Quem derrubou a Phobos-Grunt?

qui, 16/02/12
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Você se lembra da sonda russa Phobos-Grunt que foi lançada em novembro de 2011 e falhou em seguir seu destino até Marte? Para relembrar, a nave foi lançada na “janela” de 2011 e tinha como objetivo viajar até Marte, orbitar Fobus, uma das luas marcianas, e pousar uma sonda em sua superfície que iria coletar amostras do solo. Essa sonda retornaria à Terra e as amostras seriam analisadas em laboratório.

A nave foi colocada em uma órbita de transferência de baixa altitude, quando seus propulsores deveriam ter disparado (isso aconteceria sobre o Brasil) colocando-a em rota para Marte. O disparo não aconteceu e os técnicos da Rússia passaram vários dias tentando entender o que tinha acontecido para fazer o disparo ainda a tempo de não perder a tal “janela”. Mas por causa da órbita baixa, o que faz a nave se deslocar muito rápido, eles tinham algo em torno de 10 segundos de transmissões diárias para fazer isso. O fato de ainda conseguirem esses 10 segundos de contato indicava que a sonda estava em modo de segurança com os painéis solares abertos e apontados para o Sol. Falta de energia não era problema.

Passados alguns dias a “janela” se fechou. Essa tal “janela” é na verdade um espaço de tempo de umas 3 semanas (se tanto) que ocorre a cada dois anos, mais ou menos. Nessas 3 semanas, a posição relativa entre Marte e a Terra favorece os lançamentos de sondas. Nessa configuração o gasto com combustível é o mínimo possível. Como a órbita de transferência era muito baixa (algo como uns 300 km no máximo), logo a Phobos-Grunt sofreu com o arrasto atmosférico e acabou caindo no mar a oeste da ponta sul do Chile. Mas o que teria falhado nessa ambiciosa missão?

Logo de cara, o vice-diretor da agência espacial russa levantou a hipótese de que a NASA, por meio de uma estação de radar no Pacífico, teria enviados sinais de rádio que bagunçaram o computador de bordo da nave. Os americanos negaram com veemência, claro, e uma investigação rigorosa começou. Tão rigorosa que os russos simularam um desses “ataques” de ondas de rádio, chegando a convidar um observador da Nasa, que se recusou a mandar alguém. Os resultados mostraram que, de fato, a estação de rastreio da Nasa no Pacífico não tinha potência nem precisão suficientes para acertar a sonda em órbita. O que teria acontecido então?

Muito constrangido, o diretor da agência espacial russa concedeu uma entrevista coletiva no início de fevereiro dizendo que o problema foi com o computador de bordo que teria “rebootado” durante o voo, entrando em modo segurança aguardando novas instruções. Perguntado se esse “reboot” teria sido falha de um programa, o diretor Vladimir Popovkin respondeu que não, teria sido um íon pesado. Esses íons pesados estão presentes nos raios cósmicos, então teriam sido os raios cósmicos responsáveis por afundar um projeto de US$ 150 milhões? A história não convenceu os jornalistas especializados que apertaram Popovkin.

Os circuitos embarcados em naves espaciais são projetados para resistir aos raios cósmicos. Mais ainda, todos esses sistemas têm redundância. Isso significa que tudo é, no mínimo, duplicado, para que, na eventualidade de um deles falhar, o outro assuma sem problemas.

Cada vez mais constrangido, Popovkin admitiu que os circuitos embarcados foram comprados com especificações comerciais, não científicas e que não foram testados o suficiente nos laboratórios. Por isso, até mesmo o sistema reserva teria falhado. O constrangimento do diretor se explica: uma minuciosa investigação havia sido iniciada e poderia chegar a duas conclusões. Na primeira, a compra de circuitos comerciais teria como objetivo desviar dinheiro. Alguém pediria verba para comprar os circuitos com especificações especiais, mas na hora de comprar mesmo, compraria os comerciais, muito mais baratos. A segunda conclusão estaria relacionada a um singelo erro de cálculo, em que os circuitos foram simplesmente subdimensionados. A primeira hipótese significaria um crime, que poderia levar pessoas à cadeia, ou coisa pior. A segunda implicaria demissões em massa na agência espacial.

O fato é que o projeto como um todo falhou em Terra. Trocas no comando da agência e no comando do projeto resultaram em uma bagunça sem tamanho. A equipe toda foi afetada, com demissões e contratações durante 5 anos de projeto. O lançamento da Phobus-Grunt estava planejado para a janela de 2009, mas atrasou e foi adiado para 2011. Mesmo com mais dois anos, o projeto atrasou de novo e os testes de bancada foram feitos às pressas, senão a janela de 2011 também seria perdida. Deu no que deu.

E como vai a Mars Science Lab, que foi lançada alguns dias antes da Phobus-Grunt? Ela vai bem, obrigado. Depois do susto…

Três dias após o lançamento, o computador da sonda “ressetou” de repente. A equipe de engenheiros descobriu que o problema era com os endereçamentos de memória. Em outras palavras, em como o computador gerenciava sua memória, em especial quando ela estava vazia. Um programinha foi desenvolvido para corrigir isso e antes de ser instalado via rádio, bilhões de testes foram feitos na Nasa para garantir que tudo correria bem. Como nada de ruim aconteceu nesses testes, o programa foi instalado e sonda segue seu destino a Marte normalmente.

Ainda bem!

Ih, sumiu um planeta!

seg, 06/02/12
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Você sabe como fazer um planeta sumir? Fazer com que ele trombe com outro bem maior é um jeito. Meio bruto e complicado, mas pode ser. Mas tem um jeito mais fácil. Qual? Procurar direito.

Em 2008 foi anunciado que o telescópio espacial Hubble observou Formalhaut –uma estrela a apenas 25 anos-luz de distância da Terra que possui um disco circunstelar. Esse disco, que consiste de restos da formação da estrela, poderia ser na verdade um disco protoplanetário, ou seja, um disco de gás e poeira que viria a formar planetas no futuro.

Tudo começou em 2004. Como Formalhaut está pertinho, estruturas mais fracas ao seu redor poderiam ser reveladas com uma técnica simples de ocultar a estrela e seu forte brilho. Com isso, o disco foi observado e uma análise cuidadosa mostrou uma pequena mancha brilhante bem suspeita. Seria um planeta? Em 2006 a observação foi repetida de maneira idêntica e… bingo! A manchinha brilhante se mexeu como se esperaria de um planeta! A notícia correu o mundo, afinal, era um planeta detectado diretamente. A imensa maioria dos exoplanetas são descobertos de maneira indireta, seja por “mini eclipses” nas estrelas hospedeiras, seja pelo “bamboleio” gravitacional promovido durante a mudança de posição em suas órbitas. Esse exoplaneta foi batizado de Formalhaut b.

Tudo ia bem até que Markus Janson, da Universidade de Princeton, liderou um estudo de Formalhaut b usando o telescópio espacial Spitzer. A diferença fundamental entre os dois telescópios é que o Hubble observou o sistema no espectro visível e o Spitzer no infravermelho. E por que isso é importante? Porque, no visível, um planeta reflete luz e, no infravermelho, ele emite luz.

Pois bem, advinha o que aconteceu? Sim, no infravermelho, o planeta desapareceu! Nesse comprimento de onda ele seria facilmente detectável, mas nada surgiu nas imagens. A equipe teve um cuidado imenso para se certificar de que não havia cometido nenhum erro. Por exemplo, simularam como um planeta de verdade, ainda em formação, apareceria em imagens do Spitzer e mais importante, se esse planeta poderia ser detectado. A resposta foi sim, ele seria detectado facilmente como um ponto brilhante no disco circunstelar. Mas não foi isso o que aconteceu na realidade.

O que aconteceu então? A melhor explicação é que o Hubble detectou na verdade uma nuvem, ou quase isso. Em 2004, aquele ponto brilhante era apenas uma concentração de gás e poeira, ou uma sobredensidade, que se mexeu em uma órbita semelhante ao um planeta e foi detectado novamente em 2006. Essa sobredensidade reflete muito bem a luz da estrela, mas não emite no infravermelho mais do que o restante do gás do disco.

Bom, acontece nas melhores famílias. Em ciência, não basta “ver para crer” é preciso ver e rever para crer!



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