Mulher que viveu experiência “aterrorizante” com Dr.Mengele no campo de concentração não quer ouvir falar em perdão para carrascos

qui, 20/01/11
por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas

A Globonews leva ao ar, neste sábado, às 21:05, com reprise no domingo, às 12:30, no DOSSIÊ GLOBONEWS, a entrevista completa com uma mulher que viveu e testemunhou horrores indescritíveis: quando tinha apenas quinze anos de idade, Eva Schloss foi capturada pela Gestapo, a temidíssima polícia secreta do nazista. Logo foi levada para o campo de concentração de Auschwitz, onde conheceria um personagem sinistro : o Doutor Joseph Mengele, médico que fazia experiências com prisioneiros. Hoje, aos 81 anos de idade, ela encontra disposição para correr mundo fazendo uma pregação contra a intolerância. Um trecho da entrevista:

Uma pergunta bem direta : a senhora perdoa ?

“Vou lhe dar uma resposta muito simples: não. Nunca vou perdoar os nazistas. Eu estive em Atlanta, há pouco tempo.Depois de minha palestra, alguém me perguntou: “A senhora os perdoou ?”. Eu respondi que não, não queria perdoá-los. Ele disse que rezaria por mim,para eu conseguir perdoá-los. Respondi que que ele não deveria perder tempo porque eu nunca perdoarei aquelas pessoas. Cometeram atos cruéis não apenas obedecendo ordens, mas também movidos por sua própria maldade,para inventar mais formas de sofrimentos para nós.Eu nunca esperaria que um ser humano agisse daquela forma”.

A senhora esteve frente a frente com um criminoso nazista que terminou se refugiando no Brasil: Joseph Mengele.Que lembrança a senhora guarda desse carrasco ?

“Dr. Mengele era uma figura infame no campo de concentração.Decidir quem ia morrer e quem ia sobreviver.Ele estava lá. A cada comboio que chegava, com as botas bem engraxadas e com luvas brancas,com uma pequena vareta na mão,como se fosse um maestro,conduzia os prisioneiros para a vida ou para a morte. A primeira impressão que tive foi esta. Um homem impecável, alto,bonito,sem qualquer expressão no rosto.Olhava para as pessoas e decidia.Não sabíamos disso a princípio, é claro. Depois, tive um encontro muito mais aterrorizante com ele.Ao sairmos do chuveiro, lá estava ele, para fazer uma triagem.Ficávamos nua diante de Mengele – que nos inspecionava e decidia: “Você vai viver, você vai morrer”. E decidiu que minha mãe não era forte o bastante para continuar viva.Deixou-a no lado dos quem iam morrer. Nunca me esqueci da forma como ele a condenou à morte. Mas,por um milagre, ela foi salva. Nós nos reencontramos”.   ( Depois de fugir para a América do Sul,  Joseph Mengele terminou morrendo afogado, numa praia em São Paulo, em 1979. Viveu anos, aqui, com nome falso).

Em algum momento, a senhora tentou não ir para o banheiro, onde havia câmaras de gás ?

“Durante a semana, não havia qualquer possibilidade de nos lavarmos. Ficávamos cheios de piolhos. Estávamos imundos. Todos estávamos com disenteria. Não havia papel higiênico. Uma vez por semana, tomávamos um banho, o que era maravilhoso.Mas, por outro lado, não tínhamos  certeza se realmente tomaríamos um banho ou se iríamos para a câmara de gás. Por isso, relutávamos muito antes de entrar ali. Uma vez, haviam espalhado o boato de que, daquela vez, não seria um banho. Relutamos em ir para o chuveiro. Mas os guardas bateram em nós. E nos obrigaram a entrar. Felizmente, era um banho”

 (O pai e o irmão de Eva Schloss morreram no campo de concentração. Depois de passar décadas sem tratar do horror que enfrentou no campo de concentração, Eva Schloss terminou escrevendo um livro de memórias – “A História de Eva”, recém-lançado no Brasil).

