Cem horas de astronomia

seg, 30/03/09
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Nesta semana teremos um dos eventos mais importantes do Ano Internacional da Astronomia. Trata-se da maratona de cem horas observando o céu, entre os dias 2 e 5 de abril. A ideia é mobilizar milhões (isso mesmo, milhões!) de pessoas no mundo inteiro em torno da astronomia. Para isso, entidades das mais variadas estão planejando ações de divulgação dos mais diferentes tipos: palestras, cursos, mesas-redondas e, é claro, muita observação do céu!

O projeto funciona assim. Começando na quinta feira, dia 2, clubes de astronomia, observatórios profissionais, universidades e voluntários de um modo geral vão apontar seus instrumentos para o céu. A motivação é fazer com que o maior número possível de curiosos tenha acesso a um telescópio pela primeira vez na vida. Essa rede de observadores vai se ampliando à medida que a noite vai avançando pelo mundo. Cada um faz como quiser, alguns eventos vão durar algumas horas apenas, outros vão encarar a maratona toda, inclusive observando de dia.

Nessa época teremos a Lua em quarto crescente e Saturno, com seus anéis quase de perfil, logo no comecinho da noite. Júpiter, Marte, Urano e Netuno na alta madrugada e Vênus logo antes do nascer do Sol. Isso falando dos planetas, mas durante a noite será possível observar uma quantidade enorme de outros objetos tão bonitos quanto interessantes, tais como aglomerados globulares, nebulosas planetárias, aglomerados abertos e outras galáxias.

Dentro das 100 horas (cuidado com o cacófato!) existem alguns programas chave. Conferências ao vivo de centros de ciências; discussões ao vivo sobre tópicos de astronomia e ciências transmitidos ao vivo pela internet de universidades e institutos de pesquisa.

Correndo o mundo em 80 telescópios: 24 horas de transmissões ao vivo diretamente de observatórios profissionais pelo mundo afora pela internet. No dia 3 de abril você pode acompanhar astrônomos trabalhando em seus observatório ao vivo, começando pelos observatórios do Havaí. Haverá entrevistas, explicações e imagens obtidas pelos pesquisadores na hora! A cada 20 minutos um observatório diferente, transmitido através do endereço eletrônico https://www.ustream.tv/channel/100-hours-of-astronomy.

24 horas de Astrofesta Global: durante 24 horas, no dia 4 de abril, associações de amadores disponibilizarão telescópios (inclusive telescópios solares) ao grande público. O objetivo principal dessa astrofesta é fazer com que o maior público possível tenha a oportunidade de observar o céu através de um telescópio.

Dia do Sol: o último dia da maratona será reservado à observação do astro que possibilita nossa existência. Atenção, apenas equipamentos apropriados devem usados para isso. Não tente apontar nada para ver o Sol – Galileu terminou seus dias praticamente cego por conta disso!

Cem horas de astronomia remota: durante todo o evento, diversos observatórios darão acesso remoto aos seus telescópios através da internet. Fazendo um cadastro, você poderá controlar um telescópio à distância, tirando fotos em tempo real para você!

Cem horas de astronomia júnior: um programa paralelo ao das 100 horas, mas com o objetivo de trazer a astronomia para as crianças.

A rede de observadores está cadastrada em https://www.100hoursofastronomy.org/, onde também há mais informações sobre este evento. Procure a ação mais próxima de você e participe!

Eu não vou ficar de fora: no dia 2 estarei com meus colegas observando desde as 19h00 em São José dos Campos (SP). E no dia 4 faremos parte da Astrofesta Global em Jacareí; nossos colegas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) farão o mesmo em São José. Confira a programação regional em www.univap.br/astronomia2009.

Um buraco negro na cabeleira

seg, 23/03/09
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Não olhe diretamente para esta galáxia, você pode virar pedra! Segundo o mito da Medusa, se você olhar diretamente para seu rosto, vira uma estátua da pedra. Bom, como essa é uma foto, não deve ter problema…

Essa é a galáxia da Medusa, aquela senhora pouco amigável da mitologia grega que tinha um penteado mais exótico que a Amy Whinehouse, já que sua cabeleira era feita de cobras. Astrônomos têm um senso de humor um tanto peculiar e resolveram batizar essa galáxia como a galáxia da Medusa, por causa da estranha nuvem de gás na parte de cima da foto. Oficialmente a galáxia chama-se NGC 4194.

