Planando em Marte

qui, 28/10/10
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Há mais de 30 anos, satélites, sondas e jipes têm explorado Marte, quase que continuamente. Esses instrumentos já revelaram que Marte teve condições de ter abrigado vida no passado, ou mesmo de abrigar vida hoje, com a descoberta de água congelada no seu polo norte, ou as plumas de metano em sua atmosfera. Estudos mostram que vida microbiana poderia subreviver no subsolo, a uma profundidade de 30 centímetros, por exemplo.

Marte é relativamente bem pesquisado, com satélites em órbitas elevadas que produzem informações com precisão de centenas de quilômetros e têm um alcance global, ou com sondas estáticas ou móveis que colhem dados com precisão de centímetros, mas têm cobertura de alguns quilômetros, se tanto. Existe um meio termo ainda inexplorado, mas muito promissor para as “plataformas aéreas”.

Plataforma aérea é o termo técnico-chique para aeroplanos. Sim, tem gente pensando (seriamente) em soltar aviões em Marte! Aviões-laboratório poderiam ser lançados e voariam na atmosfera de Marte a uma altura de 1,5 km, mais ou menos. Deste ponto de vista, esses instrumentos poderiam preencher uma lacuna ainda inexplorada de Marte: os satélites estão todos muito alto e os jipes estão todos muito baixo.

Na verdade, já existe um projeto muito adiantado para um avião desses, o Ares, que tem um protótipo desenvolvido. Ele foi um dos quatro finalistas que concorreram para financiamento da Nasa em 2002, mas a vencedora daquela concorrência foi a sonda Phoenix.

Os objetivos da missão do Ares seriam estudar o magnetismo da crosta de Marte, a composição química, a estratificação e a dinâmica da atmosfera, bem como da presença de água próximo à superfície. Para o estudo da atmosfera, o Ares pode recolher amostras a cada 3 minutos durante seu voo, que cobriria mais de mil quilômetros da superfície marciana. Mas seu principal uso seria sobrevoar montanhas, vales e qualquer terreno acidentado – evitado pelos jipes e sondas de superfície.

A viabilidade do projeto já foi provada com um teste em 2002, quando um protótipo 50% menor que o original foi lançado a 35 km de altitude por um balão de hélio. Ele se soltou sozinho, se desdobrou e após 90 minutos de voo pousou tranquilamente em uma pista. Na versão original, o Ares tem 5 metros de comprimento e 6,5 m de envergadura.

Na missão real, o aeroplano seria lançado a uns 30 km de altitude e teria de se desdobrar também. Depois disso, um foguete o colocaria na altura correta e ele passaria a coletar seus dados. Uma grande desvantagem é que seu suprimento de combustível só daria para manter o voo durante duas horas. Comparativamente, os jipes marcianos estão durando anos. Os satélites, quase uma década. Mas antes de acabar o combustível, o Ares poderia pousar suavemente e passar a atuar como uma sonda estática, como a Mars Polar Land ou a Phoenix.

Testado e aprovado, o Ares aguarda por financiamento da Nasa para finalmente voar em Marte.

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O segredo do Unicórnio

qua, 06/10/10
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Escondida em uma gigantesca nuvem escura a 2.700 anos-luz de distância, um berçário muito especial impressiona quem o vê. E estou falando de astrônomos experientes.

O tal berçário é conhecido (há muito tempo) como Monoceros R2 (ou MonR2, na constelação do Unicórnio), uma região de formação de estrelas massivas bem conhecida. Mas é aquela história clássica, de tão impressionante, ela toma todas as atenções. Quase ninguém se preocupou muito em olhar ao redor dela. É mais ou menos como estudar uma árvore sem se importar muito com a floresta ao seu redor. Dificuldades técnicas também contribuem para isso: mapear uma região muito grande do céu é complicado. É preciso muito tempo de telescópio, especialmente os maiores, e esse tempo é muito disputado.

Mas o projeto VISTA, um telescópio britânico instalado no Chile, está aí para isso mesmo. Equipado com uma câmera de 67 megapixels especialmente fabricada para observar no infravermelho, esse telescópio de 4 metros de diâmetro está dedicado justamente ao mapeamento de grandes regiões do céu. É o maior telescópio do mundo dedicado a essa tarefa. E uma paradinha em Monoceros R2 era obrigatória!

A espetacular imagem no infravermelho, acima, que acabou de ser divulgada, mostra MonR2 e toda sua vizinhança. Na luz visível (em pequenos telescópios), apenas uma pequena parte de MonR2 pode ser vista – ainda assim bem fraquinha. Trata-se da nebulosa de reflexão NGC 2170, descoberta por William Herschel em 1784. Na imagem, ela está mais à direita do centro, uma nebulosa pálida circundando uma estrela que lembra bastante a Nebulosa de Órion. Curiosamente, Herschel foi um dos primeiros astrônomos a estudar a radiação infravermelha que, agora mais de 200 anos depois, produz essa imagem.

O que impressiona nela são os “tentáculos” de gás e poeira que se parecem com jatos vindos da nebulosa no centro. Lá é que estão as estrelas massivas em formação. Muito provavelmente, elas têm algo em torno de um milhão de anos de vida, o que não é nada se comparado com a idade do Sol, por exemplo, que é de 5 bilhões de anos. Enquanto o Sol deve durar outros 5 bilhões, o ciclo de vida de uma estrela desse tipo dura por volta de 10 milhões de anos.

Todo esse trabalho de esculpir a nuvem escura que esconde esse berçário é efeito da intensa radiação emitida pelas estrelas massivas. Além de esculpir a nebulosa, as estrelas ionizam o gás à sua volta e produzem esse espetáculo no céu. Só que isso tem um lado ruim: atuando assim essas estrelas massivas assopram para longe todo o material que iria formar mais e mais estrelas. No final das contas, o berçário todo será destruído em alguns milhões de anos.

Então o negócio é aproveitar enquanto isso não acontece!

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