Feliz ano bissexto!

sáb, 31/12/11
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

E lá se vai 2011! Finalmente chegamos a 2012, com festa, mais promessas e desejos de que seja um ano melhor que 2011. Melhor, ninguém sabe, mas maior, com certeza!

O ano de 2012 será um ano bissexto, que é um ano com 366 dias, um dia a mais que os anos comuns. Mas, por que isso acontece?

A motivação é astronômica. Aliás, a construção de calendários é uma das mais antigas atividades astronômicas. Introduzir um dia a mais em determinados anos faz com que o ano terrestre continue compatível com o ano astronômico. É assim.

A Terra completa uma órbita em torno do Sol em 365 dias, 5 horas e 48 minutos aproximadamente, o chamado ano solar. Então, em um ano com 365 dias, a Terra não fecha uma órbita completa, ainda faltam quase 6 horas para isso acontecer. Isso significa que logo no primeiro dia do ano seguinte, em um determinado horário, a Terra estará 6 horas “atrasada” em sua trajetória no espaço em relação ao mesmo evento do ano anterior. A cada quatro anos, esse atraso soma quase um dia.

Como consequência, a cada quatro anos um evento estará um dia defasado deste mesmo evento há quatro anos atrás. Por exemplo, o início das estações: o outono no hemisfério sul seria “comemorado” no dia 21 de março, mas se deixássemos de corrigir esse efeito por, digamos  100 anos, o equinócio astronômico ocorreria somente lá pelo meio de abril!

Essa correção começou a ocorrer já na época de Júlio César no ano 45 a.C., mas era feita de maneira errada. Nessa época, um dia era inserido a cada três anos, em um calendário conhecido como Juliano. Mais tarde, no ano 8 d.C. o imperador César Augusto impôs uma nova correção ao calendário, estabelecendo que a inclusão de um novo dia deveria se fazer a cada quatro anos. Além disso, fevereiro passou a ter 28 dias (tinha 29) e o senado romano trocou o nome do mês de Sextilius para Augustus (que hoje é o mês de agosto) em homenagem ao imperador. Esse mês passou a ter 31 dias (incorporando o dia retirado de fevereiro) e por isso até hoje a alternância entre meses com 30 e 31 dias (excetuando fevereiro) falha com os meses de julho e agosto. Julho em homenagem a Júlio César tem 31 dias então agosto em homenagem a César Augusto não poderia ser mais curto. Este calendário passou a ser chamado de calendário Augustiano e vigorou entre os anos 45 d.C. e 1581.

Entretanto, em 1582 o papa Gregório XIII modificou o calendário Augustiano de modo a ajustar o calendário para conciliar a páscoa cristã com o equinócio de primavera (no hemisfério norte) que ocorre no dia 21 de março. Um estudo encomendado pelo papa mostrou que seria necessário retirar dez dias do ano de 1582 e isso foi feito no mês de outubro. Neste ano, o dia 15 de outubro sucedeu imediatamente o dia 04, isto é, os dez dias entre 04 e 15 de outubro foram suprimidos e não existe nenhum registro histórico com data em algum desses dias. Após essas correções, as regras para se definir um ano bissexto ficaram estabelecidas da seguinte maneira: a cada 4 anos há um ano bissexto, com a inserção de um dia ao final de fevereiro deixando-o com 29 dias; a cada 100 anos o ano não será bissexto, mas a cada 400 anos o ano é bissexto.

Esse novo calendário ficou conhecido como Gregoriano e é adotado por um grande número de países, mas não todos. Os cristãos ortodoxos, por exemplo não efetuaram as correções introduzidas em 1582 e hoje a defasagem entre os calendários é de 14 dias.

Falando em calendários, hoje há vários estudos e tentativas de se estabelecer um único e permanente calendário. Permanente ou estável, como os pesquisadores preferem dizer. Neste calendário, uma data em particular cai no mesmo dia da semana para o resto da vida. Por exemplo, o Natal de 2012 cairá em um domingo, em um calendário permanente (ou estável) ele ficaria no domingo para sempre.

O último desses calendários foi proposto há pouco meses pelo astrofísico Richard Henry e pelo economista Steve Hanke, ambos da John Hopkins University e chama-se calendário Hanke-Henry. A proposta é já começar a ser implantado no ano que vem e como meta, pretendem que o mundo todo o esteja usando em 2017.

Este calendário põe o dia primeiro de janeiro num domingo para sempre. Mais do que isso, haveria uma sequência de dois meses com 30 dias, sucedido por outro com 31. Assim teríamos, janeiro e fevereiro com 30 seguido de março com 31 dias e assim sucessivamente; abril e maio (30) seguido de junho (31) e etc. Para compatibilizar esse calendário com o calendário astronômico (aquelas 6 horas que eu mencionei lá em cima), um mês “extra” com 7 dias seria introduzido a cada 5-6 anos.

Diferente de outras tentativas de se reformar o calendário, esse deve ser um sucesso, segundo seus proponentes. Isso porque ele não quebra o ciclo de 7 dias por semana, considerado sagrado por Henry e Henke. Mas por que um calendário desses?

A motivação é puramente econômica, as indústrias poderiam planejar com antecedência seus investimentos e férias de funcionários, por exemplo, durante anos a fio. Os governos poderiam fixar os calendários escolares com relação aos feriados, que seriam sempre no mesmo dia da semana. A economia de empresas e países seria imensa com esse novo calendário.

Mas e daí? Se você nasceu no dia 31 de janeiro, ficará sem data para comemorar. Na melhor das hipóteses, poderá usar o dia 30, seguindo a lógica que nasceu no último dia de janeiro. E isso vai acontecer para o resto da sua vida em uma segunda feira sem graça. Natal e Ano Novo sempre aos domingos para você ir trabalhar logo na segunda feira.  A cada 5-6 anos um mês extra com 7 dias, para quê? Para trabalhar mais? Tudo isso para as empresas se organizarem melhor e faturarem mais? Tô fora! Prefiro o bom e velho calendário Gregoriano, com suas datas “móveis”.

E falando nele, feliz Ano Novo!

Melhor que a ficção

qui, 29/12/11
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Sou um fã ardoroso de ficção científica, seja em livros, filmes ou séries. Já li muita coisa, hoje confesso que bem menos do que eu queria, mas filmes e séries continuam na minha lista de programas favoritos. Dos filmes, sem preconceitos: antigos, novos, bem acabados e até aqueles filmes “B”, com foguetes viajando pelo espaço pendurados em fios de nylon. Não perco nenhum. Nessas horas eu relaxo e esqueço as atrocidades cometidas pelos diretores e só curto o espetáculo.

Espetáculo que muitas vezes passa por naves espaciais bacanas, batalhas de tirar o fôlego e cenários magníficos. Planetas exóticos, luas fantásticas por vezes mostrando paisagens extraordinárias. Tudo isso, fruto da imaginação de um roteirista com a ajuda de um especialista em efeitos especiais.

Digo isso porque acabei de ver as novas fotos da sonda Cassini que está em órbita do sistema de Saturno. Realizando manobras e sobrevoos, a Cassini tem obtidos dados fantásticos a respeito das luas e do sistema de anéis de Saturno. O foco principal dessa missão é o estudo de Titã, sua maior lua, que com sua atmosfera rica em hidrocarbonetos lembra muito a atmosfera primordial da Terra. A Cassini e seu módulo de pouso Huygens mostraram que a superfície de Titã tem vastos lagos de metano, o que pode dar condições da vida se desenvolver.

As últimas fotos da Cassini são de tirar o fôlego. À primeira vista, me pareceram imagens de filme. Elas mostram muita coisa do sistema saturniano, como os anéis, Titã e Dione, a quarta maior lua de Saturno.

Essa imagem em especial me chamou a atenção. Nela vemos Titã e Dione defronte Saturno e seus anéis. Se você reparar bem, Titã parece meio borrado, como se sua imagem estivesse desfocada ou coisa parecida. Na verdade, esse borrão é sua atmosfera. Nessa imagem fantástica, Dione pode ser vista através da atmosfera de Titã!

