Duas polêmicas, muito barulho por nada

sex, 31/01/14
por Cassio Barbosa |

Stephen Hawking/ Foto: Bruno Fahy/AFPNo começo da semana, saiu uma notícia de que Stephen Hawking, o maior físico vivo e sumo especialista em buracos negros, teria publicado um artigo dizendo que buracos negros não existem. Mais para o final, vários portais de notícias, alguns até sérios, publicaram que nos próximos dias uma explosão iluminará os céus. Sério?

Primeiro o Hawking.

Stephen Hawking, que dispensa apresentações, estuda buracos negros desde sempre. Ainda no tempo em que não havia nenhuma comprovação observacional da existência deles, surgiram as primeiras suspeitas de que Cygnus X1 abrigaria um buraco negro em seu sistema binário. Em 1974, Hawking e Kip Thorne fizeram uma aposta, com Hawking defendendo que deveria haver um buraco negro no sistema. Mesmo que ainda na década de 1970 já havia evidências suficientes para encerrar a aposta em favor de Hawking, Thorne só reconheceu sua derrota em 1990, quando admitiu que deveria haver mesmo um singularidade em Cygnus X1.

Nesse tal “artigo” Hawking propõe, através de argumentos retóricos apenas, que uma das principais características de um buraco negro, o horizonte de eventos não deve existir. O horizonte de eventos marca a fronteira de um buraco negro, a região limítrofe entre o universo fora e o que está dentro dele. Seja lá o que seja…

Uma vez cruzada essa fronteira não há volta e significa que esse é o último ponto em que se pode mandar alguma informação para alguém de fora antes de ser tragado pelo buraco negro.

Ora, sem um horizonte de eventos, um buraco negro não existiria, ao menos no conceito do escape de um raio de luz. Isso está escrito no “artigo”. Mas o que passou batido por todos é que a conclusão da inexistência dos horizontes de eventos vem como consequência da inexistência de “firewalls” ao redor do horizonte. Esses “firewalls” foram postulados por dois outros físicos como uma consequência da existência da radiação de Hawking para buracos negros. Contrário a essa ideia, Hawking contra argumentou com base em física teórica pesada e como efeito colateral dessa argumentação, acabou “matando” o horizonte de eventos. Mas, ainda nesse “artigo”, ele diz que existiria um horizonte de eventos aparente, que existiria por um período de tempo. Com isso, buracos negros deveriam ser reclassificados como estados estáveis apenas por pouco tempo do campo gravitacional. Ufa!

Bom, o fato é que não se trata de um artigo propriamente dito, por isso sempre usei aspas. Na verdade essa discussão foi apresentada como uma compilação de uma palestra que Hawking deu e, apesar de dar todos os passos para chegar às conclusões apresentadas, não tem uma conta sequer. Além disso, o “artigo” foi enviado a um banco aberto de texto, sem nenhuma revisão por outros pesquisadores que possam analisar a coerência das proposições.

Isso não invalida a ideia, mas até que ela possa ser tomada como uma teoria científica ainda falta muito. Mais importante do que isso é que Hawking não “matou” os buracos negros. É bem possível que ao abrir as contas fique claro que isso não seja suprimir o horizonte de eventos. Aliás, na condição em que ele está, ele não poderia fazer as contas, mas a genialidade dele fica bem clara ao se analisar sua argumentação, toda baseada nos conceitos físicos que estão por trás das equações, mas sem escrevê-las. E é cada equação feia… Uma hora dessas certamente tem um monte de físico teórico trabalhando nesses conceitos todos, mas o que eu vejo de principal contribuição dessa discussão toda é que ela se faz no limiar de duas grandes teorias: a gravitação e a mecânica quântica. A unificação das duas, a gravidade que se presta muito bem para descrever o macro e a quântica que descreve o micro nunca foi conseguida. Eu não digo nada se nessa discussão toda não estejam os pilares para que a tão almejada unificação não aconteça nos próximos anos.

