PAUSA PARA MEDITAÇÃO : POR QUE CADA UM DE NÓS DEVE SE OLHAR NO ESPELHO TODO DIA DE MANHÃ E DIZER “PATÉTICO!”

seg, 31/08/09
por Geneton Moraes Neto |

“O que é que você vai cantar ? ” – grita o apresentador imaginário do meu programa mambembe de TV. “Nada, nada, nada. Mas prometo fazer perguntas”.

É a única promessa  que o DOSSIÊ GERAL/O BLOG DAS CONFISSÕES pode fazer de público: perguntar. 

E, claro, agradecer: o recém-inaugurado DOSSIÊ GERAL não pode deixar de dizer obrigado a todos os que se deram ao trabalho de ler e comentar o primeiro post. É o que chamo de “multidão incalculável”. Thank you very much indeed! Prometo sangue, suor e lágrimas daqui pra frente : indiscrições, confissões, revelações que vi e ouvi por esse tempo todo.

A cena: Nélson Rodrigues observa, em silêncio, o repórter Joel Silveira dedilhando o teclado da máquina de escrever. De repente, pronuncia a palavra que Joel guardaria para o resto da vida

A quem interessar possa, o autor do blog declara, desde já, que se considera patético.

“….Mas patético ?” – há de perguntar o comentarista sentado na quarta cadeira da primeira fileira. “Para que tanta autoflagelação ? Isso é ridículo! “.

Não é autoflagelação nem falsa modéstia. É apenas uma lição que aprendi de um dos meus mestres: o Dr. Joel Silveira, o maior repórter brasileiro. Ponto. Parágrafo.

GMN )

Joel Silveira ( foto: GMN )

A cena: Joel Silveira estava numa redação de jornal, cem por cento compenetrado diante do teclado da máquina de escrever. Os neurônios ferviam em busca da frase perfeita.

Quem visse o ar circunspecto de Joel imaginaria que ele estava cometendo uma obra-prima universal, um esplendor que faria ”A Montanha Mágica” parecer um amontoado lastimável de sujeitos,verbos e predicados.

De repente, Nelson Rodrigues faz uma aparição. Sem pronunciar uma palavra, fica admirando, à distância, o embate de Joel com o teclado. Os dois trabalhavam no mesmo jornal. Depois de contemplar a cena em silêncio, Nélson Rodrigues pronuncia a palavra que ficaria guardada para sempre nos tímpanos de Joel:

- “Patético !”

 Em seguida, bate em retirada. Deixou atrás de si o eco produzido por oito letras : “Patético !”.  Joel – um grande jornalista que tinha a imensa virtude de não se levar cem por cento a sério – aprendeu a lição: eu sou, tu és, ele é, nós somos, vós sois, eles são… patéticos! 

Um ritual diário diante do espelho: o antídoto perfeito contra o pecado da pretensão e da vaidade   

A consciência de que, em última instância, somos todos patéticos serve de antídoto contra um veneno mortal : o da pretensão. Que se diga: a pretensão descabida e a vaidade delirante são duas doenças que acometem, com incrível frequência, esta raça esquisita – a dos jornalistas.

Só há um remédio: repetir a palavra “patético!” até que as mandíbulas se cansem. Não é, portanto, um exercício estúpido de autoflagelação : é um belo ritual purificador.

A humanidade daria um salto de qualidade se todos os bípedes humanóides pronunciassem todo dia, logo cedo, diante do espelho, a palavra mágica : “Patético!”, “patético!”, “patético!”.

DOSSIÊ GERAL faz questão – portanto – de iniciar os trabalhos cumprindo o grande ritual de purificação : olha-se no espelho, diz “patético !” e vai para a luta.

Velas ao mar!

A SEGUIR: O RELATO DE UM ENCONTRO COM UM SOLDADO NAZISTA

REVELADO! ATOR DA TV GLOBO PARTICIPOU DA OPERAÇÃO PARA DISFARÇAR SEQUESTRADORES DO EMBAIXADOR AMERICANO NO BRASIL

sáb, 29/08/09
por Geneton Moraes Neto |

Aos fatos:

o ator Carlos Vereza foi convocado por um colega chamado Antero de Oliveira para participar de uma operação sigilosa :  disfarçar um grupo de militantes que precisava sumir do mapa com toda urgência.

Quando chegou ao esconderijo, Vereza encontrou, entre outros, um jornalista que tinha aderido à guerrilha. Chamava-se Fernando Gabeira.  Militante do Partido Comunista, Vereza pintou os cabelos dos guerrilheiros. Quem tinha cabelos pretos – como Gabeira – virou louro. Quem era louro ganhou uma tintura preta.

Vereza não sabia, mas aqueles militantes estavam diretamente envolvidos na mais espetacular ação de guerrilha perpetrada contra o regime militar brasileiro : o sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbrick.

revelação sobre bastidores da guerrilha

Carlos Vereza : revelação sobre bastidores da guerrilha

O regime militar tinha aceitado a principal exigência dos sequestradores : libertar quinze presos políticos. O embaixador já fora libertado. Agora, os sequestradores precisavam se esconder. O ano: 1969. O mês: setembro. Faz exatamente quarenta anos. Durante todo este tempo, a participação do ator na operação ficou guardada em segredo.

Quem fez a revelação sobre o surpreendente papel desempenhado por Vereza na “operação disfarce” foi o próprio Gabeira – numa longa entrevista concedida ao locutor-que-vos-fala. As horas e horas de gravação renderam um livro : “DOSSIÊ GABEIRA : O FILME QUE NUNCA FOI FEITO” (Editora Globo).

Gilvan Barreto/Divulgação Editora Globo)

Fernando Gabeira, na gravação da entrevista (foto: Gilvan Barreto/Divulgação Editora Globo)

 

Sou suspeitíssimo para falar, mas é um balanço sincero e provocativo sobre a luta armada, a guerrilha, o sequestro, o exílio, a militância. O que me moveu a fazer a entrevista foi o interesse – puramente jornalístico – por um personagem que viveu uma grande aventura. Como personagem jornalístico, Gabeira me interessa tanto quanto um militar que tenha combatido guerrilheiros.

Pausa para uma rapidíssima meditação: em meus momentos de abatimento profissional, sou levado a crer que uma das poucas coisas úteis que o jornalismo pode fazer é produzir memória. Voilà. É o que me leva a incomodar os outros com meu velho gravador. Ponto. Parágrafo.

A participação do ator Carlos Vereza na “operação disfarce” foi um segredo que durou quarenta anos

Procuro Carlos Vereza, em cartaz na tela da TV Globo na novela “Paraíso” .  O homem confirma a história. O depoimento do ator que virou maquiador de guerrilheiros por um dia ocupa um capítulo do “DOSSIÊ GABEIRA”.   Entre outras coisas, o ator declara, a quem interessar possa:

1. “É a primeira vez que conto o que aconteceu.  Um colega chamado Antero de Oliveira me disse : “Vereza, conheço um pessoal que precisa fugir. Estão atrás de alguém que possa disfarçá-los”.

2.”Era introspectivo. Só me relatou que estava precisando arranjar um maquiador. Não falou que ligações ele tinha. O que sei é que ele estava aflito quando fez o pedido”.

3. “Quando cheguei ao endereço, fui levado para dentro – com a vista encoberta. Comecei a cortar e a pintar o cabelo de todo mundo (…) Ajudei a disfarçar uns dez”.

4. “Eu não era ligado aos grupos que fizeram o sequestro. Acredito que tenha sido útil. É um episódio que daria um filme mais contundente do que “O Que é Isso, Companheiro ?”.

5.”Não me arrependo do que fiz. O gesto pode ter sido quixotesco, mas procurava o bem. Nunca me gabei. Fiz o meu dever”.

6.”Hoje, quem analisar politicamente o que aconteceu ali  vai ver que  não tinha sentido. Mas é fácil falar quarenta anos depois! Naquele momento, as opções que um regime totalitário deixava para os jovens eram aquelas”.

7.”Tenho pudor de contar o que a gente faz. Mas,como é uma informação histórica, estou contando”.

8.”Fui, durante quinze anos, membro do Partido Comunista Brasileiro (…) Terminei me afastando quando a União Soviética invadiu a Tchecoslováquia, em 1968, uma atitude totalitária e feia. Aquilo foi me desanimando”.

Boa noite. “DOSSIÊ GERAL : O BLOG DAS CONFISSÕES” acaba de entrar no ar. Fazer jornalismo, em resumo, é dizer a alguém o que ele não sabe. Tentaremos.

Aos fatos, pois !



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