Descendo a montanha

qua, 16/06/10
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

gem2_595Bom, duas horas depois que eu postei o texto abaixo a tempestade chegou. Bem em cima da hora prevista: onze horas. Da sala de controle nós vimos o vento dar um pulo para 70-75 km/h (ele já tinha baixado a 50 km/h) e a temperatura, que já estava baixa, foi para -6°C. À meia noite começou a nevar; 1 da manhã o vento atingiu 90-100 km/h nas rajadas. Com a neve caindo forte, decidimos deixar o prédio.

O problema todo é com a estrada. Acumulando neve ela fica intransitável e ficaríamos literalmente presos no edifício. A estrada voltaria a ficar transitável após um trator limpá-la, mas mesmo assim, somente para jipes ou picapes 4×4. Com esse vento e a -7 graus de temperatura, a sensação térmica era de  quase -30°C! Chegamos ao dormitório e, sem poder fazer muita coisa, a “equipe noturna” (nosso termo técnico) foi dormir.

Na manhã seguinte veio a ordem oficial: evacuar a montanha. Isso precisa ser feito porque o dormitório fica no estágio mais baixo do trecho final até o topo. E o refeitório fica quase junto aos telescópios no topo. Se a tempestade não passa, ou piora, o caminho até a comida fica interrompido, tanto para cima, quanto para baixo. Para não correr riscos, todos devem descer.

Para descer, é preciso esperar passar o trator para remover a neve e esperar que mandem um carro com tração 4×4. Isso aconteceu lá pelas 3 da tarde e voltamos. Antes disso, consegui andar um pouco na neve e verificar que tínhamos pelo menos 20 cm acumulados, junto ao prédio onde estávamos parece que chegou a 70 cm! Com isso, decidiram fechar por dois dias, pelo menos. Formou-se gelo no topo do prédio e é preciso subir uma equipe com picadores de gelo para removê-lo. Só que isso só pode ser feito com o vento abaixo de 36 km/h, mais do que isso as normas de segurança não permitem. Hoje à tarde o vento não baixava de 40 km/h.

E qual a situação agora?

No começo da noite fui informado de que a equipe de “picadores” tinha removido grande parte do gelo, mas deixou justamente o principal: sobre a janela que abre sobre o telescópio. Achei estranho que tivessem burlado uma norma tão rígida de segurança, já que o vento continuava na casa dos 40 km/h e a resposta não foi nada animadora. Removeram a maior parte do gelo porque estão esperando muito mais para as próximas horas…

Ao meio-dia vão decidir se mandam a equipe noturna novamente. A decisão se baseará na possibiliade de transitar pela estrada e na quantidade de gelo no alto da cúpula, e não a possibilidade de observar alguma coisa. A ideia é que se for possível mandar alguém ao prédio, e se for possível abri-lo sem causar danos ao telescópio, então que se mande alguém. Se o tempo melhorar, alguém precisa tomar conta da lojinha.

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Entre um terremoto e uma tempestade, um astrônomo brasileiro

ter, 15/06/10
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

gem_595O terremoto que atingiu essa região do Chile foi fraco (não para mim), teve intensidade 5.1 na escala Richter e seu epicentro foi a quase 200 km ao norte de La Serena. Deu para perceber que foi fraquinho pelos padrões locais, porque ninguém no hotel deu bola. Somente outros colegas brasileiros que trabalham no Telescópio Gemini é que comentaram.

Bom, finalmente peguei o transporte do observatório e me encaminhei para o telescópio.

Mas o que eu estou fazendo aqui? Eu faço parte de um time de astrônomos que presta apoio técnico aos demais astrônomos brasileiros que querem usar o observatório Gemini. Esse apoio inclui dar dicas de como usar o instrumento desejado, tirando o maior proveito dele, além de ajudar na prepação do projeto de observação e, depois de observado, a “reduzir” os dados. Nesse time, cada astrônomo se especializa em um ou mais instrumentos e a fonte básica de informações são os manuais e um serviço de help desk.

Só que isso não basta, tem muito mais informação sobre os instrumentos do que está escrito nos manuais ou nas páginas dos instrumentos, então volta e meia os astrônomos de suporte técnico vão aos observatórios efetuar um treinamento.

Treinamento é o nome genérico para uma espécie de minicurso a respeito do instrumento e todo o processo que envolve observar em um telescópio do porte do Gemini. Em uma outra ocasião eu explico melhor, mas basicamente as observações são preparadas quase seis meses antes de acontecerem.

Por meio de um programa específico, todos os parâmetros instrumentais são ajustados e as condições climáticas necessárias para a observação devem ser indicadas. Quando chega a época de observar o objeto, o programa com todos esses parâmetros entra em uma fila e a observação é feita quando as condições climáticas definidas pelo astrônomo são atingidas.

Para ajudar os interessados a prepararem seus projetos e a tirar o máximo dos instrumentos (que estão cada vez mais complexos) é que existe um escritório com seis astrônomos.

Esse é um dos motivos da viagem, efetuar o treinamento no Gemini Sul. Em 2007 eu fiz o mesmo no Gemini Norte, que fica no Havaí, e postei tudo aqui. A primeira parte do treinamento consiste em ficar na base de operações (La Serena, no caso do Gemini Sul) conversando com os responsáveis pelos instrumentos, pelo gerenciamento da fila de observações e tudo mais.

A segunda parte consiste em subir ao observatório (que fica a 2.700 metros de altitude) e ver tudo funcionando. Claro que é a parte mais divertida.

Só que essa parte depende de uma parceria com a meteorologia. Em 2007 ela não foi nada cordial comigo e nem mesmo cheguei ao telescópio: uma tempestade de neve atingiu o topo do vulcão onde está o Gemini e mais de uma dezena de observatórios. Todos tiveram de ser evacuados e a estrada ficou fechada por uns 3 dias. Acabei ficando no dormitório onde se faz a aclimatação para chegar ao topo. O Gemini Norte está a 4.200 m de altitude! E desta vez vai?

Eu já cheguei com gelo nas encostas, como mostram essas manchas brancas, temperatura na casa dos 3 graus e ventos atingindo 90 km/h! Com um vento desses não se pode nem abrir a cúpula do telescópio, mas o mais preocupante é a previsão para esses próximos dois dias. Uma tempestade de neve (e gelo) se aproximando!

A situação agora é a seguinte: cúpula fechada, temperatura -3 graus (lá fora!) e caindo e ventos amainando para 60 km/h. Isso já está no limite de poder abrir, mas com uma temperatura tão baixa e umidade subindo, o temor é que se forme gelo e ele caia sobre o espelho, ou sobre a eletrônica do telescópio. Daqui a pouco vamos reavaliar a situação e quem sabe finalmente vou ver o Gemini em ação! Pelo menos dessa vez eu cheguei ao telescópio.

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Explosão sem rastros em Júpiter

seg, 14/06/10
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

wesley_comp_300Dia 3 de junho uma explosão foi avistada em Júpiter por dois astrônomos amadores em diferentes  países. Imediatamente, a explosão foi creditada a um cometa ou asteroide que foi tragado por Júpiter, como já aconteceu várias vezes. Recentemente, temos os casos do cometa Shoemaker-Levy 9, que em 1994 atingiu o planeta gigante deixando uma série de manchas escuras (originárias da desintegração do cometa e da mistura das camadas atmosféricas de diferentes profundidades). Em 2009, um asteroide deve ter se chocado com Júpiter e só fomos capazes de perceber isso por causa das manchas que surgiram logo em seguida.

O mistério no evento do dia 3 é que as tais manchas nunca surgiram. Glen Orton do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa comentou sua surpresa, confessando que era um dos que esperaram pelas manchas logo depois do anúncio do evento. Com a falta das manchas, várias hipóteses foram levantadas. Nenhuma confirmada.

A primeira delas eu nem vou comentar: uma espaçonave alienígena teria passado por maus momentos durante uma visita a Júpiter.

A segunda hipótese levanta a suspeita de que nunca houve uma colisão, que teria sido um enorme relâmpago em Júpiter. Isso parece extremamente improvável, segundo Orton. Nem mesmo a sonda Galileu conseguiu registrar um relâmpago durante o dia joviano. Para isso acontecer teria de ser uma descarga de extrema intensidade. Mesmo em Júpiter isso não deve acontecer. Um relâmpago na atmosfera terrestre pode ser descartado de imediato, pois o clarão foi registrado por um astronômo na Austrália e outro nas Filipinas. Ao que parece, houve um impacto em Júpiter mesmo.

Curioso, também, é notar que o impacto se deu na região onde as duas faixas atmosféricas de Júpiter sumiram. Eu cheguei a postar sobre isso há pouco tempo e uma das explicações para esse sumiço seria uma ocultação delas por uma camada alta de cirrus (nuvem constituída de cristais e situada em grandes altitudes). Teriam esses mesmos cirrus ocultado as marcas do impacto? Segundo Olson não, pois os cometas que caem em Júpiter se desintegram acima dos cirrus. Onde estão as cicatrizes do choque, então?

Por enquanto, não há respostas. A melhor hipótese é que um cometa pequeno tenha caído em Júpiter. Tão pequeno, que se ele deixou alguma marca, era pequena demais para ser detectada. Ainda assim, telescópios do mundo inteiro (e fora dele, como o Hubble) estão de olho em Júpiter para ver se algo aparece.

P.S. Estou no Chile há 3 dias e por isso dei uma sumida. A partir deste domingo estarei observando no Gemini e mais para o fim da semana que vem estarei no SOAR. Ambos estão na mesma montanha e prometo postar durante as observações. Não percam!

P.S. 2 No exato instante em que terminei esse post aconteceu um terremoto! Fraco para os padrões locais, eu acho, mas muito mais forte do que o primeiro que eu senti há uns 7 anos, quando vim para cá observar pela primeira vez. Legal, mas assustador!

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