Relatório secreto diz que “estrela política” de Jânio Quadros estava “afundando numa poça de uísque”

qua, 05/01/11
por Geneton Moraes Neto |

Da série “venenos da diplomacia” : o que dizem papéis que passaram décadas protegidos sob sigilo ? (ver post anterior)

Em pelo menos um dos relatórios produzidos sobre a renúncia de Jânio Quadros, a Embaixada britânica não resistiu à tentação de cometer uma ironia – sobre a predileção que o presidente Jânio Quadros devotava ao uísque.

O relatório confidencial (documento FO 371/162.132 do Public Record Office) produzido pela Embaixada no dia 19 de abril de 1962, oito meses depois da renúncia, avisa a Londres :

“A estrela política de Jânio Quadros parece estar afundando numa poça de uísque. Quando ele era presidente, circulava uma certa quantidade de discretos rumores sobre sua atração pela garrafa. Desde que ele retornou, estas histórias cresceram em intensidade. Agora, aparecem em colunas de fofocas e em caricaturas. Uma piada que se conta aqui – e não é exatamente uma piada – é que as “forças ocultas” que Jânio culpou pela renúncia saíram de uma garrafa. Frequentadores de bar agora pedem ao barman que lhes sirvam “forças ocultas com gelo”. Como quase tudo é possível na política brasileira, pode se rque ele recupere terreno tão rapidamente quanto perdeu”.

(Jânio Quadros, como se sabe, surpreendeu Deus e o mundo ao renunciar à presidência apenas sete meses depois de ter sido eleito com uma votação espetacular. 2011 marca os cinquenta anos da renúncia. Visto com desconfiança pelos militares, o  vice-presidente João Goulart assumiu o poder. O  Brasil mergulhou numa crise política que desembocou no golpe militar de março de 1964).

Depois de recorrer a números de uma pesquisa e a piadas de bar para informar o Foreign Office sobre a renúncia de Jânio Quadros, a Embaixada britânica produziu, no dia 12 de março de 1962, um dossiê confidencial em que faz uma aposta errada. Jânio Quadros voltaria à Presidência da República, segundo a bola de cristal dos ingleses – que, desta vez, falhou:

“Devido, em grande parte, à incompetência de seus sucessores, o retorno do ex-presidente Quadros à Presidência é amplamente tido como inevitável. O eleitorado vem se voltando contra a má administração do país por parte das máquinas partidárias tradicionais. O senhor Quadros se opõe a estas máquinas e pode tentar conduzir o movimento das reformas, mas a experiência anterior indica que o retorno de Quadros ao poder só pode ser vista com alarme. Ninguém sabe o que levou o senhor Quadros a jogar a toalha, como ele fez. Alguns atribuíram à instabilidade próxima da loucura. Numa declaração tipicamente lacônica, que fez há seis meses, ao deixar o Brasil em direção ao Reino Unido, o sr. Quadros disse que voltaria no tempo devido para atuar como advogado e professor. Ninguém acredita que ele tenha intenções tão modestas (…) Não há nenhuma razão para crer que o ex-presidente tenha adquirido bom senso – ou até boas maneiras – em suas viagens: parece que o Brasil pode-se ver brevemente sujeito à inacessível magalomania de Quadros; às suas ideias demagógicas de tendências nacionalistas; à sua gratuita e brutal rudeza para com aqueles que, brasileiros ou estrangeiros, querem ser seus amigos ou conselheiros e a gestos infantilmente provocativos e impertinentes, como a concessão de uma alta condecoração a Che Guevara. Com certeza, não é fácil ser otimista diante das perspectivas brasileiras se o senhor Quadros retornar ao poder, mas igualmente não seria racional abandonar todas as esperanças e esquecer suas realizações”.

(Trecho do livro “Dossiê Brasil”, esgotado).



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade