Deslivor!
Avenida Rio Branco, centro do Rio. Temperatura beirando os 40 graus, sensação térmica beirando a porta do inferno. Vestindo calça social e camisa pra dentro, me esgueirava entre os passantes sedentos por marquises quando minha trajetória foi interrompida por um golpe certeiro. Blau. Uma tapa (no feminino mesmo, para enfatizar) no meio da cara, uma bolacha bem dada, de costas de mão, proferida por um camelo.
Calma, a agressão não se deveu ao possível bate boca entre cliente insatisfeito e vendedor desonesto, nem por conta de alguma picuinha que tivéssemos tido no passado e muito menos por ele ter me confundido com um desafeto seu. Pois fui me meter justo na fresta que o cidadão usou para ilustrar, com gestos, a um colega o que falava. Que azar. A necessidade de ratificar seu ponto de vista – presumidamente exagerado – fez o camelo abrir os braços num ângulo tal que, se estivéssemos num campo de futebol, a atitude seria considerada jogada desleal.
Caso houvesse um juiz de calçada, não duvidem, o mínimo que ele pegaria era um cartão amarelo. Claro que doeu, tanto quanto aquela bolada que, quando atinge a ponta do nariz, faz a gente sentir “cheiro de dor”, que é uma espécie de manifestação olfativa acompanhada de dormência, muito comum na infância de qualquer menino sadio.
O sujeito, coitado, até tentou se redimir, evocando um pedido de desculpas submerso pelas buzinas, o falatório e as ofertas gritadas por seus concorrentes. Nestas horas, reza a cartilha, o melhor é seguir adiante para se manter fiel à civilidade. Não pude, no entanto, deixar de me lembrar da ocasião em que fui atropelado por uma bicicleta de açougue que vinha pela contramão. Apesar das escoriações diversas, a situação por si só era tão patética que preferi simplesmente fingir que nada havia acontecido.
Refeito do baque, com a armação dos óculos meio desalinhada, ainda tomei uns 3 solavancos na multidão, o que me fez pensar que das duas uma; ou eu ando muito distraído ou os outros precisam, com urgência, aprumar o senso de direção. Sinceramente, tem muita gente por aí que deveria ter a condição de andar cassada.
Como acontece no trânsito, depois de uma barbeiragem braba dessas, tal qual agredir sem querer um transeunte, o indivíduo se submeteria a um treinamento específico, a fim de evitar novas ocorrências. Pisou no pé dos outros? 2 pontos na carteira. Encontrão? Perde 4. Tapa na cara acidental? Suspensão sumária.
Tendo em vista que todos os cenários futuristas prevêem um incremento significativo da densidade demográfica nas grandes metrópoles, a medida sócioeducativa, embora radical, torna-se indispensável para evitar que as calçadas se transformem em baldes de caranguejos vivos. Não me espantaria se, nas próximas décadas, tamanha a necessidade de negociar espaço, surgisse uma expressão que conjugasse os usos de “desculpa”, “com licença” e “por favor”, para simplificar a vida de quem, porventura, não puder contar com uma unidade de teletransporte para ir ao trabalho.
“Deslivor!”, diriam os apressados, evitando assim perder pontos em suas carteiras de habilitação para andar. Quanto ao camelo, se ainda estivesse vivo, seria obrigado por decreto a caminhar algemado.