É em 12 X que eu vou: vivendo à vista no país do sonho parcelado

seg, 18/02/13
por Bruno Medina |

Semana passada, durante um jantar, me envolvi numa daquelas discussões sem pé nem cabeça, do tipo que ninguém se lembra exatamente por que começou e muito menos em que, ao fim, se chega a qualquer conclusão prática; pelo que pude entender – já que peguei o bonde andando – o debate se dava acerca de um assunto inclusive batido, que mais remetia ao universo de temas das redações do ENEM: apontar a invenção mais importante surgida durante o século XX. Quando enfim conquistei a chance de falar, para surpresa de alguns, cravei sem dó no azarão cartão de crédito, subvertendo a tendência dos demais presentes em se polarizarem entre a televisão e a internet, a exceção de um idoso, que mencionou o Código Morse, e de uma criança, que elegeu a loja de balas por quilo.

A sustentação do meu excêntrico voto seguiu a linha de ressaltar o quão representativo era de nossa sociedade o fato de alguém um dia ter tido a ideia de criar um pedacinho de plástico colorido capaz de convencer as pessoas de que elas deveriam comprar mais do que realmente podem. Como se possuísse atributos mágicos, pensaram seus brilhantes idealizadores, a simples apresentação do artefato no ato da compra postergaria a consciência sobre a impossibilidade de arcar com tais gastos por 30 dias, período que poderia ser estendido indefinidamente, mediante, claro, ao acréscimo de uma módica quantia mensal, até que fosse atingido um limite pré-determinado pelas partes.

Isso, no entanto, não impediria o sujeito de continuar comprando como se não houvesse amanhã, afinal este ainda teria a opção de procurar outra instituição financeira e solicitar um novo cartão, iniciando novamente o mesmo ciclo, tantas vezes quanto possíveis, antes que seu nome fosse incluído no SPC, ou seu equivalente em cada país do mundo. Como se não bastasse, a criatividade exacerbada dos financistas tupiniquins determinou por estas bandas um irresistível adendo ao produto, que, por razões óbvias, tornou-se o verdadeiro ópio da classe média brasileira: as compras parceladas. Através dessa modalidade, além de todas as vantagens já citadas, o usuário do cartão de crédito teria também a opção de fragmentar sua dívida em partes tão diminutas que nunca enxergaria o rolar da bola de neve em que iria se atolar.

Agora me digam, como um negócio desses pode ter dado tão certo?

Bem, se este texto fosse um desfile de escola de samba, a essa altura eu provavelmente teria que dar o braço a torcer e dedicar uma ala inteira ao cartão de crédito realizador de sonhos, que viabiliza a primeira viagem a Miami e a excursão “Europa Encantadora” (15 países em 9 dias) ou a casa mobiliada no esquema 0+10. Posso imaginar a comissão de frente formada por integrantes cujas cabeças seriam adornadas por Torres Eiffels e Big Bens. Eles estariam carregando pela avenida pesadas malas semiabertas, daquelas que não fecham nem sentando em cima, de onde saltariam relógios, perfumes e bolsas de grife, Na sequência, um carro alegórico repleto de homens fantasiados de geladeiras, fogões, multiprocessadores e máquinas de lavar. Na TV, o comentarista diria, entusiasmado: “reparem na versatilidade com que o tema vem sendo explorado. Saímos de Londres e Paris e fomos viajando até uma loja de departamentos… olha a alegria desse fogão de 6 bocas! Olha o gingado da geladeira auto-limpante contagiando a galera nas arquibancadas, é o cartão de crédito atravessando a avenida!”

Acho melhor parar por aqui, tá ficando assustador demais. Em tempos de desfiles patrocinados, em mãos erradas, a sugestão que acabei de fazer é um perigo iminente…

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8 comentários sobre “É em 12 X que eu vou: vivendo à vista no país do sonho parcelado”

  1. Marcia disse:

    Belíssimo texto, essa é a realidade de nosso Brasil !!

  2. Evaristo disse:

    Neste texto, você ridicularizou em último grau o cartão de crédito e o carnaval, com resultado excelente! Muito engraçado. Uma ideia que está embutida no cartão de crédito é a de que o dinheiro do peão de obra, do atendente de call center, do jornalista e do grande empresário são iguais, uma vez que quem está na base da pirâmide ou na seção intermediária consegue ter os bens que os endinheirados possuem, ainda que leve um tempão para quitar. Pensando um pouco, essa equiparação é relativa, mesmo assim, a maioria cai. E o que dizer das propostas de cartão de crédito que a gente volta e meia recebe por telefone? Quando prometem “isenção perpétua de anuidade, mas se não comprar pelo menos R$15,00 ao mês, esse valor será cobrado compulsoriamente em sua fatura mensal” penso que o descaramento tem sempre uma nova fronteira a conquistar e que “perpétuo” lembra jazigo de cemitério…

  3. Fernando disse:

    Certeza de que o tecladista gastou mais do que devia nas férias.

  4. Emerson disse:

    Pois é, praticamente da mesma forma que o brasileiro não vive sem carnaval ele também não vive mais sem o cartão de crédito, não precisa mais trabalhar ou ter dinheiro, basta um cartão e uma financeira depois para limpar o nome e conseguir outro cartão! E assim é a vida, é bonita e é bonita: https://ocinematografo.blogspot.com.br/

  5. Gabriel Neves disse:

    Realmente, uma daquelas criações .. que a gente ama e odeia ao mesmo tempo!!

    que nem a internet….

  6. Zitnjak disse:

    Que bom que um dia alguém teve a louca ideia de vender sonhos….se não fosse por isso estaria bem pior pra mim, rssss..Bom texto!

  7. B_ disse:

    É, o mal do “dinheiro fácil” aliado ao famoso “perder de vista”. Mesmo com as inúmeras (des)vantagens do cartão de crédito, prefiro acreditar que o dinheiro quando quiser, e não quem puder, não faz parte da minha realidade.

  8. Patrícia disse:

    Você se esqueceu de comentar em seu texto sobre os chatos de plantão que ligam dia sim dia sim para te oferecer mais um cartão de crédito… o pior é a forma como eles te abordam, como se você fosse um privilegiado, o escolhido, o iluminado, the one, por estar recebendo aquela proposta maravilhosa e irrecusável… aff! onde é que a gente vai parar?



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