Alguma coisa está fora da ordem
Ontem de madrugada, no blog dedicado à sua “Obra em Progresso” , Caetano Veloso escreveu um post rebatendo críticas publicadas pelos dois principais jornais de São Paulo ao show (em homenagem a Tom Jobim e aos 50 anos da Bossa Nova) que fez na cidade, ao lado de Roberto Carlos, nesta última segunda. A declaração, como era esperado, repercutiu imediatamente, e a crítica da crítica acabou pautando uma outra rodada de matérias, para só então pousar neste blog, numa, por assim dizer, terceira onda a partir do epicentro deste episódio.
É possível que alguns leitores questionem, até com certa razão, o propósito de se escrever um texto destinado a comentar uma discussão de Caetano com a imprensa, até porque esta não é a primeira e nem será a última vez que algo semelhante acontece. Digo discussão ao invés de queixa, porque é assim que me parece. Desconfio que Caetano não pretenda simplesmente desabafar, dar o troco por terem pisado em seu calo ou reparar uma suposta injustiça dita a seu respeito, Caetano almeja algo muito mais ambicioso: promover uma mudança de postura da imprensa brasileira para com o artista.
Apenas isto justificaria que venha a público pela enésima vez para argumentar contra alguém que o criticou. Sempre que me deparo com um destes embates me ocorre uma mesma pergunta: afinal o que pretende Caetano Veloso? Por tê-lo como artista brilhante, mas, sobretudo, um personagem de valor incomensurável para a cultura nacional, me parece um tanto rasteiro imaginar que alguém com sua inteligência ignore o fato de seus argumentos poderem soar para alguns como choro de perdedor. Também não procede alertá-lo de que, muitas vezes, a conseqüência de uma rixa supera, em muito, o motivo que a originou.
Sendo carioca e ainda pouco envolvido com a crítica musical paulistana, a única informação que tinha sobre Pedro Alexandre Sanches -quando este resolveu escrever sobre Los Hermanos pela primeira vez- era a de que o jornalista seria um desafeto de Caetano. O atrito teria ocorrido por conta das declarações contidas no livro “Tropicália, Decadência Bonita do Samba”, onde Pedro atribui a morte do samba ao cantor e seu contemporâneos. Na ocasião o mesmo Pedro havia resenhado um show da minha banda, e classificou o que viu e ouviu com algo tal como uma mistura de axé com música de motel, o que até nos pareceu engraçado, embora doloroso.
Independente do especial talento que possuam este e outros jornalistas para rechear suas críticas musicais de frases contundentes e metáforas enfadonhas, a lição aprendida por este que vos escreve é a de que não vale à pena rebater. Por mais ofensiva que seja a declaração, por mais que não se caracterize apenas como opinião, esta vem sempre na capa, ao passo que a retratação, o direito de resposta, no rodapé da página ímpar.
Em seu texto de ontem Caetano alega “há anos não leio nada tão errado sobre música brasileira” e “escrevo isso só para mostrar aos que comentaram as críticas hilárias da província paulistana que também li e que fiquei com pena dos dois fanfarrões que não sabem nem escrever”, e conclui: “não respondo aqui a ela nem a ele. Nada digo aos jornais que os publicaram. Deixo aos leitores paulistanos que viram o show. Eles vão escrever protestando”.
Sábia decisão, afinal é ao público consumidor destes jornais, e tão somente a ele, que cabe o julgamento sobre as declarações publicadas. Dizia um amigo meu: o que de pior pode acontecer a um artista é ele passar a se afetar pelas críticas que fazem dele, sejam boas ou ruins. Pode ser que Caetano em seu blog se sinta apenas exercendo o direito de expressão, e que sejamos nós, os que ainda comentam o fato, os verdadeiros responsáveis por colocar mais lenha na fogueira. Pode ser. O que não pode ser é que este encontro entre Caetano Veloso e Roberto Carlos futuramente seja mais lembrado por uma picuinha do que por sua real importância. Este é o risco inerente a quando se dá aos fatos proporções maiores do que merecem.