Tempo

sex, 24/12/10
por Bruno Medina |

É sempre inspirador (pelo menos pra mim) perceber como o tempo, a todo tempo, nos dá mostras de sua passagem. E é claro que não poderia ser diferente com o Natal, uma data muito emblemática, carregada de simbolismo e emoção, que se repete quase da mesma maneira para quase todo mundo ao longo dos anos, mas que, ainda assim, é capaz de, a cada edição, significar algo novo.

A título de comprovação da tese, tomemos por exemplo o ícone máximo dessa festa; quando se é muito pequeno, apesar da insistência ansiosa dos pais, loucos para impregnar o espírito natalino em seus filhinhos, é difícil simpatizar com a figura rechonchuda e barbuda, trajando a inusitada indumentária vermelha e soltando “ho ho hos” em tom grave, como se fossem grunhidos de um bicho ainda desconhecido pela ciência. Nunca falta quem force uma aproximação do bebê com o bom velinho, e o resultado, invariavelmente, é o pânico e o choro convulsivo.

Alguns anos se passam, e aquela mesma figura – que antes era capaz de despertar ojeriza- transforma-se em grande herói da infância. Não exatamente por conta de sua história, sua candura, suas renas ou sua casinha no Pólo Norte, mas por representar a personificação dos sonhos de qualquer criança, na forma de um saco cheio de brinquedos.

Mas, como diz o ditado, o que é bom dura pouco. Através de um primo estraga-prazeres, de um tio muito mal caracterizado ou mesmo das perguntas sem resposta que a gente insiste em se fazer, a verdade chega. E dói. Dói tanto que a dor se confunde com o orgulho bobo de se ter consciência, como se, ao deixar de acreditar no sujeito, o que antes nos fazia tão contentes, conquistássemos a glória de “saber”, não se sabe bem o quê.

Os Natais seguintes ficam marcados como aqueles em que a magia vai embora de vez, em nome desse tal “segredo” que não podemos contar aos menores. E quem já não se deliciou com a perversa sensação de poder estragar o Natal alheio?

Daí, a gente cresce um pouco mais, e por muitos, muitos e muitos anos nos tornamos indiferentes a ele. Estampados nas propagandas, plantados nas portas dos shoppings, representados nos enfeites espalhados pelo balcão da lanchonete ou na mesa do porteiro do prédio, ele é só um personagem que aparece no fim do ano para tentar nos persuadir, em vão, a acreditar que a vida não é feita só de Facebook, trabalho, academia, cineminha e contas a vencer.

Eis que um dia você se encontra como eu, zapeando na TV, numa manhã de 24 de dezembro, à procura de filmes e desenhos natalinos que cumpram o papel de trazer um pouco daquela graça toda de volta. É como nadar rumo à foz de um rio, sabendo que a correnteza nunca vai permitir que a façanha se realize. Sem muito remédio, sento à margem desse rio, tendo meu filho, Vicente, no colo. Nem tudo está perdido, pois é tempo de convencê-lo de que o Papai Noel, de quem ele agora sente tanto medo, é um grande cara!

Como o diabo gosta

seg, 13/12/10
por Bruno Medina |

Muitos dos que leram “Budapeste”, de Chico Buarque, devem lembrar-se da passagem em que o autor descreve o idioma húngaro como “a única língua que o diabo respeita”; entretanto, assim como eu, também muitos devem ter ficado curiosos: mas o que deve pensar o diabo sobre nosso estimado português? Longe de mim contestar uma afirmação do consagrado artista, ou, pior, o crivo linguístico do próprio diabo, Deus me livre, mas se o húngaro exige respeito, convenhamos que o português é digno, no mínimo, de cautela.

Afinal, se por um lado a riqueza de sua morfologia, a diversidade de seus vocábulos, a precisão de seus tempos verbais e a poesia de sua sintaxe são valores exaltados pelos entusiastas, por outro, coincidem com um desafio diário, enfrentado por milhões de pessoas nos cinco continentes: estes que, como nós, dependem de um idioma belíssimo – porém repleto de armadilhas e pormenores – para se fazer entender.

Exemplos são notórios e abundantes, e estou certo que cada um de vocês têm ao menos meia dúzia de indignações com a língua pátria para manifestar. Algo do tipo, por que “certo” se escreve com “c” e “assertivo” com “ss”, ou qual a razão (a não ser confundir vestibulandos nervosos) de “iminência” e “eminência”, “sessão” e “seção”, “acento” e “assento” terem grafias tão parecidas, ainda que possuam significados tão distintos?

O tema dá muito pano para a manga, eu sei. Reclamar da dificuldade do português é praticamente como chutar cachorro morto, mas peço atenção para uma classificação menos óbvia, nem por isso menos importante: aquelas palavras que, apesar de grafia e pronuncia estarem corretas, sempre aparentam estar erradas.

Como assim?

Eu explico. Analisemos a palavra “mendigo”. Diga-a em voz alta. De novo. Isso, não tenha vergonha do vai pensar quem estiver perto, grite, sem medo: “mendigo”! Percebem o erro de projeto? Tentem “mendiNgo”. Que conforto dá esse “N” que não existe, né? Não é à toa que tanta gente prefere pronunciar dessa maneira.

Mesmo caso de “estupro”. Tudo bem que o termo pede essa força, pede a repulsa, o fora do lugar, mas a gente sabe que o “R” não deveria estar aí. Outra palavra cuja voz (equivocada) do povo consagrou.“EstRupo”, e quem vai dizer que não é? Não muito diferente é “cadarço”, só que o porém é esse “R” aí no meio, que não precisava existir. Olha, taí uma palavra que muita gente boa pronuncia errado, pelo simples motivo de não acreditar que um tênis tenha que ser amarrado por algo tão chato de se dizer.

E que tal “basculante”, ou seja, janela com movimento de básculco, a típica janela de banheiro? Não restam dúvidas de que sua origem está justificada, mas não dava pra designar um termo melhor? Porque o original soa como uma Kombi sem amortecedores subindo uma ladeira. “Basculate” ou “Basculhame” também são péssimos, mas já seriam mais fáceis de colocar numa frase…

Agora me passou pela cabeça um pensamento terrível, uma dúvida à altura dos mais capacitados linguistas. Imaginem qual deve ser o correspondente de “basculante” em húngaro?

ilustração:  www.hojelusofonia.com

(Muito) pêlo contrário

seg, 06/12/10
por Bruno Medina |

Diz-se da vida que ela é feita de ciclos; afinal, são muitos – e incontestáveis – os fatos que sustentam a afirmação. Um exemplo óbvio são os giros que a Terra dá, e a influência direta que têm na oscilação entre dia e noite, na alternância das fases da lua, das marés e das estações do ano. Em nós, seres humanos, não é diferente. A todo tempo, ao longo de nossa existência, estamos sujeitos a transformações biológicas, emocionais e até intelectuais, algumas com a duração de segundos, outras, de décadas.

Em muitas dessas se distinguem os gêneros, sendo que as peculiaridades de cada sexo, aliadas a aspectos externos, sobretudo culturais, determinam implicações muitos diferentes, a depender do contexto e em quem se aplicam. Para a maioria das “fêmeas” da espécie, arrisco o palpite de que o ciclo da fertilidade é o mais significativo, dada a periodicidade, a extensão e a consequência de suas manifestações. Para os machos, não restam dúvidas de que o ciclo essencial, capaz de moldar personalidades e comportamentos, é o ditado pela incidência (ou não) de pêlos.

Exagero? Proponho, então, aos leitores do sexo masculino que façam o exercício de tentar se recordar dos acontecimentos mais simbólicos de suas vidas, e que reparem se não estão sempre associados à alguma alternância considerável no contingente de pêlos em seus corpos. Puxem pela memória o orgulho sentido naquele dia, ainda na educação infantil, em que vocês se depararam com um punhado de pelinhos crescendo nas pernas. Depois, já em meados do ensino fundamental, a sensação de virilidade aflorada pelo surgimento, ano após ano, de pêlos embaixo dos braços, do umbigo e do nariz.

Durante o ensino médio, o incremento na densidade capilar em todos os pontos mencionados aponta para uma única e inabalável certeza: eu estou pronto para a vida. Vamos nos ater a este momento: materializem o olhar altivo frente ao espelho, o sangue correndo quente pelas veias, a perspectiva de não haver obstáculos que não possam ser superados. Nunca deixem essa emblemática lembrança se esvair, porque, deste dia em diante, tudo que a vida lhe reserva é… a decadência.

A começar pelos próprios pêlos. Se você, a essa altura, ainda não os têm, provavelmente nunca terá. Acostume-se, portanto, a ser um homem sem barba. Mas se, ao contrário, você for como eu, do tipo peludo, bem, a tendência é sempre piorar. E é justo aí que reside uma enorme ironia, visto que, quando criança, tudo que queríamos era ter muitos pêlos e, adultos, rezamos para que parem de crescer e se disseminar.

Aos 14 ou 15 anos, vejam só, eu achava graça naqueles “ursões” na praia, cujos pêlos do peito se encontram com os das costas, passando pelos ombros. Agora, aos 32, percebo, com horror, a possibilidade de trilhar o mesmo caminho, e olha que nem me refiro a pêlos que nascem nas orelhas ou saltam das narinas, estas são surpresinhas que a vida nos reserva apenas depois dos 50! Mas, infelizmente, isso não é tudo. Há ainda uma outra fantástica contradição a este respeito, sabem qual? Aquela, que dissocia os pêlos do corpo dos que se encontram no topo da cabeça. Ou seja, aos homens é permitido ser, ao mesmo tempo, careca e cabeludo!

Não foram poucas as vezes em que me flagrei pensando no porquê de tamanha crueldade da mãe natureza. Se, em outras espécies, os pêlos servem para proteger dos rigores climáticos ou encantar as fêmeas, tudo bem, mas na nossa já faz um tempinho que isso não vigora, né? Custava botar na roda uma versão upgrade, com genes atualizados? Caso a natureza não se comova em abraçar essa causa, quem sabe a ciência não dá um jeito nisso? Que tal uma pílula, para fazer os cabelos crescerem aonde desejarmos e deixarem de crescer aonde não os quisermos?

Pelo sim, pelo não, enquanto nada disso está possível, restam a depilação a laser , a cera quente e a psicanálise.



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