O outro assunto polêmico é a tal “explosão estelar que iluminará os céus nessa semana”. Menos, né?

A tal explosão a que se refere o título sensacionalista é essa mesma tratada no post abaixo. O que acontece é que as supernovas têm uma curva de brilho bem conhecida, elas têm um aumento súbito de brilho, atingem o pico e vão enfraquecendo lentamente ao longo dos dias. Em geral, uma supernova é descoberta muito próxima do seu pico, mas no caso da SN 2014J a descoberta se deu muito antes disso. O fato é que ela vem ficando mais brilhante com o passar dos dias e deve atingir seu pico nesta semana.

“Explosão estelar excepcionalmente próxima da Terra”, diz o texto. A 12 milhões de anos luz dá até para dizer que é próxima, mas excepcionalmente? Se fosse Betelgeuse, que está nos seus últimos suspiros eu até concordaria, afinal ela está a 430 anos luz.

Mas então. Seu brilho deve chegar, se tanto, a magnitude 9, muito mais fraco do que o olho humano consegue enxergar. Com esse brilho, um pequeno telescópio, ou uma boa luneta devem ser suficientes para observá-la, mas nem todo mundo. Na constelação da Ursa Maior, apenas moradores mais ao norte vão poder observá-la. Do Brasil deve ser vista em localidades mais ao norte de Brasília, por exemplo, depois das 3 da manhã.

* Crédito: Bruno Fahy/AFP

Cardápio da noite: pizza e supernova!

qui, 23/01/14
por Cassio Barbosa |

Dia 20 de janeiro, mais ou menos às 19h20, quatro alunos da Universidade de Londres e mais o professor de astrofísica Steve Fossey estavam tendo uma aula prática no observatório didático da universidade. Aquela de mostrar como um observatório funciona na prática: abrir a cúpula, ligar os equipamentos, passar as coordenadas do alvo e obter uma imagem. Aqui na universidade a gente faz a mesma coisa.

O alvo escolhido pelos estudantes naquela noite foi M82, também conhecida como a Galáxia do Charuto por seu formato espichado. Além de ser uma galáxia próxima, a uns 11 milhões de anos-luz e fácil de se observar em telescópios pequenos na constelação da Ursa Maior, essa era uma das poucas regiões do céu sem nuvens. Além de ser um objeto popular entre amadores, M82 é uma galáxia bastante estudada por manter uma forte atividade de formação estelar.

O tempo não estava colaborando e estava ficando cada vez mais encoberto, mas ao apontar o telescópio de 35 cm do observatório, o professor Fossey notou que havia um ponto de luz em cima da galáxia. Figurinha carimbada que M82 é, logo ele desconfiou de alguma coisa. Imediatamente ele ligou outro telescópio da universidade, com outro conjunto de câmeras para tirar uma outra imagem. Esse ponto de luz poderia ser um defeito da primeira câmera.

Enquanto o telescópio e os instrumentos entravam em operação (e o tempo piorava), os alunos acessaram imagens de M82 disponibilizadas na internet. Em nenhuma delas havia qualquer sinal daquele ponto de luz. Assim que o segundo telescópio ficou operacional, Fossey e seus alunos fizeram uma sequência rápida de imagens de 1 e 2 minutos de exposição com diferentes filtros. Com isso, não apenas confirmaram que havia mesmo um ponto de luz sobre a galáxia, mas também conseguiriam medir seu brilho. Por volta das 19h40 o tempo fechou de vez.

Procurando na rede, Fossey notou que não havia nenhum registro deste objeto estelar em lugar algum e imediatamente fez um reporte endereçado ao Escritório Central de Telegramas Astronômicos da União Astronômica Internacional. Esse escritório recebe e distribui alertas de descoberta e confirmação de objetos astronômicos. Além disso, ele também enviou um comunicado a uma equipe de procura de supernovas baseada nos Estados Unidos, que ainda estava com céu claro.

