Por que gostamos tanto de cafuné

ter, 30/04/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Não dá para negar um cafuné. A maioria das pessoas curte relaxar ao receber um carinho ou massagem. O fenômeno não é restrito à nossa espécie.

Nada mais agradável do que ver seu cachorro ou gatinho de estimação se esparramar de prazer ao receber uma carícia na barriga ou fechar os olhos com um cafuné na cabeça. Recentemente, cientistas da Caltech, na Califórnia, conseguiram isolar neurônios que respondem ao cafuné.

O trabalho foi publicado na renomada revista “Nature” em janeiro desse ano e contribui para explicar por que animais, de ratos a humanos, gostam tanto de receber carícias. Descobrir quais são as redes nervosas que respondem a esse estímulo é importante, pois a troca de afeto físico é parte fundamental do comportamento de reforço entre relações pacíficas de indivíduos de um mesmo grupo social.

Pesquisadores já haviam descrito um subtipo específico de células nervosas sensoriais que se localizam logo abaixo da pele e que estão conectados diretamente com a medula espinhal. Para descobrir qual a função desses neurônios, o grupo da Caltech usou técnicas de engenharia genética para gerar um camundongo transgênico cujos neurônios fluorescem quando ativados.

Esses animais foram então testados com diferentes estímulos sensoriais, tais como um breve belisco, uma rápida alfinetada ou uma carícia-massagem feita com um pincel suave. Pois bem, os neurônios foram ativados e fluoresceram apenas com o último estímulo, a carícia. E mais, se o estimulo era muito superficial ou muito forte, não funcionava. Tinha que ser algo gentil, mas com efeito.

Em seguida, os cientistas criaram uma forma de ativar esses neurônios quimicamente, com uma droga, e fizeram o seguinte teste. Primeiro colocaram alguns desses camundongos transgênicos numa gaiola com três quartos, interligados por passagens abertas.

Os animais podiam transitar livremente pelos quartos. No quarto da esquerda os animais tinham acesso à droga que estimulava os neurônios do cafuné e no da direita, uma droga não-funcional. Obviamente esses animais curtiram ficar mais tempo no quarto da esquerda, associando aquele ambiente com a sensação de prazer. O mesmo não aconteceu com camundongos selvagens, não-transgênicos, que não respondiam à droga. Com esse grupo não houve uma preferência por um dos quartos.

O trabalho mostra claramente que esses neurônios transmitem uma sensação de bem-estar para o animal que recebe o carinho. Isso explica o motivo de os animais gostarem tanto de se esfregar um nos outros, é prazeroso.

O trabalho não explica, por exemplo, porque os gatos gostam de se lamber, pois experimentos de autocafuné não foram feitos. Duvido que seriam os mesmos neurônios ativados. Em geral, comportamentos de “autocarícia” estão vinculados à limpeza e retirada de possíveis contaminantes, procedimentos que até as baratas fazem.

É bem provável que existam os mesmos neurônios em humanos. Há evidências de outros laboratórios que essas células nervosas sensoriais existam embaixo de nossas peles, mas ainda não existe prova definitiva. Se estiverem realmente embaixo de nossa pele, imagino que no futuro teremos a criação de uma pílula-do-cafuné, um tipo de droga que estimularia essa sensação de bem-estar. Hum…, não sei não, acho que ainda prefiro uma sessão de massagem tradicional.

Veja o vídeo (em inglês) que aborda a pesquisa da “Nature” clicando aqui.

Foto: Lil Bub, o gato celebridade da internet, recebe carinho de seu dono (France Presse)

O cérebro da mosca fala sobre o envelhecimento humano

ter, 16/04/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

O cérebro de uma mosca-de-fruta contém aproximadamente 100 mil neurônios. É capaz de realizar movimentos e cálculos altamente complexos, impossíveis de serem simulados mesmo unindo a capacidade de todos os computadores já construídos pelo homem.

Entre esses neurônios, a maioria está programada para responder a estímulos do ambiente de forma inata. É o caso da atração ao açúcar. Moscas-de-fruta são espontaneamente atraídas por uma banana e não tiveram que aprender isso com a mosca-mãe, nasceram sabendo. Porém, existe um grupo de aproximadamente 5 mil neurônios, conhecidos como neurônios-cogumelo, que são responsáveis pela formação de novas memórias e aprendizados das moscas-de-fruta. Ao providenciar um estímulo negativo, um pequeno choque elétrico, por exemplo, toda vez que entram num ambiente contendo uma banana madura, as moscas deixam de seguir seu instinto após algumas sessões, aprendendo que correm o risco de levar um choque. Esse aprendizado vai contra o desejo inato das moscas de irem atrás do açúcar. Sabemos que são os neurônios-cogumelo quem irão sinalizar perigo e permitir o aprendizado.

Semelhante aos humanos e outros animais, o aprendizado e memória das moscas-de-fruta não é homogêneo. Existem aquelas que aprendem de primeira, assim como existem indivíduos que necessitam de mais sessões para entenderem que o ambiente mudou e não é mais seguro ir atrás daquela apetitosa banana. E alguns raros indivíduos nunca vão aprender. Essa variabilidade cognitiva entre indivíduos geneticamente idênticos, vivendo num mesmo ambiente, em uma população de moscas-de-fruta é um grande mistério. Sabemos que todas tem o mesmo número de neurônios-cogumelos, responsáveis por esse comportamento. Sabemos também que esses neurônios fazem as mesmas conexões nervosas com outras regiões do cérebro. Então, de onde viria essa variação no aprendizado?

Dois trabalhos publicados semana passada trazem uma perspectiva inusitada a essa questão fundamental da neurociência – um deles com importantes consequências sobre o que se sabe a respeito de Alzheimer e Parkinson, doenças que atingem milhões de pessoas no mundo.

No primeiro trabalho, liderado pelo escocês Scott Waddell e publicado na revista “Science”, o grupo procurou saber qual era a assinatura genética que distinguia os neurônios-cogumelo dos outros neurônios do cérebro da mosca. Ao fazerem uma análise conservativa não encontraram nada de especial. Isso porque, em geral, as análises de bioinformática tendem a ignorar grande parte do genoma, o famoso “DNA-lixo”.

Nesse “DNA-lixo” estão escondidos os “genes egoístas”, pedaços de DNA com habilidade transponível e frequentemente conhecidos como os parasitas do genoma. Essa má fama foi cunhada justamente por essa capacidade desses elementos de “pular” de uma região a outra do genoma, duplicando-se em diversas cópias, e afetando genes vizinhos. Pois bem, o grupo de Scott optou por não filtrar esses parasitas durante uma segunda análise e acabou descobrindo que os parasitas genômicos eram justamente o que diferenciavam os neurônios-cogumelo dos outros neurônios no cérebro das moscas.

O trabalho também mostrou que ao “pular” de um lugar a outro no genoma, esses elementos transponíveis acabavam por acertar genes relacionados com memória em aprendizado. A interpretação do grupo seria que a atividade aleatória desses elementos móveis estaria gerando diversidade neuronal a ponto de influenciar o espectro de comportamento dos indivíduos de uma mesma população. As observações foram inspiradas numa teoria revolucionária e que já foi explorada por mim em um texto anterior desse blog.

O outro trabalho, liderado pelo grupo americano de Josh Dubnau e publicado pela revista “Nature Neuroscience”, chegou a uma conclusão semelhante, mas usando o envelhecimento como paradigma. Sabemos que, ao envelhecer, as moscas-de-fruta vão perdendo a memória e capacidade de aprendizado. O mesmo declínio cognitivo acontece com humanos e outros animais, sugerindo que o mecanismo seja conservado entre essas espécies. Ao tentar identificar a assinatura genética responsável pelo declínio dos neurônios-cogumelo, Josh chegou à seguinte observação: ao envelhecer, a atividade dos elementos transponíveis tornava-se maior. Ou seja, neurônios-cogumelo perdem a capacidade de controlar os parasitas genômicos com o tempo. Essa atividade descontrolada estaria correlacionada com a degeneração desses neurônios, algo nunca antes documentado.

O grupo foi mais além. Para mostrar causalidade, conseguiram reprimir parcialmente a atividade desses parasitas genômicos através de ferramentas genéticas, permitindo que as moscas pudessem envelhecer com menor perda cognitiva. As implicações desse trabalho são enormes para o estudo do envelhecimento e de doenças humanas como o mal de Alzheimer ou Parkinson.

Esses dois trabalhos ilustram bem como questões altamente complexas de nosso cérebro podem ser analisadas com organismos mais simples. A descoberta original de que o cérebro é um mosaico genético aconteceu há quase uma década atrás – em um trabalho que minha equipe publicou em 2005 na “Nature” – e desde então pouco progresso tem sido feito em mamíferos. A lentidão está justamente na dificuldade em manipular experimentalmente modelos animais. Além disso, sabemos muito pouco das redes nervosas em camundongos, roedor mais utilizado para estudos desse tipo. Ao utilizar modelos mais simples, como a mosca, esses dois trabalhos abriram uma nova fronteira para as próximas gerações de cientistas, misturando genômica e neurociência. Fascinante.

Crédito da foto: Ettore Balocchi/Licença Creative Commons

Repensando o Dia Mundial do Autismo

ter, 02/04/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Dia 2 de Abril celebra-se o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. A data é referência mundial e diversas cidades do mundo costumam iluminar pontos turísticos com a cor azul – cor escolhida para representar o autismo.

Enquanto muitas entidades buscam atingir uma maior conscientização sobre a condição autista, algo que ainda precisamos melhorar, percebo uma nova reação vinda dos pais e familiares dos autistas: a oportunidade de agradecer a sociedade pelo que tem sido feito pelos autistas.

E não é pouca coisa. Em contraste com doenças que afetam indivíduos adultos, no final da vida produtiva, cada indivíduo autista enfrenta desafios particulares desde a infância. Isso requer um grupo de profissionais especializados que tenham experiência e saibam lidar com indivíduos autistas ao longo de suas vidas. Nos EUA, grande parte do custo vem do governo. Em 2007, o custo estimado foi de 35 bilhões de dólares. Com a elevada frequência de autismo nos dias de hoje (1 a cada 88 pessoas), o custo chegou a 137 bilhões de dólares em 2012. Esse salto enorme assusta e tende a subir. Obviamente o contribuinte e a sociedade como um todo é quem estão arcando com isso.

No Brasil estamos um passo atrás. A lei Berenice Piana, que garante direitos aos autistas, foi aprovada no final do ano passado e transfere a responsabilidade (e a conta) para o governo (entenda-se contribuinte). O autismo também afeta a sociedade de outras formas, retirando pessoas capacitadas do mercado de trabalho, por exemplo. Em geral, um dos pais deixa de trabalhar para se dedicar ao filho autista. Mais que isso, o alto índice de divórcios e instabilidade emocional das famílias com casos de autismo também afetam o crescimento econômico de todo o país.

Além do custo social, o autismo muitas vezes afeta a liberdade alheia em pequenas situações do dia-a-dia: choro no avião, ataques nervosos em lugares públicos, e por aí vai. Essas circunstâncias colocam o autista e suas famílias em situações muitas vezes embaraçosas, pois como a conscientização não é 100%, ainda existe o preconceito. Menino “mimado”, “sem-educação”, “o pai é mole”, “a mãe é fria” e outros comentários são frequentemente ouvidos pelos pais. Porém, a solidariedade também existe e muitas vezes esquecemos de agradecer aqueles que nos cercam, pela paciência, compreensão e principalmente curiosidade. Sim, os olhares podem até incomodar alguns, mas existe aí uma oportunidade de conscientização. Muitas vezes, basta explicar o que está acontecendo para ganhar empatia e ajuda.

Diferentemente de outras condições humanas, os autistas não conseguem lutar pelos próprios direitos. Enquanto não surge um autista famoso, esse grupo permanece sem voz e dependem do apoio e carinho da sociedade. Por isso mesmo conscientização e agradecimento devem andar sempre juntos.



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