E qual o interesse por essa galáxia? Ela faz parte de um estudo que pretende estabelecer a taxa de formação de estrelas em galáxias através da produção de binárias de raios X. As binárias de raios X são uma classe de estrelas na qual dois astros estão em órbita um do outro, mas um deles é um objeto compacto, que pode ser uma anã branca, uma estrela de nêutrons ou até um buraco negro. A idéia é simplesmente correlacionar a quantidade de
binárias produzidas com a atividade de formação de estrelas em uma galáxia de modo geral.

Isso porque a taxa de formação de estrelas em galáxias é estimada a partir de estrelas com muita massa. Elas são mais fáceis de enxergar, porque são mais brilhantes, mas por outro lado vivem pouco tempo. Os objetos compactos das binárias de raios X deste estudo foram estrelas de alta massa no passado e, depois de explodirem como supernova, são estrelas de nêutrons ou buracos negros. Nessa condição, eles emitem raios X por um período de tempo muito maior que o tempo de vida de suas estrelas progenitoras.

Essas binárias são justamente os pontos azuis nesta composição de fotos do Hubble e do Chandra. Em especial, na parte de cima da imagem, bem no meio da cabeleira da Medusa, está uma binária com um buraco negro emitindo raios X. A tal da cabeleira da galáxia é originária de uma interação com outra galáxia próxima.

Estudando esses fósseis em galáxias próximas como NGC 4194, que está a apenas 110 milhões de anos-luz de nós, na constelação da Ursa Maior, é possível estabelecer a correlação entre a formação de estrelas e a quantidade de binárias de raios X, já que é possível enxergar a galáxia em detalhes. A partir da correlação estabelecida, medir a taxa de estrelas sendo formadas em galáxias muito mais distantes fica fácil usando as binárias de raios X.

A propósito, este estudo estabeleceu que, para cada milhão de toneladas de gás usado para formar estrelas, uma tonelada vai ser tragada por um buraco negro. Medindo a voracidade dos buracos negros nas binárias (pelos raios X emitidos), dá para saber quanto de matéria está disponível para formar estrelas.

Batatinha marciana

qui, 12/03/09
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

A câmera HiRISE a bordo da sonda Mars Reconnaissance Orbiter produziu uma das melhores fotos de Deimos, a menor das duas luas de Marte, até agora. Uma das melhores na resolução e nas cores.

Usando duas imagens obtidas com uma diferença de 5 horas e meia entre elas e com o auxílio de filtros infravermelho, vermelho, verde e azul, Deimos nos mostra variações sutis de cores em sua superfície. Elas são mais avermelhadas na áreas mais “lisas” e menos avermelhadas perto de crateras, fendas e locais mais altos. Esta diferença de coloração é resultado de uma maior exposição ao ambiente espacial. Em outras palavras, áreas menos protegidas com exposição direta a radiação solar, por exemplo.

Deimos tem apenas 12 km de diâmetro e provavelmente é o menor corpo celeste identificado como lua de um planeta. Na verdade, Deimos deve ter sido um asteroide que foi capturado por Marte no passado. Comparado com Fobos, a outra lua de Marte que parece uma batatona espacial, Deimos possui uma superfície bem lisa, com poucas crateras. Isto acontece por que sua superfície é coberta por uma camada de fragmentos bem pequenos de rocha, chamado de regolito. Este regolito se espalha pela superfície cobrindo pequenas crateras e fendas.

Tanto Deimos, quanto Fobos, são de grande interesse para estudo porque devem ser ricos em água e materiais ricos em carbono.

De Marte também chega uma notícia curiosa. Uma outra sonda da NASA, a Mars Odyssey precisou ser “rebootada”. Sim, a mesma coisa que a gente tem de fazer de vez em sempre quando o ruindows dá pau. Só que lá na órbita de Marte a história é diferente.

A última vez que a Odyssey precisou fazer isso foi há mais de cinco anos. Desde lá muitas atualizações de programas, download de dados e, é claro, erros. Com o passar do tempo muitos erros foram se acumulando no sistema e a situação estava ficando perigosa. Isso porque os engenheiros da NASA estavam desconfiados que o sistema de backup (ou lado B, como é chamado) poderia não funcionar se fosse necessário, até agora nunca foi.

Bom, o reboot foi feito hoje dia 12 e a Odyssey voltou dele sem problemas. Na verdade, logo depois disso um probleminha com um aquecedor de uma das câmeras que não desligava pôde ser consertado e todo o sistema voltou ao normal.

Está velho, mas não está morto!

seg, 02/03/09
por Cássio Barbosa |
categoria Observatório

Pulsares são estrelas de nêutrons que, por sua rotação, são detectados através de sua emissão de rádio, ou raios X, em forma pulsada e periódica. Quando foram descobertos na década de 1960, os pulsares causaram alvoroço. O que poderia causar pulsos periódicos desta maneira? O período destes sinais era absurdamente preciso (1,3373 segundos) e rapidamente seus descobridores imaginaram que esse tipo de objeto poderia ser um artefato construído por uma civilização extraterrena inteligente. Esse primeiro objeto foi batizado de LGM-1, de Little Green Men (homenzinhos verdes, em inglês). Algumas pessoas imaginavam que esse tipo de objeto seria largado pela galáxia com a intenção de orientar naves espaciais. Funcionariam como os faróis de navegação.

Em pouco tempo, estes objetos misteriosos foram desvendados e não passam dos estágios finais de evolução estelar. Uma estrela com mais massa do que o Sol explode como uma supernova e seu núcleo colapsa em uma estrela de altíssima densidade e raio de poucos quilômetros: uma estrela de nêutrons. E assim chegamos ao PSR J0108-1431 – J0108, para os íntimos.

J0108 é um dos pulsares mais próximos conhecidos (está a uns 770 anos-luz daqui), mas o que chama a atenção nele é sua idade: 200 milhões de anos. A explosão que o originou ocorreu quando a Terra era dominada por dinossauros, bem no início do período Jurássico. E, a essa distância, deve ter sido um espetáculo e tanto no céu. A idade de um pulsar pode ser calculada medindo-se seu período. Apesar de sua precisão, ele costuma aumentar – no caso dos pulsares isolados, pelo menos. Existem outros pulsares que formam pares com outros objetos, e esses acabam acelerando. Medindo esse freamento na rotação de pulsares (que ocorre porque o pulsar perde energia) é só fazer uma conta simples que chegaremos ao valor inicial do seu período.

O jurássico (desculpe, não resisti) J0108 hoje pulsa com quase um segundo de período, e o que impressiona é que ele tem muito mais energia do que seus primos mais jovens. Os pulsares perdem energia conforme emitem raios X, mas o J0108 parece fazer isso de maneira muito mais eficiente, “guardando” energia para o futuro. Dois mecanismos diferentes devem estar envolvidos nessa produção de raios X: partículas carregadas espiralando no campo magnético da estrela e regiões aquecidas perto dos polos, conforme a figura neste post.

Outro aspecto interessante desse vovô ativo é sua mobilidade. Imagens de telescópios ópticos mostram que ele se move a uma velocidade de 700 mil quilômetros por hora e, desde sua descoberta, já mudou sua posição no céu em relação a outros objetos. A combinação de imagens no lado esquerdo da figura mostra o pulsar e sua direção de movimento. Em sua primeira imagem em 2000, ele estava na posição do pequeno ponto azul acima da galáxia de fundo, essa pequena tripa alongada à direita de J0108.

Objetos como esse são raros e importantes, pois estão na fase final de suas vidas,
próximos da chamada “linha da morte de pulsares”.  No final de sua evolução, os
pulsares deixam de emitir radiação de forma pulsada e devem ficar difíceis, ou mesmo impossíveis, de ser detectados. E essa parte da teoria precisa de mais casos como o de J0108 para ser testada.



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