Ao anoitecer, a equipe americana efetuou observações espectroscópicas que determinaram que o ponto brilhante era mesmo uma supernova em M82, neste caso uma supernova do tipo Ia. Supernovas deste tipo são na verdade um par de estrelas, onde uma delas é uma anã branca muito próxima do seu limite máximo de massa, aproximadamente 1,4 vezes a massa do Sol. A anã branca rouba matéria de sua estrela companheira durante milhares de anos, até que ela acumule massa suficiente para romper esse limite. Quando isso acontece ela explode violentamente e se torna uma estrela de nêutrons.

No final das contas, a IAU reconheceu que o professor Fossey e seus alunos foram os descobridores dessa supernova, que foi catalogada como SN 2014J. Tom Wright, um dos alunos naquela noite nublada, disse que “em um minuto estávamos comendo pizza e cinco minutos depois estávamos descobrindo uma supernova! Foi inacreditável e é uma das coisas que me motivou a ser astrônomo!”

A supernova SN 2014J é uma das mais próximas de nós observadas na astronomia moderna. Em 1987 a famosa supernova de Shelton (não Sheldon!) explodiu na Grande Nuvem de Magalhães, galáxia vizinha a meros 168 mil anos luz de distância. Em 1993 uma outra supernova foi descoberta um pouco mais distante que essa, a 12 milhões de anos luz na galáxia M81.

A última supernova que, inquestionavelmente, podia ser vista a olho nu explodiu em 1604. Ela estava a apenas 20 mil anos luz, ou seja, dentro da nossa própria Galáxia. De tão brilhante, ela podia ser vista de dia e foi observada por Johannes Kepler. Existe uma piadinha entre os astrônomos que desde então, nunca mais houve um astrônomo bom o suficiente que merecesse ver uma supernova brilhante deste jeito.

Crédito da foto: UCL/University of London Observatory/Steve Fossey/Ben Cooke/Guy Pollack/Matthew Wilde/Thomas Wright

 

Os planetas parecidos com a Terra

ter, 05/11/13
por Cassio Barbosa |
| tags

Você leu aqui no G1 algum tempo atrás que o telescópio espacial Kepler tinha encerrado oficialmente suas atividades. Um problema com uma das rodas de inércia, destinadas a apontar e manter o apontamento do telescópio com grande precisão, havia acontecido. Isso logo depois de completar sua missão inicial e ter ganho uma sobrevida com a extensão de suas atividades. O Kepler ainda continua operacional, todos os seus sistemas estão funcionando, mas, como o procedimento para descobrir planetas envolve observar estrelas por meses a fio, mantendo a posição com precisão absoluta, a perda da roda de inércia sentenciou o fim da sua missão principal.

Até agora, o Kepler nos deixou uma lista com 3.538 candidatos a planeta e 167 planetas confirmados. Cada um desses candidatos precisa ser confirmado com um outro método, já que são detectados pelo seu trânsito, isto é, quando ele passa na frente da estrela, diminuindo seu brilho. Não chega a ser um eclipse. As variações de brilho são pequenas, mas podem ter outras origens, como discretas deformações na forma da estrela. Para confirmar um suspeito, usa-se a espectroscopia, tentando captar as pequenas perturbações gravitacionais do planeta na estrela hospedeira.

Dá para perceber que tem muito candidato ainda para ser confirmado. Mesmo fora de operação, o Kepler ainda vai “descobrir” muitos planetas.

Isso sem falar nos bancos de dados que vão se tornando públicos de tempos em tempos. Análises dessas informações já mostraram que estrelas com planetas são a maioria na Galáxia, demostrando que eles são muito mais comuns do que se imaginava.

