pesquisa de exoplanetas, energia escura e dos primórdios do Big Bang, principalmente.
Só que construir um Leviatã desses é tarefa muito cara para uma instituição ou um país bancarem sozinhos. A solução é criar consórcios, juntando sócios que dividam o valor da construção e operação dos observatórios. Na verdade isso já acontece faz tempo. O mais famoso desses consórcios, o Observatório Europeu do Sul (ESO em inglês), é uma associação de 14 países europeus que opera há 50 anos dois complexos de observatórios no Chile.
Dos três megaprojetos, o GMT é o que está em estado mais avançado, com três dos sete espelhos já prontos. Mas, na real, nenhum dos consórcios está fechado. Nem mesmo o ESO.
O TMT está previsto para ser construído no Havaí e aí já começam os problemas, já que os havaianos consideram o local da construção como terreno sagrado. O consórcio envolve atualmente seis sócios, recebeu uma forte injeção de recursos de uma fundação e tem previsão de iniciar suas operações em 2022.
Tanto o ELT, quanto o GMT serão construídos no Chile. O Cerro Armazones foi escolhido para sediar o ELT, mas atualmente os membros do ESO não possuem todo o dinheiro para construí-lo. E aí que entre o Brasil na jogada.
No final de 2010, o então ministro da Ciência e Tecnologia foi procurado pelo diretor do ESO com a proposta de fazer o Brasil se tornar o último membro da associação. Assinado o protocolo de intenções, o Brasil se tornou um membro em ascensão e, desde janeiro de 2011, nós já fazermos parte do ESO. Membro em ascensão significa que qualquer astrônomo brasileiro pode pedir tempo em qualquer um dos vários telescópios mantidos pelo consórcio, mas ainda não pode participar dos conselhos diretivos. Isso só vai ocorrer quando o Congresso Nacional ratificar o acordo. Esse trâmite é necessário, pois se trata de um acordo entre países, então é preciso que isso se dê através do parlamento. Só que o convite não veio sem segundas intenções.
Para se tornar membro efetivo, além da aprovação pelo Congresso, o país tem de desembolsar algo em torno de R$ 560 milhões. Ao longo de 10 anos, a estimativa é que os gastos cheguem a mais de R$ 1 bilhão. Mas esse não é o total dos gastos, pois é preciso pagar uma anuidade que varia de país para país. Ela depende de uma conta que envolve o tamanho do PIB e da comunidade de astrônomos do país membro. Hoje, o Brasil seria o terceiro maior contribuinte (atrás da Alemanha e da França) e algumas projeções mostram que em 15, 20 anos teríamos a maior anuidade entre os sócios. Só que essa dinheirama toda não garante o uso dos telescópios do ESO. Fazer parte do ESO apenas garante o direito de pedir tempo de telescópio, através de propostas submetidas a cada seis meses. As propostas de todos os países são analisadas e o tempo é distribuído entre as melhores, sem distinção da nacionalidade delas. Isso significa que, mesmo pagando, um país pode não ter nenhuma proposta atendida.
E aí vem o ponto crítico para o ELT. Sem a adesão brasileira ele não sai e o ESO não parece disposto a aceitar outro candidato a membro efetivo. Com um custo estimado em 1,2 bilhões de euros e previsto para entrar em operação em 2021, o ELT começa a ficar ameaçado com o atraso brasileiro. Se até 2015 o Congresso brasileiro não se posicionar a respeito, o cronograma da construção estará seriamente ameaçado e é bem possível que o ESO desista de esperar.
Já o GMT é um consórcio que tem atualmente 10 sócios, entre universidades e institutos de pesquisa, e tem como meta estar funcionando em 2020. O espelho principal do telescópio será, na verdade, uma composição de sete espelhos de 8,4 metros de diâmetro que dará uma área coletora equivalente a de um único espelho de 22 metros. Três espelhos já foram fabricados e estão sendo finalizados e tudo leva a crer que esse deve ser mesmo o primeiro a ser inaugurado. E o que o Brasil tem a ver com esse projeto?
Com a demora na ratificação da adesão ao ESO e com os demais consórcios finalizando o processo de captação de recursos, estávamos assistindo a astronomia brasileira perder o acesso à nova geração de telescópios. Para tentar evitar que essa tragédia acontecesse, um grupo de astrônomos de instituições científicas baseadas no estado de São Paulo (no qual eu me incluo) enviou uma proposta à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) solicitando US$ 40 milhões para se associar ao GMT. Essa verba garantiria o acesso a 4% do tempo, 12 ou 13 noites por ano. Isso não é pouco, mas o melhor é que esse tempo seria administrado por brasileiros e distribuído para astrônomos brasileiros. Na verdade, por se tratar de um projeto para a Fapesp, o acesso seria de astrônomos baseados em São Paulo, mas é claro que ele poderia se estender aos colegas de outros estados através de colaborações científicas.
A proposta passou por um processo de análise por assessores internacionais, que deram pareceres extremamente favoráveis, mas a resposta final ainda não foi dada. Nesta semana, a revista Nature publicou uma reportagem informando que a Fapesp deve anunciar o resultado da proposta agora em abril. Para essa mesma reportagem, a revista quis saber minha opinião a respeito dessa adesão. O fato de possuirmos uma quantidade fixa de tempo de telescópio, com a capacidade de podermos administrá-la da forma que quisermos é, para mim, fundamental. Pesquisadores em início de carreira, ou até mesmo estudantes, poderão ter acesso mais fácil a um telescópio de ponta. Assim tem sido com o consórcio Gemini, com uma participação de 6%, ou o SOAR, com 30% do tempo. Essa estratégia alavancou o desenvolvimento de centros novos e programas de pós-graduação.
Quanto ao resultado, estou bem otimista. O projeto está bem escrito e todos os pontos levantados durante a análise foram muito bem explicados, inclusive as oportunidades de participação na construção do observatório e o fornecimento de instrumentos. O jeito é esperar e torcer pela aprovação.
Crédito da imagem: GMT