A bolha cósmica misteriosa

ter, 30/06/09
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Alguns meses atrás, saiu aqui mesmo no G1 uma reportagem sobre uma bolha misteriosa que foi encontrada a vários bilhões de anos-luz de distância daqui. Esse tipo de objeto já era conhecido (mas não entendido) já havia pelo menos uma década. Essas bolhas, chamadas de “bolhas de Lyman alfa” por causa de sua emissão de hidrogênio, são encontradas desde que o Universo tinha uns 2 bilhões de idade, ou apenas 15% de sua idade atual. Ninguém conseguiu explicar (até agora) como essas bolhas surgiram e, pior, qual a fonte de energia que as faz brilhar.

Agora, com certa pompa até, observações com o telescópio de raios-X Chandra conseguiram desvendar esses mistérios. Em uma conferência alardeada coma a que revelaria mistérios do início do Universo, J. Geach, da Universidade de Durham, conseguiu mostrar que as bolhas não passam de um dos estágios de formação de galáxias ocorridos no início do Cosmos.

De acordo com os modelos, as galáxias se formam quando o gás é atraído pela ação da gravidade e acaba esfriando ao emitir radiação. Este processo para quando o gás que está em queda ainda é aquecido pela radiação da própria galáxia e dos buracos negros que nela se formam. A suspeita até agora era que essas bolhas representassem um desses estágios, o de captura de matéria ou o de repulsão do gás. Beleza – mas entre um estágio e outro a diferença é de meros bilhões de anos.

Baseados nos novos dados do Chandra e com alguns argumentos teóricos, Geach e seus colaboradores mostraram que o aquecimento do gás causado por buracos negros supermaciços em processo de crescimento, ou pelos surtos de formação estelar na galáxia, consegue energizar as bolhas. A partir disso, a hipótese mais provável é a de que as bolhas de gás representam o estágio quando as galáxias interrompem seu processo de rápido crescimento por acréscimo de matéria, justamente por causa desse aquecimento interno.

Este é um estágio crucial na evolução das galáxias e representa o limite final de acúmulo de matéria, quando tanto as galáxias quanto os buracos negros param de crescer a altas taxas e acabam por repelir a matéria circundante e dando origem às misteriosas bolhas. Isso é mostrado na figura acima, onde à esquerda está a bolha mais distante (que foi observada pelo Subaru), junto com imagens do Hubble, do Spitzer e do Chandra. À direita, temos uma ilustração para entender o processo de como a radiação interna excita a nuvem de gás circundante.

Somente a imagem do Chandra levou 4 dias e 15 horas para ser adquirida. Mas, comparando isso aos mais de dez anos de mistério, foi um investimento baixíssimo

PS. Quanto ao “novo” Hubble, nenhuma notícia, que eu saiba. Perguntei a um colega que trabalha na ESA, mas até agora ele não me respondeu. A caracterização e integração de tantos instrumentos novos deve mesmo levar algum tempo. O negócio é esperar!

Anéis e montanhas

ter, 16/06/09
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Saturno é o planeta dos anéis, ou pelo menos é o mais bonito deles (já que Júpiter, Urano e Netuno também os têm), e um dos objetivos da sonda espacial Cassini é justamente estudá-los. Pela aparência deles, temos a impressão de que os anéis se espalham como se fossem um disco e que seria impossível atravessá-los.

Bom, fácil não é. A Cassini já o fez quando estava se posicionando em órbita e eu me lembro de que os cientistas da Nasa estavam bastante apreensivos. Apesar do tamanho pequeno esperado para os pedaços de gelo e rocha que compõem os anéis, são previstos blocos do tamanho de pequenos ônibus. E trombar um instrumento como a Cassini em um ônibus de gelo não deve ser nada agradável.

Mas esses blocos são “apenas” ônibus pelo caminho. O que o pessoal da Cassini descobriu agora são verdadeiras montanhas sobre os anéis! Estudando pequenas luas de Saturno inseridas em lacunas estreitas entre os anéis, como a lua Dafne, com 8 km, que percorre a lacuna Keeler, de 42 km de largura, os astrômonos que estudam Saturno descobriram efeitos mais intensos do que o esperado.

Apesar de pequenas, luas como Dafne podem induzir efeitos gravitacionais intensos nas bordas dessas lacunas. Como suas órbitas são inclinadas em relação ao plano dos anéis existe também uma componente vertical das forças gravitacionais. Como efeito final, além de mudar a aparência dessas lacunas, deformando os anéis, a componente vertical deve agir “empilhando” material sobre os anéis. Isso tudo foi previsto em simulações, mas faltava comprovar. Essa comprovação depende de condições específicas de observação, que ocorrem a cada 15 anos, mais ou menos. Isso porque é preciso que a luz do Sol faça um ângulo pequeno com o plano dos anéis, passando bem de rasante. Assim, qualquer pilha de material vai provocar uma sombra longa e de fácil detecção. Fácil para a Cassini – da Terra isso nunca seria visto.

Então a hora é agora! Estamos justamente no equinócio em Saturno, época do “ano” (que por lá leva por volta de 30 dos nossos anos) em que o Sol cruza o plano dos anéis, fazendo com que essas condições aconteçam. Nesta semana chegaram as primeiras imagens obtidas nessas condições, e elas mostraram exatamente o que as simulações previam. Verdadeiras montanhas por sobre a borda de lacunas, lançando sombras por sobre os anéis. Essas aí, vistas na foto, têm por volta de 1,5 km de altura, pelo menos o dobro do que qualquer outra estrutura vertical já observada. Além disso, elas são pelo menos 150 vezes maiores que a espessura dos anéis principais A, B e C, que têm apenas 10 metros de largura. Aliás, nesta foto dá para ver a pequena Dafne mais redonda à esquerda.

Carolyn Porco, chefe da equipe da Cassini, destaca que o objetivo agora é encontrar luas nas outras lacunas dos anéis. Essa é uma questão que existe desde que a sonda entrou em órbita, mas que nunca foi respondida. Segundo Porco, elas estão lá, certamente, mas não foram vistas ainda por que são ainda menores do que se imagina.

Impacto profundo

seg, 15/06/09
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

A primeira sonda japonesa com o objetivo de estudar a Lua encerrou sua missão nesta quarta-feira, dia 10. Batizada de Kaguya, em homenagem a uma mítica princesa que morava na Lua, a sonda se espatifou na superfície lunar após dois anos de serviços prestados.

A sonda manteve uma órbita com apenas 100 km de altitude e com isso foi capaz de obter milhares de imagens de altíssima precisão que ainda estão sendo analisadas. Além das fotos, a Kaguya produziu diversos filmes, como um lançado há algum tempo, mostrando a Terra nascendo e se pondo por sobre a superfície lunar. Esse filme ficou famoso, pois desde a época da missão Apollo não se via cenas como essas. Aliás, segundo o governo japonês, este foi o maior investimento em pesquisa lunar desde as Apollos, entre os anos de 1969 e 1972.

A missão, também chamada de Selene, teve por objetivo estudar a geologia lunar, fazendo um mapeamento do campo gravitacional do satélite, que é bem esquisito, por sinal – ele está longe de ser uniforme. Todos os dados produzidos pela sonda, inclusive os filmes, serão disponibilizados na internet até novembro.

Voltando à Kaguya, após completar sua missão, a agência espacial japonesa decidiu fazer com que ela fosse jogada contra a Lua. Isso acontece com frequência quando se trata de sondas assim. Justamente pelo aspecto bizarro do campo gravitacional da Lua, uma sonda poderia ser lançada ao espaço sem rumo conhecido após algum tempo em órbita. Desse jeito não se corre o risco de termos mais um pedaço de de lixo espacial.

E que pedaço! A sonda tinha quase 3 toneladas de massa e, ao atingir a Lua, tinha velocidade de 6.000 km/h. Esse impacto causou uma bola brilhante que foi observada da Terra pelo Telescópio Anglo-australiano de 3,9 metros que fica na Austrália, conforme podemos notar na sequência de imagens acima.

Além de não deixar um pedação de lixo espacial viajando por aí, um impacto desses também ajuda a entender a “eficiência luminosa” do brilho causado quando meteoritos de verdade atingem a Lua. Outra serventia desses impactos é tentar achar evidências de água depositada em crateras escuras na Lua. Analisando o brilho causado pelo choque, pode-se identificar a presença de água no material dispersado no espaço. Aliás, este é um dos objetivos da nave LCROSS, da Nasa, que vai tentar esse truque no final do ano.

Recém-nascidas no centro da Via Láctea

sex, 12/06/09
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Finalmente acharam. todo mundo sabia que era possível, que elas deveriam estar lá, mas cadê? Onde estão as estrelas recém-nascidas no centro da Via Láctea?

O centro de nossa galáxia é povoado por estrelas, gás, poeira e bem no seu centro, um buraco negro supermassivo. As condições são para lá de caóticas: ventos estelares intensos, violentas ondas de choque e outros fatores que só tornam a formação de novas estrelas mais difícil. Mas mesmo em ambientes conturbados assim, estrelas devem se formar. Então é fácil, basta olhar para o centro da galáxia e estudá-las. Só que justamente o centro é um dos lugares na Via Láctea mais afetados pelo obscurecimento causado pela poeira. Além do fato de ser um local relativamente distante, a 24 mil anos-luz. Até hoje, ninguém tinha de fato apontado uma estrela recém-nascida por lá.

Na verdade até o último dia 10 de junho. Uma equipe de astrônomos liderada por Kris Sellgren usou o telescópio espacial Spitzer (antes que ele encerrasse parte de suas operações) para encontrar estrelas bem jovens. Estrelas mais velhas, digamos na adolescência, já são conhecidas há algum tempo, mas as recém-nascidas, com no máximo, um milhão de anos, ainda não tinham sido encontradas.

Uma outra dificuldade é que as recém-nascidas se parecem muito com as estrelas velhas e frias, gigantes ou supergigantes. Estrelas desse tipo são muito comuns no centro da Via Láctea. Para se ter uma ideia, o catálogo inicial analisado tinha pelo menos um milhão de candidatos! Sellgren e sua estudante de doutorado selecionaram 100 suspeitas e no final encontraram apenas 3! Uma agulha no palheiro, ou na verdade 3 agulhas, como disseram as pesquisadoras.

As pesquisas prosseguem e todo o time da Universidade de Ohio espera encontrar mais estrelas assim. Elas vêm comprovar as teorias que dizem que estrelas conseguem se formar mesmo nos ambientes mais inóspitos do universo e também completa o álbum de família. Estrelas jovens, velhas e buraco negro, faltavam as mais jovens de todas.

A incrível supergigante que encolheu!

qua, 10/06/09
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Betelgeuse é uma estrela brilhante avermelhada na constelação do Órion, vista tipicamente em uma noite de verão. Agora que o inverno está chegando ainda é possível vê-la ao entardecer por alguns minutos sobre o horizonte, a oeste.

Tecnicamente, Betelgeuse é uma supergigante vermelha que, conforme eu já escrevi em um post anterior, está prestes a explodir em supernova. Essa é a conclusão de um trabalho de um colega meu nos EUA, que mostrou que ela pode virar uma supernova até mesmo em 100 ou 200 anos. Considerando que ela está a uma distância de apenas 450 anos-luz, um evento como esse deve produzir um espetáculo à parte.

Se Betelgeuse estivesse no nosso Sistema Solar, ela ocuparia o espaço até a órbita de Júpiter. Por causa disso, e de sua curta distância daqui, essa é uma das (poucas) estrelas cujo raio pode ser medido. Na verdade ela foi a primeira, quando Francis Pease e Albert Michelson, usando um interferômetro em 1921, mediram seu raio como sendo equivalente a quatro vezes a distância Terra-Sol. Desde então, vários astrônomos, usando vários tipos de instrumentos, têm medido o valor do raio de Betelgeuse. E, como era de se esperar, os valores sempre têm uma diferença
entre si. O valor mais aceito atualmente é de cinco vezes a distância Terra-Sol, ou 5 unidades astronômicas.

Só que, desde 1993, Charles Townes, ganhador do Nobel de física pela invenção do laser, tem monitorado o tamanho da estrela com o mesmo equipamento e o mesmo método. Com isso, ele pode garantir que as variações que possam surgir das medidas sejam de fato da estrela. E aí é que começam as surpresas.

Com dados acumulados durante os últimos 15 anos, Townes mostrou nesta terça (9), na reunião da Sociedade de Astronomia Americana, que o raio da estrela já encolheu por volta de 15%. Isso significa que agora Betelgeuse encolheu um valor de dimensão equivalente ao da órbita de Vênus. Mas o encolhimento em tamanho não se reflete em mudança de brilho: durante esses 15 anos não houve mudanças significativas de sua luminosidade.

Ninguém sabe exatamente por que Betelgeuse está encolhendo, mas pode ser mais um sinal de que ela esteja se aproximando dos seus momentos finais. Algumas hipóteses já foram levantadas, tais como movimentos de convecção do gás. Mas, como a teoria que explica os momentos que antecedem uma explosão de supernova ainda é bastante incerta, é bem possível que este seja um dos últimos suspiros da supergigante.



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