Stevie in Rio

sex, 30/09/11
por Bruno Medina |

Cidade do Rock, dia 4. Sob promessa de melhorias por parte dos organizadores, inicia-se mais um dia de apresentações no Rock in Rio 2011. A partir da permissão para se entrar com comida no local do evento, do incremento no número de seguranças e de latas de lixo, e da otimização das linhas de ônibus que servem ao local, o foco das atenções, tanto do público quanto da imprensa, voltou a ser apenas o que sempre deveria ter sido: os shows.

Abrindo a noite no Palco Mundo, o Concerto Sinfônico Legião Urbana traduziu-se como uma bela e merecida homenagem a esta que foi uma das bandas mais influentes do rock nacional. A apresentação seguiu a fórmula clássica dos tributos realizados em grandes festivais: predominância da emoção sobre a técnica, excesso de convidados e de músicos, culminando em sonoridade e roteiro confusos, o que, aliás, só confirma a minha tese de que orquestras e bandas de rock, dividindo um mesmo palco, compõem uma equação difícil de ser resolvida. Mas afinal quem estava se importando com isso? Foi bonito de ver o público cantando, a plenos pulmões, aquelas músicas que todo mundo sabe e ama cantar. Um dos momentos mais emblemáticos e emocionantes do festival até agora, sem dúvida.

Na sequência, Janelle Monáe tinha uma missão difícil a cumprir: encarar um mar de gente que a desconhecia (assim como a suas músicas) logo após um show repleto de hits, entoados pela multidão como hinos. A moça até tinha causado boa impressão quando, em janeiro, esteve no país excursionando com Amy Winehouse. Mas no Rock in Rio, claro, seria muito diferente. Acontece que Janelle converteu a adversidade em seu favor, sobrepondo seu talento à indiferença generalizada. Sua mistura de soul, pop, funk e rock, de melodias e harmonias belas e tortuosas, aliou-se a uma estética muito autoral e bem resolvida que, se não foi suficiente para arrebatar a plateia, ao menos conquistou a admiração do público. Sei não, mas acho que pintou o grande azarão do festival… Janelle despediu-se dos brasileiros montada de cavalinho num de seus músicos, um prenúncio apoteótico do que viria a seguir.

Mesmo nunca tendo se apresentado no Brasil, Ke$ha não chega a ser uma novidade para ouvidos mais experientes. Levante a mão aí quem nunca viu esse filme: ídolo pop adolescente, de sucesso mundial, embalada por um punhado de hits radiofônicos e amparada por uma mega-produção? A cantora norte-americana até se esforçou para provar ser farinha de outro saco; bebeu sangue de um coração de borracha, espatifou uma guitarra no chão, tocou na outra, em forma de rifle, atirou com pistola de confete na galera, dançou e pulou com sua trupe, que mais parecia saída do elenco de apoio de um remake de Mad Max, mas não teve jeito. Apesar de ter agradado aos seus fãs (que não eram poucos), saiu do Rock in Rio levantando suspeitas sobre ter dublado as próprias músicas e deixando a impressão de que teria se dado melhor caso houvesse se apresentado no mesmo dia que Katy Perry e Rihanna.

Jamiroquai, ao contrário de Ke$ha, não é  novidade por essas bandas. No final dos anos 90, o grupo era venerado no país, muito embora Jay Kay não tenha conseguido estender a boa fase ao longo da década seguinte. Escorado pelos sucessos do passado, fez um show previsível, burocrático, sem grandes destaques. Coube a ele, no entanto, a honrosa função de preparar o público para a grande estrela desta edição do festival, ninguém menos do que Stevie Wonder.

Quando adentrou o Palco Mundo, Stevie encontrou o cenário perfeito para fazer história. A força de sua música brilhante e empolgante, contrastada com a pouco assiduidade por aqui (apresentou-se uma única vez, em 1995), garantiram a ele a oportunidade de mostrar porque é considerado um dos músicos mais importantes ainda vivos. A verdade, meus amigos, é que quando aquele cara senta na frente de um piano, tudo em volta para. Sobre seu show, não há muito o que dizer, a não ser que estava num dia inspirado e que, como de costume, estabeleceu um patamar de performance e excelência musical que dificilmente será atingido por outro artista no festival. Em suma, ontem, o Rock in Rio foi de Stevie Wonder.

Rock in Rio: o que deu certo ou errado?

seg, 26/09/11
por Bruno Medina |

Terminado o primeiro final de semana de shows do Rock in Rio é chegado o momento de fazer um balanço do que aconteceu até agora na Cidade do Rock. Assim como houve inegável progresso em relação a edições anteriores, também novos problemas surgiram. Aos que amaram o festival (e desejam vivenciá-lo mais uma vez) e aos que odiaram (e querem que a experiência seja aprimorada), um mesmo consolo: semana que vem começa tudo de novo. Eis a minha lista do que deu certo e do que deu errado:

 

Aspectos Negativos

-       Gande número de furtos registrados na Cidade do Rock

-       Atrasos consideráveis na programação do Palco Sunset

-       Incoerência das escalações do Stone Sour para o Palco Mundo e do Sepultura para o Palco Sunset

-       Elton John deslocado entre os shows de Katy Perry e Rihanna

-       Filas longas para se alimentar e se divertir nos brinquedos do parque de diversões

-       Caos e desrespeito no sistema de ônibus especiais durante a sexta-feira

 

Aspectos Positivos

-       Shows antológicos no Palco Sunset

-       Estrutura técnica impecável (telões e som de extrema qualidade) no Palco Mundo

-       Banheiros de verdade, ao invés dos precários banheiros químicos

-       Grama sintética (que não levanta poeira ou se transforma em lama)

-       Rockstreet como mais uma alternativa de entretenimento

-       Acessos de entrada e saída bem projetados (sem empurra-empurra ou engarrafamentos)

 

Sentiu falta de alguma coisa? Então mande pra mim sua própria lista!

 

Antes do sol se pôr

dom, 25/09/11
por Bruno Medina |

Apesar de naturalmente relegado a um papel de menor relevância, o Palco Sunset tem se revelado uma grata surpresa nesta edição do Rock in Rio. Para muitos, o espaço dedicado a abrigar encontros musicais inusitados tem sido inclusive considerado um oásis de criatividade e ousadia em comparação ao previsível roteiro das apresentações do Palco Mundo. Claro que não se discute o fato de que enfrentar uma plateia de 100.000 pessoas é uma tremenda responsabilidade que exige do artista em questão a certeza, por exemplo, de incluir em seu repertório o maior número possível de hits. Afinal, testar a receptividade de um público tão grande e diverso seria comparável ao técnico que resolve trocar metade do time numa final de Copa do Mundo.

No Palco Sunset, entretanto, a proposta é justo o contrário. A ideia, conceitualmente, é arriscar, a começar pela própria opção da organização do evento por priorizar encontros tão inéditos quanto improváveis. Ontem assisti na sequência a dois shows memoráveis: Milton Nascimento e Esperanza Spalding e Mondo Cane, acompanhado pela Orquestra de Heliópolis. O primeiro poderia ser descrito como um instigante passeio da cantora e contrabaixista prodígio pela obra do cantor brasileiro, a comunhão das linguagens muito peculiares de dois talentosíssimos artistas que, apesar de pertencerem a gerações distintas, possuem muito em comum. Já o segundo foi uma prova incontestável da genialidade de Mike Patton, dessa vez a frente de um projeto que subverte a canção pop italiana da década de 60 ao seu universo particular de referências.

Em ambos os casos, o que se viu passou longe de poder ser classificado como a tradicional encheção de linguiça que nos grandes festivais serve ao fim de aquecer o público antes das principais atrações. Por mais que o interesse em conferir esta programação possivelmente não esteja entre os fatores mais decisivos para a compra de ingressos, tem muito a perder quem encarar os shows programados para este palco como uma esponja que se ganha de brinde ao comprar-se uma panela. Diria até mais: caso apenas estes shows originassem um evento paralelo, ele seria um senhor festival.

Para os próximos dias do Rock in Rio, assinaria embaixo das seguintes apresentações do Palco Sunset:

Dia 29 – Marcelo Jeneci e Curumim

Dia 30 – Buraka Som Sistema e Mix Hell/ João Donato e Céu

Dia 01 – Cidadão Instigado e Júpiter Maça

Dia 02  – Mutantes e Tom Zé / Marcelo Camelo e The Growlers

 

E para você, qual foi o melhor show do Palco Sunset até agora?

As princesas e o plebeu

sáb, 24/09/11
por Bruno Medina |

A primeira noite de apresentações na Cidade do Rock não deixou restar dúvidas quanto ao fato de que o Rock in Rio é um festival pautado, sobretudo, pela própria história. Antes mesmo que os acordes da introdução de “Óculos” ecoassem do Palco Mundo – exatamente como havia acontecido naquele mesmíssimo lugar em janeiro de 1985 – o público presente assistiu nos telões ao que poderia ser chamado de retrospectiva emocional dos shows que ajudaram a transformar o evento idealizado por Roberto Medina numa marca de inquestionável relevância no cenário da música mundial.

Paralamas e Titãs, ao contrário do que pregavam no início de suas carreiras, desta vez não pareciam incomodados em abrir os trabalhos para as atrações internacionais que viriam em seguida; em pouco mais de uma hora puderam demonstrar o entrosamento adquirido anos antes, durante a extensa turnê que fizeram do show apresentado ontem. Escorados por um repertório recheado de hits, os veteranos não tiveram dificuldades em envolver o público adolescente que ansiava pelas estripulias de Katy Perry e Rihanna.

Na sequência, foi a vez de Cláudia Leitte assumir o comando da plateia, contornando com desenvoltura a injustificada polêmica em relação a sua escalação para o festival. Ora, se o som que a moça faz não é rock, bem, digamos que ela não estará desacompanhada nesta edição do festival. A mistura de atrações de natureza completamente distintas, ainda que muitas vezes mal sucedida, sempre foi uma bandeira hasteada pelo Rock in Rio, e por que em 2011 haveria de ser diferente? A apresentação acelerada, que contou com efeitos pirotécnicos (destaque para o dueto com Ricky Martin no telão), trocas constantes de figurino e muita interação com o público comprovou o que todo mundo já sabia: o posto que Cláudia Leitte ambiciona ocupar está longe de ser apenas o de atração constante em micaretas e no carnaval baiano.

Quando Katy Perry pisou no palco o jogo já estava ganho. Havia uma expectativa enorme em relação a sua apresentação, e ela não decepcionou. A jovem cantora, além de muito carismática, demonstra enorme presença de espírito para lidar com a idolatria que desperta, o que torna-se claro através de suas escolhas de figurino e cenário. Apesar de todo sucesso decorrente dos 5 singles de um mesmo disco emplacados na parada da Billboard (feito apenas alcançado por Michael Jackson), Katy não tenta parecer uma diva, o que, em minha opinião, representa uma enorme qualidade a seu favor. A sonoridade de suas músicas resvala no rock e possui contornos menos previsíveis do que o repertório das concorrentes diretas, o que, somado à sua peculiar personalidade, garantiu a ela o título de melhor apresentação da noite.

Fiel à própria tradição, o Rock in Rio, mais uma vez, armou uma arapuca para uma de suas atrações principais, Elton John. Coube a ele o ônus de subir ao palco para intercalar duas das mais aguardadas apresentações do festival, o que potencialmente transformou sua coleção de “hinos” das décadas de 70 e 80 num verdadeiro exercício de paciência para a plateia muito jovem e já cansada. Estivesse inserido em outro contexto, teria feito um grande show, mas, da forma como foi atirado aos leões, tudo que lhe restou fazer foi levantar vez ou outra do piano para tentar, em vão, extrair algum entusiasmo do público. Numa noite em que Katy Perry e Rihanna eram princesas, coube a ele o papel de plebeu.

Assim como havia ocorrido no show que fez em São Paulo, a cantora caribenha deixou a multidão esperando mais de uma hora por sua apresentação, o que já seria um balde de água gelada em qualquer circunstância, ainda mais quando passavam de 2h da manhã. O coro de vaias recebido, no entanto, reverteu-se em adulação, bastando a Rihanna destilar seus sucessos radifônicos e o vozeirão para arrebatar a insistente plateia e encerrar com méritos mais uma histórica noite na Cidade do Rock. Hoje tem mais.

Rihanna, Katy Perry e Elton John tocam no 1º dia de Rock in Rio (Foto: Flavio Moraes/G1)

Copy Paste

ter, 20/09/11
por Bruno Medina |

Lâmpada elétrica, teclado Qwerty, indústria automobilística, como imaginar a vida no século XXI sem essas magníficas invenções? Mais interessante é, no entanto, pensar sobre como os responsáveis por cada um destes inventos chegaram a concepção das soluções que lhes renderam fama; afinal, seriam obras de gênios inquestionáveis ou frutos de momentos de iluminação divina? Nem uma coisa, nem outra, visto que nenhum dos 3 feitos corresponde à uma invenção genuína. Surpresos? Pois saibam que a primeira máquina de escrever, por exemplo, era uma adaptação rudimentar do mecanismo do teclado de um piano. Henry Ford, por sua vez, não inventou o automóvel, a linha de montagem ou o conceito de peças passíveis de reposição, apenas colocou tudo junto para lançar o primeiro carro produzido em escala, assim como Thomas Edison, que, diferente do que muitos pensam, não inventou a lâmpada, mas sim uma versão comercialmente viável do produto.

Revelações como estas podem ser encontradas no excelente vídeodocumentário que integra o acervo do blog “Everything is a Remix”, do qual já me tornei visitante assíduo. Como o próprio nome sugere, trata-se de um espaço virtual dedicado a propor reflexões sobre a crença de que criatividade não é mágica, e sim parte de um processo que sempre se inicia com a cópia, passa pela transformação e termina na combinação de elementos que isolados não teriam nada de genial. Para Kirby Ferguson, autor do projeto, as grandes obras da civilização seriam tão somente uma organização funcional de ideias já conhecidas. Como o processo de aprendizado da espécie humana se baseia na reprodução, a cópia seria como um destino inevitável, o estágio inicial inerente à qualquer criação, princípio que se aplica, inclusive, à própria tese, uma vez que esta ecoa o discurso de outros pensadores.

Por razões óbvias, não resisti a curiosidade de estender o raciocínio ao campo das artes, mais precisamente ao da música, buscando validar a teoria a partir das bandas e artistas de que gosto. Alguém aí consegue supor qual foi o resultado do exercício? “Cópia” na cabeça. Em todos os casos, sem exceção, consegui identificar ao menos uma referência explícita, ou, se preferirem, a chamada “inspiração involuntária”. O que dizer das manjadas coincidências entre os primórdios de Strokes e Nirvana em comparação a Television e Pixies? Isso para mencionar apenas dois exemplos de excelentes bandas que se apropriaram de uma linguagem estabelecida, tornaram-se fluentes nela, para, então, conceber trabalhos de fato autênticos e de reconhecido valor artístico. Indo um pouco além, e contrariando a máxima que diz “em casa de ferreiro espeto é de pau”, eu mesmo posso atestar que o Los Hermanos da época de fita demo era uma inspiração não tão involuntária assim do Acabou la Tequila, e por aí vai.

O problema é que para cada caso de “inspiração” bem sucedida existem dezenas de arremedos, ou seja, artistas e bandas incapazes de se desvencilhar de suas influências mais diretas a fim de agregar algo de único à música que fazem. Devo confessar que ando um pouco de má vontade com as novidades que volta e meia chegam aos meus ouvidos. Muitas vezes trata-se de música de indubitável qualidade, mas que perde um tanto da graça quando torna-se muito claro de onde partiu tamanha “criatividade”. Parece que quanto mais se vive (e digo isso do alto de meus primeiros fios de cabelo branco) mais se tem a impressão de estar assistindo a um filme cujo final é conhecido. Se isso for mesmo verdade, duas escolhas: conformar-se com as infindáveis reprises ou convencer-se de que, por mais requentado que seja o filme, há sempre uma nova cena a ser descoberta.

Bom, caso alguém se anime em indicar artistas ou bandas novas que valha a pena conhecer, façam as honras…

Fazendo limonada

seg, 12/09/11
por Bruno Medina |

Continuando a história que começou no post anterior: nem bem havia se passado uma semana do episódio “Thriller no Maranhão”, desta vez estávamos no interior do estado de São Paulo, prestes a realizar mais um show em praça pública, estes que se tornaram tão frequentes ao longo da turnê do primeiro disco do Los Hermanos. A apresentação em si transcorreu dentro do esperado para eventos desta natureza, ou seja, um ou outro beberrão afim de brigar, uma meia dúzia pedindo “toca Raul”, e aqueles clássicos 10% da plateia que não se abalariam ainda que um meteoro caísse sobre o palco. Frente ao contexto de tamanha normalidade, como prever o que o final daquela noite ainda nos reservaria?

Como de costume, mal pisamos fora do palco, o prefeito da cidade e sua comitiva adentraram o camarim sem grandes cerimônias. Feita a troca de gentilezas protocolares, o homem gorducho e atarracado, legítimo representante da escola Odorico Paraguaçu de ser, ao invés de pedir uma foto para a filha ou autógrafo para o sobrinho, preferiu ousar um pouco mais na solicitação: “Valeu rapaziada, agora vocês voltam lá, tocam Anna Júlia e me chamam no palco para eu dizer umas palavras, ok?”. Claro que não estava ok. Feito dessa maneira descarada, considerando que era ano de eleições municipais, o evento ganharia ares de showmício, coisa que a banda nunca topou fazer, sobretudo para um candidato que nem sequer conhecíamos!

“Prefeito, agradecemos a sugestão, mas na verdade nós já fizemos o bis, portanto o show acabou. De qualquer maneira, nada impede o senhor de subir lá e fazer o seu discurso”.

“Mas vocês não vão voltar no palco comigo e tocar Anna Júlia de novo??”

“Errr, não.”

Nesse momento o sorriso largo constantemente estampado em seu rosto deu lugar a uma expressão assustadora, quase diabólica. Antes de prosseguir com a conversa, o sujeitinho trotou até a porta do camarim espumando de raiva e empurrando com violência para fora do recinto quem estivesse em seu caminho. Após certificar-se de ter passado o trinco na porta, virou-se para nós com dedo em riste e esbravejou:

“Olha aqui, fui EU que paguei o cachê de vocês, EU!! Vocês me devem isso, entenderam?!”

“Como assim nós devemos isso ao senhor? Onde está escrito no documento que assinamos? Nós fomos contratados para fazer um show, e fizemos!”

Percebendo que não teria como nos obrigar a atender o pedido narcisista – e assistindo a derrocada de seu plano mirabolante, de sacudir o corpanzil para toda a população da cidade ao som da música mais popular do Brasil naquele momento– o pequenino homem se valeu do séquito de seguranças e partiu para a ameaça:

“Se vocês não fizerem o que estou pedindo, vão sofrer as consequências! Não digam que não avisei! Vocês só saem daqui para o palco, e junto comigo!””

Ouvindo a discussão através da porta, do lado de fora, nosso produtor espertamente pediu para que alguém fosse ao hotel, fechasse a fatura dos quartos e pegasse todas as malas da equipe, a fim de que pudéssemos sair da cidade o mais rápido possível. Afinal, quem desejaria, no meio da madrugada, por à prova o poder de vingança de um sujeito transtornado e “poderoso”como aquele? Cientes da delicadeza da situação, resolvemos contemporizar:

“Amigo, abre essa porta, aonde o senhor imagina que isso aqui vai chegar? Nosso equipamento já está sendo descarregado até, nós estamos cansados, deixa a gente ir embora…”

Sem ter outra alternativa, o prefeito apelou para a emoção, protagonizando uma das cenas mais marcantes que já presenciei. Com voz chorosa, de joelhos no chão e palmas das mãos unidas como se estivesse rezando, suplicou:

“Pelo amor de Deus, é ano de eleição! Eu imploro, voltem no palco comigo!”

“Que isso, cara, levanta daí, vai sujar sua calça. Olha, não tem jeito mesmo, nós não vamos fazer. Sai da frente dessa porta e acaba logo com isso, vai.”

Recompondo-se do vexame, o sujeito deu o braço a torcer, mas não sem antes profetizar: “Tá bom, vocês venceram, eu desisto. Sabe o que vocês são? Um bando de ingratos sem coração! Pessoas como vocês nunca alcançarão o verdadeiro sucesso!”

Quando finalmente abriu a porta, deparou-se com um grupo de crianças que aguardava para nos conhecer. Tendo o característico sorriso de volta ao rosto, o político as saudou de braços abertos:

“Entrem crianças, aproveitem a chance de conhecer esta banda maravilhosa! Tchau amigos, muito mais sucesso ainda para vocês!”

Terminada a horripilante sessão de autógrafos, entramos no ônibus e caímos na estrada, para nunca mais voltar.