Bom, o álbum de fotos pode ser visto em vários sites da Cassini, entre outros: https://www.jpl.nasa.gov/news/news.cfm?release=2011-393 e ficamos assim, sem ciência, apenas contemplando a beleza das imagens e a certeza que a realidade pode ser melhor que a ficção!

A estrela de Belém

dom, 25/12/11
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Fim de ano, o Natal chega e é hora de decorar a árvore. Lá em cima, no topo, um símbolo lembrando, entre outras coisas, a estrela de Belém. Diz a lenda que um astro surgiu brilhando no céu na época do nascimento de Cristo para guiar o caminho dos três Reis Magos que queriam presenteá-lo com oferendas.

Desde sempre, muita gente tem tentado dar uma explicação científica para o aparecimento de uma estrela no céu e que ainda por cima indicasse o caminho até o local do nascimento de Jesus. Vários historiadores e arqueoastrônomos têm tentado correlacionar essa descrição bíblica com algum evento astronômico que tenha ocorrido na mesma época. E então?

Para começo de conversa ninguém sabe ao certo quando Cristo nasceu. Acredita-se que teria sido em um ano anterior a 4 a.C.. A própria data de 25 de dezembro é controversa e não deve corresponder à data verdadeira. Ela foi convenientemente escolhida pela igreja para coincidir com uma festa pagã em honra ao Sol. Vinte e cinco de dezembro é bem próximo do solstício de inverno no hemisfério norte.

Historiadores e especialistas apontam o mês de agosto como o mais provável e algo em torno do dia 21. Tudo isso baseado em relatos bíblicos pouco precisos que não são registros históricos confiáveis. Para tentar encontrar algum evento astronômico que possa ter alguma ligação com essa estrela, é necessário que saibamos com boa precisão a data em que ela teria aparecido.

Os principais suspeitos são: um cometa, uma explosão de supernova ou nova ou ainda uma conjunção de planetas. Seja lá qual evento tenha ocorrido, ele deve ter sido transitório, mas com alguns dias de duração e visível a olho nu na região da Judeia.

Cometas seriam a explicação ideal, já que eles aparecem “de repente”, ficam pouco tempo no céu e ainda por cima têm um aspecto de estrela com cauda. Durante algum tempo, o cometa Halley foi associado com a estrela de Belém, mas cálculos de sua órbita mostram que ele teria passado no ano 12 a.C., muito antes do nascimento de Cristo.

Essa hipótese era bem popular no século XVI e na “Adoração dos Magos”, de Giotto, a Estrela de Belém é retratada como o Halley. Nenhum dos cometas conhecidos e catalogados teria passado com brilho suficiente para serem detectado a olho nu entre os anos 7 a.C. e 2 d.C.. Se fosse mesmo um cometa, ele teria de ser um desses esporádicos, sem órbita periódica ou que tenha sido destruído em algum momento.

Não há relatos de novas ou supernovas visíveis durante essa época, apesar de chineses relatarem o aparecimento de um novo astro no ano de 5 a.C.. Mas esses relatos não são precisos o suficiente nem para dizer se era uma nova/supernova ou sequer um cometa e mesmo assim a data é muito fora do que se acredita que tenha sido o ano do nascimento.

Ainda assim, conheço alguns astrônomos que já tentaram encontrar um remanescente de supernova, ou seja, uma estrela de nêutrons ou um buraco negro, na posição mais suspeita de ter ocorrido uma explosão dessas. Esses remanescentes de supernova podem ser encontrados com telescópios de raios-X ou rádio telescópios, mas nada foi achado até agora.

Já as conjunções entre planetas ou entre planetas e estrelas brilhantes aconteceram com alguma frequência durante esse período. Entretanto, em nenhuma delas os astros se aproximaram tanto no céu para que pudessem ser confundidos com um astro só, como se formassem uma única estrela brilhante.

Como conclusão, do ponto astronômico, não há nada que possa indicar um fenômeno ou ocorrência que possam ser associados à aparição de uma estrela guia. Talvez essa estrela seja mais uma metáfora bíblica que possa significar uma interpretação de tradições religiosas, ou que tenha dado ao nascimento de Cristo uma posição no céu. Mas disso não posso falar muito.

De todo modo, boas festas!

Jovem e violenta

sex, 16/12/11
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Estrelas jovens, ainda em formação, estão em um estágio de calmaria, quando a principal atividade é só engordar até atingir sua massa final, certo? Bom, olhe essa foto e tire suas conclusões…

O processo de formação de uma estrela já pode começar com um evento catastrófico. Uma grande nuvem de gás molecular se parte em diversos pedaços e esses pedaços começam a se contrair de modo que cada um deles pode formar uma estrela. Esse processo de quebrar a nuvem e originar a formação e contração dessas bolhas de gás tem como origem, entre outros processos, uma explosão de supernova, por exemplo. A contração e o processo de engorda (tecnicamente chamado de acreção de matéria) podem demorar centenas de milhões de anos, dependendo do tipo de estrela.

Um processo que parece ser comum a qualquer estrela é que durante esse acréscimo, uma boa parte do gás que estava a caminho da protoestrela e deveria ir parar nela é devolvido ao espaço. Na verdade, quanto maior a massa que cai na protoestrela, maior a quantidade de massa que é devolvida, por causa de uma combinação da radiação e dos ventos estelares.

Nesta imagem, estamos assistindo a esse processo ocorrendo na região de formação de estrelas chamada de Sh 2-106 (ou S106). Uma estrela com 15 vezes a massa do nosso Sol está ainda em processo de formação e, como toda jovem estrela, ela devolve boa parte da matéria que deveria usar.

Essa imagem do Hubble mostra que esse processo não é nada simples, não se trata apenas de assoprar de volta o gás da nebulosa. A ação da radiação emitida da estrela, associada aos fortes ventos estelares esculpe, molda e provoca uma verdadeira erosão no gás, dando esse aspecto de ampulheta deitada. Ainda podemos ver uma faixa de poeira fria e escura bem no meio dessa ampulheta. A estrela em questão, chamada de S106IR, pode ser vista na parte mais larga desta faixa, brilhando em laranja claro.

Essa estrela aquece e ioniza o gás a sua volta até temperaturas de 10 mil graus Celsius. Em azul, por exemplo,  podemos evidenciar a presença de hidrogênio, formando estruturas esculpidas pelo vento, dentro dos lobos da ampulheta.

O processo de formação de uma estrela com essa massa não dura mais de um milhão de anos. Depois disso, ela entra em um estágio mais tranquilo de sua vida, a chamada sequência principal e passa a dissipar a nuvem de gás em que se formou por ação do seu vento e radiação. Esse processo é tão intenso para estrelas com mais de 10 massas solares que a própria estrela acaba perdendo uma fração considerável de sua massa, literalmente evaporando. Depois de no máximo 3 milhões de anos de vida, uma estrela deste tipo explode em supernova, podendo deixar uma estrela de nêutrons ou mesmo um buraco negro em seu lugar.

Mas a onda de choque originária de sua explosão pode fragmentar e iniciar o colapso desses fragmentos, dando origem a novas estrelas a anos luz de distância.

É o ciclo da vida no espaço.

Uma ‘superterra’ e uma oportunidade!

qui, 08/12/11
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Você deve ter lido sobre uma descoberta histórica no começo desta semana. Finalmente chegamos a detectar um planeta com o tamanho aproximado da Terra, orbitando uma estrela muito parecida com o Sol e ainda por cima a uma distância da estrela tal que se espera a existência de água. Quando digo “finalmente”, é porque quem acompanha o desenvolvimento da instrumentação para a busca de exoplanetas, e mesmo da busca em si, estava acostumado a ouvir que em breve, no futuro, isso aconteceria. Muito bem, o futuro chegou!

O planeta em si, chamado de Kepler-22b, é 2,4 vezes maior que a Terra, o que a coloca na categoria de “superterra”. A massa deste planeta é de, no máximo, 36 vezes a massa da Terra, mas deve ser algo entre 5 e 10 vezes. Esse é um parâmetro importante, pois determina sua gravidade. Como ela é diretamente proporcional à massa, Kepler-22b deve ter entre 5-10 vezes a gravidade da Terra.

Esse planeta orbita (em uma trajetória quase circular) uma estrela um pouco mais fria que o Sol, nada muito sério, pois ele está 15% mais perto da estrela do que nós estamos do Sol, resultando em um ano completado em 290 dias terrestres. A distância de Kepler-22b para sua estrela-mãe o deixa na zona de habitabilidade, que vem a ser uma faixa de distâncias em que a radiação recebida pelo planeta deixa sua temperatura média adequada para a existência de água. A vida como conhecemos é baseada em água (outra possibilidade poderia ser o metano líquido presente em Titã, por exemplo), portanto, se vamos procurar por vida fora da Terra, o caminho mais lógico é procurar por algum lugar que tenha água. E pode ser essa super Terra.

Pela provável existência de água, pelas semelhanças da sua estrela-mãe com o nosso Sol, e até mesmo pela idade e pelas características de sua órbita, os mais empolgados dizem que esse planeta possa até mesmo já ser habitado! É o que pensa o pessoal do SETI, o projeto de busca por vida inteligente extraterrestre.

Depois de um período desativado por falta de recursos, o projeto SETI ganhou novo fôlego com uma doação do Comando Espacial da Força Aérea Norte-americana. Não que o Comando Espacial esteja procurando por vida inteligente fora da Terra, o interesse deles é monitorar os artefatos em órbita, principalmente lixo espacial que possa por em risco satélites, foguetes e, em especial, a Estação Espacial Internacional. Esse interesse ficou muito maior após a colisão entre um satélite de telefonia global e um satélite russo desativado. Há muitos destroços originados dessa colisão espalhados no espaço pondo em risco outros equipamentos.

Voltando ao nosso planeta, o projeto SETI decidiu apontar suas antenas para Kepler-22b. Combinadas todas as suas características, massa, gravidade, órbita e idade, o pessoal do SETI acredita que se houver uma civilização nesse planeta é bem possível que ela já teria desenvolvido transmissores de rádio. Não que se espere uma tentativa de contato direto; a ideia é tentar captar transmissões “internas” – sinais de rádio ou TV, por exemplo – que tenham escapado do planeta. Assim como se espera que as ondas de rádio produzidas na Terra já estejam espalhadas por quase uma centena de anos-luz.

Ainda que, na minha opinião, esse pessoal do SETI esteja muito empolgado, essa é uma boa ideia. O monitoramento deve começar em breve e deve durar pelo menos um ano. Isso vai atrair a atenção do mundo todo e quem sabe alguém resolve fazer outra doação para manter o projeto em funcionamento por mais tempo?

Fica para a próxima

qui, 01/12/11
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

No último final de semana, partiu para Marte o mais ambicioso (e caro) equipamento para estudar o planeta vermelho. Entre seus objetivos, o jipe Curiosity deve investigar se a região da cratera de Gale (o seu local de pouso) teve condições de abrigar vida microbiana. Como objetivo geral, o Curiosity deve dar mais pistas sobre como e porque Marte se tornou inóspito para abrigar vida em uma escala de tempo geológica tão curta.

Para essa investigação, o jipe conta com 10 instrumentos e tem 15 vezes mais massa que seus predecessores Opportunity e Spirit. Você pode saber tudo sobre o Curiosity aqui no G1. Na minha opinião, o fato deste jipe ser abastecido de energia por uma bateria nuclear é um marco na exploração de outros planetas. Os jipes marcianos sempre foram abastecidos por painéis solares e sofrem muito com a chegada do inverno. Eles são colocados em modo de hibernação, de modo que toda energia captada seja revertida para aquecedores que mantêm a saúde das baterias. Além disso, os jipes sofrem com a poeira marciana, que se deposita sobre os painéis diminuindo em muito a captação de energia solar. Com essa bateria nuclear, eu não me espantaria se daqui a uns 10 anos ainda estejamos falando do Curiosity.

Mas eu queria falar sobre outra sonda espacial que tinha como destino Marte, a sonda russa Fobos-Grunt que foi lançada no dia 8 de novembro. Essa missão conjunta da agência espacial europeia (ESA) e da Rússia marcava um retorno à exploração de Marte pelos russos após um intervalo de 20 anos. E o projeto era bem ambicioso, com uma cápsula que pousaria em Fobus, uma das luas de Marte, e retornaria à Terra com uma amostra do seu solo. Além disso, a Fobos-Grunt carrega de carona uma pequena sonda chinesa de 115 kg , a Yinghuo-1. Essa sonda iria orbitar Marte por 2 anos estudando sua atmosfera, campo magnético e suas tempestades de areia.

Iria.

Após ser lançada com sucesso e inserida em uma órbita baixa de transferência, a Fobos-Grunt não respondeu aos comandos de disparar seus foguetes para colocar as duas sondas na rota para Marte. Incapazes de entender o que estava acontecendo, os técnicos russos e da ESA imediatamente mandaram um sinal para que a sonda abrisse seus painéis solares, isso para evitar que as baterias se esgotassem em 2-3 dias. Com essa estratégia, os técnicos esperavam entender o que tinha se passado e tentariam disparar os foguetes para retomar a missão.

Para deixar as coisas mais dramáticas, os técnicos só podiam contar com 8-10 minutos diários de transmissão da sonda. Esse é o tempo em que ela sobrevoa a estação de rastreio em Perth, na Austrália. Nas outras estações, esse sobrevoo se dá durante a noite, o que enfraquece e muito o sinal. Além de tudo isso, havia a questão do tempo.

Lançamentos para Marte podem ocorrer a qualquer tempo, mas a cada 26 meses a Terra e Marte mantêm uma posição relativa privilegiada, de modo que o tempo de viagem é muito reduzido, reduzindo também a quantidade de combustível para manobrar as sondas. Por isso de dois em dois anos a gente vê sondas sendo lançadas em direção ao planeta vermelho. A atual “janela de lançamento”, como é conhecido esse período de tempo abriu-se no dia 8 de novembro e fechou-se dia 25, ou seja, se os foguetes da Fobos-Grunt não fossem disparados até essa data, as duas sondas estariam perdidas.

E os foguetes não foram disparados. As curtas transmissões da sonda não foram decifradas a tempo e os técnicos ainda não sabem o que ocasionou a falha que impediu o acionamento dos foguetes, e tampouco conseguiram acioná-los para posicionar a sonda em outra órbita.  Desta maneira, a missão foi considerada oficialmente perdida no dia 26 de novembro. A luta agora é tentar descobrir o que saiu errado.

Mais do que mais uma perda lamentável (a Nasa afirma que a antiga União Soviética e a Rússia falharam em todas as suas 17 tentativas de mandar uma sonda à Marte, mas os russos, é claro, não admitem), a Fobos-Grunt agora representa um grave perigo ambiental. Sua órbita é baixa e está diminuindo rapidamente por causa do arrasto da atmosfera. Ninguém sabe quando, mas é certo que ela vai reentrar na atmosfera, como fez recentemente o satélite alemão Rosat. Mas o problema é que, neste caso, os tanques da Phobos-Grunt estão cheios de hidrazina, um combustível altamente tóxico que é usado em manobras orbitais.

A menos que os técnicos consigam disparar os foguetes da sonda para afastá-la da Terra, não há muito a fazer, a não ser monitorá-la continuamente. Com isso, espera-se que o local da queda possa ser previsto. Com sorte ela cairá no mar, diminuindo o estrago ambiental provocado pela hidrazina.



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade