Avanço histórico, uso restrito

qui, 16/05/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Foi anunciado nesta quarta-feira (15) um avanço científico histórico. Células pluripotentes, capazes de se especializar em todos os tecidos do corpo humano, foram clonadas de um ser humano a partir da transferência nuclear de uma célula da pele do corpo de um indivíduo já formado para óvulos não-fertilizados de doadoras, gerando um zigoto em laboratório. Depois de alguns dias, esse zigoto se dividiu e as células foram extraídas e colocadas em condições especificas que permitiram sua multiplicação. A técnica é a mesma usada para a clonagem da ovelha Dolly, em 1996. O feito aconteceu na Universidade de Ciência e Saúde de Oregon, nos EUA, liderada por Shoukhrat Mitalipov, respeitado pesquisador na área de reprodução que já havia clonado um macaco no passado.

O uso médico dessa nova tecnologia me parece restrito. O trabalho de Mitalipov, publicado na famosa revista cientifica “Cell”, talvez não traga nenhum benefício clínico imediato. O significado é mais histórico e o mérito, técnico. Digo isso porque diversos laboratórios tentaram o feito anteriormente, mas ninguém havia conseguido. Conseguir com que o óvulo recipiente do novo núcleo se divida parecia ser algo impraticável em humanos. O truque de Mitalipov foi testar diversas condições em experimentos com macacos, cujos óvulos para pesquisa são muito mais fáceis de conseguir.

Dentre as diversas condições usadas, o grupo descobriu que a adição de cafeína aumenta as chances de sobrevivência das células após a transferência nuclear. Para a surpresa de todos, a eficiência aumentou consideravelmente. Segundo o trabalho, basta seguir as instruções corretamente e dispor de alguns óvulos não-fecundados, doados por alguma mulher que tope se submeter a uma sessão hormonal para induzir ovulação. No trabalho da “Cell”, as doadoras foram pagas para participar da pesquisa. A recompensa financeira por esse tipo de serviço não é consenso entre os cientistas – é proibida no Brasil, inclusive. Além disso, o uso de células germinativas humanas tem implicações éticas, mesmo sendo um material não-fecundado. Talvez por isso, essa tecnologia não seja empregada prontamente em laboratórios acadêmicos de células-tronco. É preciso se associar a clínicas de fertilização in vitro para conseguir material fresco, outro quesito essencial no método de Mitalipov.

Uma forma bem menos controversa de se conseguir células-tronco pluripotentes de humanos foi descrita em 2007 e deu o prêmio Nobel ao pesquisador japonês Shinya Yamanaka ano passado. A tecnologia de Yamanaka é tão poderosa que se tornou um dos campos mais quentes da biologia atual, com implicações enormes para a modelagem de doenças, busca de novas drogas e medicina regenerativa.

Mas será que daria para realmente clonar um ser humano com essa tecnologia? A resposta é sim, da mesma forma que foi feito com a Dolly. Caso o zigoto gerado não fosse destruído para gerar células embrionárias, mas sim transplantado em um útero preparado para uma gravidez, há chances de se desenvolver e gerar um feto. O que aprendemos com outros animais é que esses clones apresentam diversos problemas de saúde e vidas mais curtas do que o normal. Portanto, é possível, mas é injustificável fazer isso com humanos.

Esse post seria publicado em 28/5 e foi antecipado excepcionalmente para comentar o impacto científico da pesquisa da equipe de Shoukhrat Mitalipov.

Por que rimos tanto

ter, 14/05/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Aristóteles imaginava que eram as risadas que nos separavam dos outros animais, e que um bebê não tinha alma até o momento da primeira gargalhada. Aristóteles errou. Humanos não são os únicos animais que dão risadas, mas talvez sejam os únicos que dão risadas através do humor, as risadas sociais.

A questão de por que existe o humor e risadas em sociedades humanas tem desafiado diversos conceitos evolutivos. Seriam as risadas um adaptação evolutiva? Se sim, de onde vieram? Afinal, por que gostamos tanto de rir?

Risadas são um tipo de vocalização humana bem distinta. Existem diferentes tipos de risadas. Tem aquela risada nervosa, constrangedora. Rir de alguém pode ser uma forma de punição, um castigo social. Existe a risada contagiante, impossível de segurar. A risada das piadas ilógicas. E também o tipo de risada sem razão. Essa última é mais estranha, boba. Tem um amigo que sempre que me reencontra diz: “Ai, Alyssão!” e começa a gargalhar. Eu não resisto e gargalhamos juntos por alguns segundos antes de falar qualquer outra coisa… vai entender. Aliás, a risada para ser contagiante precisa de certo “coro” e “timbre”.

Muitos estudiosos têm visto o humor como uma ferramenta que auxilia a sobrevivência de informações sociais importantes. Piadas clássicas ou slogans são exemplos notórios. Essa interpretação é restrita ao tipo de cultura local, afinal o humor varia com a sociedade. Algo engraçado no Japão pode não ter a menor graça no Brasil e vice-versa. A “graça” que acompanha uma risada deu origem a uma das mais interessantes hipóteses sobre o humor e a função da risada dos últimos tempos.

Repare que o sentido de algo “engraçado” pode ser dúbio: significa algo hilário ou um problema, depende do contexto. Porém, muitas vezes, situações problemáticas favorecem o riso. Essa observação pode indicar que as risadas e o humor seriam uma forma de facilitar que humanos consigam concluir tarefas árduas, difíceis intelectualmente ou muito longas. Eu mesmo já me vi rindo sozinho depois de muitas horas de trabalho tentando concluir um relatório ou experimento.

De acordo com essa hipótese, a atração humana pelo humor seria suportada por um sistema de recompensa cerebral, lapidado pela evolução para proteger nossas mentes do acúmulo de erros ao executar algo difícil. Esse sistema tem sido explorado por comediantes no mundo todo, criando expectativas para piadas e frases de efeito ao surpreender o ouvinte com algo inesperado, mas recompensador.

Estudos indicam que rir sozinho não é tão recompensador quanto rir em grupo. A idéia do humor como um “debug” cerebral, favorecendo a colaboração social, é fascinante. Explica, por exemplo, que chimpanzés não dão risadas em grupo porque talvez não tenham o cérebro sofisticado o suficiente para permitir que o humor corra no background, sem distrair ou tirar a atenção de determinada tarefa. Se isso for mesmo verdade, seria possível desenhar experimentos para comprovar ou não essa hipótese. Será que pessoas que costumam resolver muitos problemas complexos riem com mais facilidade? Existem condições humanas onde o humor estaria comprometido, como no espectro autista ou na síndrome de Williams, por exemplo? Vai ser difícil validar essa ideia, mas intuitivamente faz sentido. Não acho que humanos consigam ficar muito tempo sem dar risada, precisamos lubrificar o cérebro e eliminar erros de vez em quando. Da próxima vez que estiver resolvendo um problema complicado, tente rir de alguma coisa. É capaz que depois da risada a solução venha mais facilmente. Rir é o melhor remédio.



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