Neste mesmo ano, os donos do tradicional Bar Opinião de Porto Alegre resolveram reabrir a casa, após longo período em reforma, com um show do Los Hermanos. Até aí tudo bem, não fosse o fato de que a apresentação era uma surpresa, ou seja, o público compraria os ingressos sem saber a quem iriam assistir tocar. Para piorar o quadro, a imprensa local especulava como possíveis atrações as principais bandas da época, nenhuma menção a nós, claro, que a altura não passávamos dos moleques cariocas que tocavam Anna Júlia, a música que quase ninguém mais aguentava ouvir.

Pois bem, num lampejo de genialidade, propus à banda a brilhante ideia de iniciarmos o show com uma vinheta instrumental, trajando sacos de lixo nas cabeças para aumentar ainda mais o suspense. Dito e feito. Acontece que quando revelamos nossos rostos para a multidão, ao invés do esperado efeito de arrebatar a plateia, o que seguiu-se foi a mais estrondosa vaia recebida em nossa carreira, possivelmente também a maior daquele bar em toda sua história, ou mesmo a pior que qualquer artista recebeu na capital gaúcha desde sua fundação, em 1772.

E que jeito senão seguir a diante? Como diz o ditado, afinal, “o show precisa continuar”, e assim partimos para a segunda música. Nova vaia. Fomos então para a terceira. Vaia. Quarta. Vaia. Bom, acho que vocês já pegaram o espírito da coisa. O que me fascina ao lembrar dessa história é pensar que o público que nos vaiava (algo em torno de 90% dos presentes) não arredou o pé do local até o fim da apresentação, exercendo, a cada música, seu direito sacramentado de odiar o espetáculo a que assistiam. Ninguém atirou objetos no palco, ninguém ameaçou nos bater, ninguém nos xingou, apenas vaiaram, como se não houvesse amanhã.

Passados mais de dez anos do episódio em questão, o que levamos desta inesquecível noite foi a chance de aprender, ainda jovens, uma importante lição sobre nossa profissão e sobre nós mesmos. Após sermos vaiados ininterruptamente por 15 músicas, que plateia seria hostil o suficiente para nos intimidar? Não muito depois disso, Porto Alegre tornou-se um das cidades preferidas do Los Hermanos, tendo a banda voltado diversas vezes ao próprio Opinião para se apresentar, quase sempre com todos os ingressos vendidos antecipadamente.

Em suma, se a vida lhe oferecer limões, faça limonadas; antes que atirem os limões em você.

Thriller

seg, 05/09/11
por Bruno Medina |

Roubadas, que está livre delas? Independente do que se faça – e até de quem o faça – qualquer atividade, por mais planejada que seja, sempre estará submetida aos caprichos do destino, este incorrigível fanfarrão. Sob meu ponto de vista, poucas situações estão mais sujeitas a incidentes tragicômicos do que a verdadeira aventura que é sair Brasil afora fazendo shows, acompanhado por um grupo de marmanjos. Ainda que a banda em questão não fosse exatamente principiante e se julgasse inserida num contexto “profissional”, as histórias a seguir servem como exemplo de que as adversidades são inerentes a qualquer caminho; portanto, abro a tampa do baú para resgatar 3 memoráveis roubadas vivenciadas pelo Los Hermanos.

Certa vez estávamos no interior do Maranhão para realizar 2 shows em cidades não muito distantes, organizados por um mesmo contratante. Antes do que seria a primeira das apresentações, um sujeito (anjo) da equipe de som local conseguiu o telefone de nosso produtor para dar a deixa: “eu tomei calote, vocês vão tomar também. Nem venham para cá, pois será perda de tempo. Estou levando o som embora”. No afã de pressionar os responsáveis a honrar o compromisso assumido conosco, que afinal tínhamos vindo de tão longe, nosso produtor passou a perguntar pelo cachê, para só então perceber que o clima começara, aos poucos, a ficar meio “estranho”. Entendam por isso o súbito aparecimento de capangas armados e com cara de poucos amigos na recepção do hotel em que estávamos hospedados.

A ideia, provavelmente, era nos intimidar a entrar no palco, mesmo sem ter recebido um tostão. Frente a silenciosa ameaça, a estratégia adotada pela banda consistia em não sair do quarto sob nenhuma hipótese até a data do voo de volta, ainda que isso significasse ficar confinado por 48 horas num muquifo com móveis remanescentes da década de 70, ar-condicionado meia boca e apenas 4 canais de TV aberta. Pra piorar, pedi para entregarem um lanche e o suco veio dentro de um saco plástico, para tomar de canudo. Foi isso mesmo que vocês entenderam, o líquido vinha acondicionado dentro do saco plástico, sem copo! Foi a gota d’água.