Mas nesta segunda-feira (4) saiu um dos resultados (preliminarmente, diga-se) mais surpreendentes da missão Kepler. Analisando o banco de dados do telescópio e cruzando as informações obtidas de um dos melhores espectrógrafos do mundo, um time de 3 astrônomos encontrou um resultado muito interessante: mais de 20% das estrelas parecidas com o Sol possuem um planeta parecido com a Terra na zona habitável! Vendo de outro jeito, uma em cada 5 estrelas do tipo do Sol deve ter um planeta rochoso (com raio entre 1 e 2 vezes o da Terra) na zona habitável. Essa zona é definida com a faixa de distâncias até a estrela hospedeira em que exista condições para que haja água em estado líquido em um corpo celeste adequado, como um planeta.

Estar na zona habitável não significa ser habitável. Estar nessa zona significa que o planeta recebe radiação adequada, mas para haver água líquida, deve ter outras características, como possuir uma atmosfera densa. Mas esse resultado surpreende, pois mostra que planetas com grande potencial para abrigar vida são muito mais numerosos que o imaginado.

Esses resultados são preliminares, feitos com base em uma análise estatística robusta, e foi o que deu para fazer depois que o Kepler pifou. A missão estendida, que havia sido aprovada para ele, era justamente obter esses números observacionalmente. Os números definitivos não devem ser muito diferentes, mas precisam ser ratificados por um revisor independente.

Os resultados do Kepler são por si só muito interessantes, mas também contribuem para delinear com números realistas a famosa Equação de Drake. Não lembra dela? Essa equação foi proposta por Frank Drake em 1961 como uma forma de estimar a probabilidade de se encontrar uma civilização extraterrena capaz de se comunicar conosco. Na verdade, essa equação tem a intenção de enumerar as variáveis envolvidas e que precisam ser estimadas para se ter uma noção das chances de haver civilização avançada na Galáxia. Por exemplo, qual o número de estrelas que têm planetas, ou o de planetas aptos a suportar vida, e por aí vai. Essa equação costuma ser tratada como uma equação de nossa ignorância a respeito destas variáveis.

Só que o Kepler, indiretamente, está dissipando nossa ignorância. Com seus resultados até agora, já temos números concretos sobre a taxa de estrelas formadas na Via Láctea (7 por ano), o número de estrelas que podem ter um sistema planetário (quase 100% delas) e agora o número de estrelas que têm condições de suportar vida (5% mais ou menos).

Planetas em zona habitável não significa que ele seja habitável, mas, como diz meu antigo orientador: “Por que não esperar por vida espalhada pela Galáxia? A vida é uma praga, ela pode se espalhar por todo canto!”

(Crédito da imagem: SETI) 

O Sol acordou?

sex, 01/11/13
por Cassio Barbosa |

O Sol possui um ciclo de atividade magnética observado sistematicamente há pelo menos 400 anos. Essa atividade pode ser acompanhada pela contagem de manchas solares, que têm origem no afloramento do campo magnético de tempos em tempos. Esse ciclo tem um período médio de aproximadamente 11 anos, com um máximo pronunciado em que se observa muitas manchas, tempestades e explosões solares. Passados aí uns 5 ou 6 anos, a situação se inverte e o Sol passa por um período de baixa atividade, refletindo em um pequeno número de manchas, bem como tempestades e explosões solares. Passado o período de mínimo, a atividade magnética do Sol começa a se intensificar até que ele chegue novamente a outro máximo, e o ciclo se repete já há milhões de anos.

A contagem do número de manchas tem por volta de 400 anos, mas como a atividade solar influencia o clima na Terra, é possível detectar o ciclo de 11 anos em anéis de crescimento de árvores petrificadas. Esse método permite retornar na história e o que se verifica é que o Sol tem tido esse comportamento bem marcado, variando um pouco, mas sempre em torno de 11 anos. O que se tem observado nesses 400 e tantos anos de observação de manchas é que, apesar de ser bem constante, o total de manchas durante um máximo, ou o tempo que o Sol permanece em um máximo ou mínimo, varia bastante.