Na tarde do segundo dia, o tédio e as limitadíssimas opções de alimentação venceram a preocupação com a segurança pessoal. A partir de uma triangulação rápida de telefonemas, eu, Rodrigo e Marcelo, resolvemos tentar nossas chances do lado de fora, mais precisamente, fugindo pelos fundos do hotel rumo ao único shopping da cidade. Como era comum nesta época, visto que aparecíamos bastante na TV, nossa presença no recinto não deixou de ser notada, e isso poderia se tornar um empecilho ao plano de estender a permanência no shopping ao máximo. Para atenuar a exposição indesejada, decidimos entrar no cinema, a fim de assistir a qualquer filme que porventura estivesse em cartaz.

No caso, tratava-se de uma comédia bem fuleira, mas que representava uma evolução tremenda em relação às possibilidades de entretenimento disponíveis no hotel. Sentados nas poltronas, sem pretender despertar muita atenção, notamos que um curioso fenômeno começava a se manifestar: mesmo após o filme ter se iniciado, os presentes na sala cochichavam, olhavam para trás e falavam insistentemente ao telefone. Lá pelo meio do filme, não havendo cessado o alvoroço e dada a desconcertante sensação de sermos “assistidos” enquanto assistíamos ao filme, ficou bastante claro que aquela sessão, bem como nosso famigerado divertimento, estava com os minutos contados para terminar. Tendo o coração partido, deixamos o filme sem graça pelo meio, para nos depararmos com uma pequena multidão que já nos aguardava do lado de fora do cinema. Pois é, numa cidade onde não devia acontecer muita coisa, a notícia de nossa visita ao shopping ganhou ares de evento, e muita gente decidiu ir lá para ver de perto aqueles barbudos que conheciam o Raul Gil, o Gugu, a Xuxa e o Faustão.

Após um bom tempo tirando fotos e distribuindo autógrafos, era nítido que permaneceríamos ali até que o último dos moradores da cidade viesse nos conhecer. Quanto mais gente aparecia, bem, mais gente aparecia, e não havia sinal de uma boa alma sequer que se prestasse a nos ajudar, organizando, quem sabe, uma fila ou algo parecido. Quando estávamos cercados de gente por todos os lados, no epicentro do que já poderia ser considerado um princípio de confusão, resolvemos, de maneira simpática e cordial (se é que isso é possível), apertar o passo em direção a saída. Na rua, qual não foi nossa surpresa ao constatar que não só parte dos fãs que estavam dentro do shopping havia decidido nos seguir, como também o próprio burburinho atrairia a atenção daqueles que nem sabiam do que se tratava?

Para a situação sair em definitivo do controle, faltava apenas um único detalhe, que, obviamente, não tardou em acontecer. Um grito histérico irrompeu da multidão, e este foi o estopim que permitiu a todos se portarem como loucos! Se antes os souvenirs desejados eram fotos, autógrafos, um abraço ou um aperto de mão, a partir desse momento havia para nós o risco real de perder chumaços de cabelo ou pedaços das roupas. Correndo sem rumo por becos e vielas na penumbra de um fim de tarde, a cena fazia lembrar aquela  protagonizada por Michael Jackson no clipe de Thriller, com um exército de zumbis saltando das sombras para pegar-nos pelos pés. Pode até parecer engraçado, mas não foi.

Quando quase sucumbíamos ao destino de sermos destroçados pela horda de ávidos curiosos, uma saída cinematográfica se materializou. Numa esquina a frente, 3 mototaxistas se encontravam parados, no meio do nada, esperando por passageiros. Sem pestanejar, subimos um em cada moto, ao melhor estilo dos índios apache pulando sobre cavalos sem cela naqueles antigos filmes de caubóis.

– Mermão, toca pro hotel!

– Qual hotel?

–  Qualquer um!

Para quem ficou curioso em relação ao final desta história, acabamos fazendo o segundo show mediante a retirada dos capangas da porta do hotel e ao pagamento de uma parte do cachê.

p.s: acho que me excedi um pouco no tamanho do relato. O jeito é contar as outras duas grandes roubadas no próximo post…



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