Por exemplo: durante 70 anos, entre 1645 e 1715, a atividade solar foi irrisória, pouquíssimas manchas foram registradas e essa época hoje é conhecida como mínimo de Maunder. Coincidência ou não, nessa época foram registradas baixas temperaturas na Europa, um período chamado de “Pequena Era do Gelo”. Mais adiante, entre 1790 e 1830, o Sol passou por outro período de baixas contagens de manchas, mesmo quando estava em seus momentos de máxima atividade. De novo, o que se verificou foram temperaturas abaixo da média.

Atualmente, o Sol está no seu período de máximo, mas esse tem sido um dos menos intensos dos últimos 100 anos. Aliás, o período de mínimo que antecedeu esse ciclo, o de número 24, foi um dos mais profundos de que se tem notícia. Por mais de 800 dias não houve registro de uma mancha sequer! Até mesmo por isso, o início do atual ciclo foi difícil de se detectar. E o que se tem observado é que o Sol tem furado até a mais pessimista das previsões.

Por esses dias, houve o registro de pelo menos 3 explosões solares de alta intensidade, e nos próximos dias existem grandes chances de haver outra de média intensidade. Só que algo não vai bem no Sol. Em setembro foram observadas 35 manchas, mas o numero esperado estava entre 95 e 100, quase o triplo! Com uma atividade tão baixa, está muito difícil de afirmar quando foi o máximo do atual ciclo, que era esperado para maio deste ano. Só que olhando os gráficos de manchas que são divulgados a cada mês, o máximo teria acontecido ainda em 2011, o que encurtaria demais o ciclo 24.

Alguns amigos meus que pesquisam a atividade solar estavam me explicando que tudo indica que o Sol esteja atravessando um período análogo ao mínimo de Dalton. Isso explicaria a constante redução do número de manchas nos períodos de máxima atividade. Os números de outubro estão sendo tabulados e dentro de uma semana eles devem ser divulgados, vamos ver se muda alguma coisa.

Já que falamos do Sol, nesse domingo pela manhã, teremos um eclipse híbrido. Infelizmente, será visível para poucas pessoas e, mesmo assim, apenas parcialmente, sendo que quanto mais ao Norte, melhor. Ainda assim, no litoral do extremo norte brasileiro, a fração que a Lua vai encobrir do Sol será de apenas 30%, mas já para se divertir. Um eclipse híbrido é um eclipse em que, dependendo da posição sobre a Terra, ele será total (quando a Lua encobre totalmente o Sol) ou será anular (quando a Lua encobre o Sol, mas deixa um anel ao seu redor).

A imagem abaixo, que roubei do meu amigo Gustavo Rojas, mostra a visibilidade do eclipse sobre o território brasileiro com os horários do máximo visível. Com eclipse ou sem eclipse, nunca se deve olhar diretamente para o Sol, mesmo com radiografias ou vidros enfumaçados. Pode-se usar vidros de soldador, ou uma técnica bacana usando uma fresta de luz. Faça um furinho em uma folha de papel e você poderá ver a imagem do Sol eclipsado projetada no chão.

Quem puder aproveitar, não deixe fazê-lo, pois outra oportunidade (também parcial) só em 26 de fevereiro de 2017.

(Crédito das fotos: Alan Friedman e Gustavo Rojas)

Um planeta boiando pelo espaço

sex, 11/10/13
por Cassio Barbosa |

Quando eu era mais novo e começava a me interessar por astronomia, as coisas eram bem mais simples. Estrelas eram gigantescas bolas de gás incandescentes, produzindo sua própria luz. Do mesmo disco em que as estrelas se formavam, planetas poderiam se formar, dando origem a sistemas planetários. Sem massa suficiente para iniciar a reação de fusão nuclear em seu interior, planetas estariam sempre associados a estrelas, refletindo sua luz no espaço.

Mas as coisas mudaram muito de lá para cá e ficaram mais complicadas, mas, principalmente, mais interessantes!

Primeiro que planetas começaram a pipocar ao redor de vários tipos de estrelas, desde estrelas quentes e jovens até estrelas mortas como pulsares. Planetas rochosos, gasosos, pequenos ou grandes foram sendo descobertos a partir da melhoria dos equipamentos e das técnicas de observação. Hoje já são mais de 700 confirmados e mais de 3 mil candidatos! Em segundo lugar, bem, aí vem o mais estranho.

Nesta semana, uma equipe da Universidade do Havaí anunciou a descoberta de um planeta vagando solitário pelo espaço. Esse objeto, chamado de PSO J3218.5-22 (PSO para os íntimos) foi encontrado na constelação de Capricórnio, em um esforço observacional para se detectar anãs marrons, um tipo de estrela que não conseguiu acumular matéria o suficiente para iniciar o processo de fusão nuclear. Apesar disso, as anãs marrons produzem radiação infravermelha, por causa da dinâmica de seus gases. O objeto PSO surgiu justamente dos catálogos produzidos na busca desse tipo de estrela. Aliás, esses catálogos têm, até agora, um tamanho de 4 mil Terabytes, mais que a soma de todos os livros já publicados, do que todos os filmes feitos e de todas as músicas já escritas!

Depois de detectado, esse objeto foi acompanhado por 2 anos seguidos, com observações precisas que permitiram deduzir que sua distância é de 80 anos luz apenas. Além disso, pelo seu movimento próprio, a equipe liderada por Michael Liu conseguiu deduzir que o PSO pertence a um conjunto de estrelas conhecido como “grupo móvel de Beta Pictoris”, que teria se formado há 12 milhões de anos.

Ninguém sabe ao certo como esse planeta teria se formado, a primeira hipótese é ele teria sido formado junto com as estrelas desse grupo e, por interações gravitacionais mútuas, teria sido “estilingado” do sistema. Essa hipótese encontra resistência por que o PSO tem 12 milhões de anos também.

Outra ideia é que o planeta tenha se formado a partir do colapso de uma nuvem de gás, tal qual o processo de formação de uma estrela, mas em escala menor. Apesar de a ideia ser um tanto estranha, isso já foi observado, pelo menos uma vez, é o caso de OTS44. Esse objeto está cercado por uma nuvem e é possível observar gás caindo em direção a ele. OTS44 tem, no máximo, 2 milhões de anos apenas e estaria ainda em processo de acúmulo de matéria.

Esses dois objetos são considerados planetas, mas tem gente que torce o nariz. Planetas se formam e, ao menos em princípio, se mantêm ao redor de estrelas. O processo de formação através do colapso de uma nuvem é a descrição do processo de formação de estrelas. Em termos de massa, há um consenso, não muito firme, de que objetos com mais de 12 vezes a massa de Júpiter deveriam ser considerados estrelas, apesar de alguns catálogos listarem planetas com 24 vezes a massa de Júpiter. OTS44 tem massa de estrela (12 massas de Júpiter) e se forma como estrela, mas ainda assim é considerado planeta. Já PSO tem apenas 6 massas de Júpiter, o que o deixa definitivamente na classe de planetas. Se ele se formou como OTS44 está se formando, então as teorias de formação de planetas vão precisar de uma boa revisão.

Além de ser um caso interessante, PSO deve ser o planeta solitário menos massivo conhecido até agora, sua descoberta abre excelentes perspectivas para o estudo de exoplanetas. Obter uma imagem de um exoplaneta é muito difícil, pois o brilho da estrela é muito maior, o que o ofusca. Estudos da atmosfera dos exoplanetas descobertos até agora foram feitos de forma indireta. Agora, a descoberta de PSO nos dá a oportunidade de estudar não só a composição química, mas também a dinâmica de atmosferas dos exoplanetas de maneira direta.

Crédito da imagem: MPIA / V. Ch. Quetz

A estranha química de Titã

sex, 04/10/13
por Cassio Barbosa |

O sistema de satélites naturais de Saturno é um verdadeiro paraíso de fenômenos exóticos. Para citar alguns dos exemplos temos Encélado, uma pequena Lua com gêiseres ativos. Outro caso é Reia, a segunda maior lua do sistema, com uma tênue atmosfera de oxigênio e gás carbônico, um núcleo de gelo compacto e um possível sistema de anéis.

Mas, o caso mais interessante deve ser Titã, a maior lua de Saturno e a segunda maior do Sistema Solar, perdendo apenas para Ganimede, satélite de Júpiter. Sua característica mais marcante, depois de seu tamanho, é a presença de uma densa atmosfera. Mesmo à distância em que se encontra, Titã é banhada por radiação ultravioleta solar e um sem número de partículas carregadas aprisionadas por um toro de plasma gerado por Saturno.

A sonda Voyager 1, que falei aqui outro dia que já está no espaço interestelar, fez um sobrevoo em Titã, obtendo informações detalhadas de sua composição. Análises das imagens da Voyager e de telescópios em Terra, mostraram que a atmosfera de Titã contém metano, mas que era composta basicamente por nitrogênio, com pressão 1,5 vezes maior que a pressão atmosférica terrestre.

Na estratosfera, além de nitrogênio, metano e hidrogênio, é possível encontrar pequenas quantidades de outros hidrocarbonetos, tais como etano e acetileno. Esses outros compostos mais complexos devem se formar a partir da quebra do metano pela ação da radiação ultravioleta do Sol, o que causa o tom alaranjado de sua atmosfera.

A composição química da atmosfera de Titã chamou a atenção logo cedo, pois ela se assemelha muito com a composição química da atmosfera terrestre antes de haver vida. Com isso, a missão da sonda Cassini inclui diversos sobrevoos, obtendo imagens de radar e infravermelho, uma vez que na luz visível não é possível de se observar sua superfície. Reações químicas feitas na Terra simulando as condições de Titã resultaram na criação das bases constituintes de DNA e RNA e também de aminoácidos.

Além dessas manobras, a Cassini carregou a Huygens, uma pequena sonda atmosférica que pousou suavemente na superfície de Titã. Durante sua descida, a Huygens coletou informações sobre a densidade, temperatura, velocidade do vento, bem como da composição química em função da altura. A sonda foi preparada para flutuar, pois havia a possibilidade dela pousar em um lago de metano líquido. E esse é outro ponto de interesse, pois a vida como conhecemos é baseada em água, mas, ao menos teoricamente, também poderia surgir e se manter em ambientes com metano líquido. Criaturas assim inalariam hidrogênio (no lugar de oxigênio), o metabolizariam com acetileno (em vez de glicose) e produziriam metano (no lugar de gás carbônico).

Todos esses pontos fazem com que Titã seja considerado um excelente laboratório para estudar e entender como surgiram as moléculas orgânicas complexas que compõem a vida.

Mas como escrevi lá em cima, Titã é um mundo exótico, bastante interessante. Nesta semana, um estudo efetuado com a Cassini, que ainda está operacional, encontrou vestígios de um composto no mínimo bizarro: propileno.

O propileno é o ingrediente básico para se formar um tipo de plástico bastante comum (na Terra), o polipropileno. Esse tipo de plástico pode ser encontrado em qualquer supermercado em bandejas de alimentos. Ele é identificado pelo número 5 dentro do símbolo triangular de reciclagem.

Tamanha é a importância de Titã para estudos da química pré biótica que a sonda Huygens era movida a baterias elétricas simples, que duraram apenas 90 minutos após o pouso. Ninguém quis arriscar equipá-la com baterias nucleares, uma vez que elas poderiam se romper e contaminar a superfície.

Estudos como esse mostram que outras substâncias exóticas ainda podem ser descobertas, pois as condições são favoráveis. Hoje sabemos que o propileno pode ser encontrado na sua geladeira ou em Titã!



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade