Refazendo a evolução humana em camundongos

seg, 18/02/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Cerca de 30 mil anos atrás, uma mutação surgiu em um dos 25 mil genes do genoma humano. Poderia ter sido apenas mais uma das constantes mutações que sofre o genoma humano todos os dias, mas essa foi significante. A alteração genética aconteceu num gene chamado EDAR, num individuo chinês, e rapidamente se espalhou por toda China.

O processo de seleção natural descrito por Darwin se aplica claramente nesse caso: indivíduos com variações vantajosas se reproduzem mais e passam as alterações genéticas para a próxima geração. Variações prejudiciais para os indivíduos não são deixadas para as próximas gerações porque os indivíduos que as carregam têm menos chance de se reproduzir. Descobrir exatamente quais são as variações positivas nos humanos modernos tem sido um grande desafio para os geneticistas, pois, em geral, as modificações genéticas acabam sendo transmitidas junto com outros pedaços de DNA menos importantes que estão próximos fisicamente.

Para saber por que a alteração nesse gene se espalhou de forma tão eficaz na população humana, cientistas criaram um camundongo transgênico, carregando a versão moderna do EDAR. O estudo, publicado essa semana em dois artigos na revista cientifica Cell, é uma grande façanha computacional. Conheci a autora sênior desses trabalhos, Pardis Sabeti, da Universidade Harvard, em 2011, quando fomos premiados juntos pela PopTech. Figura interessante que, quando não está fuçando no genoma humano, toca baixo e canta numa banda alternativa em Boston.

Observando as alterações ocorridas no roedor, é possível especular o que tenha acontecido com os chineses milênios atrás. Animais com versão humana do EDAR nasceram com mais glândulas sudoríparas, o que deve ter contribuído para uma melhor adaptação dos humanos em regiões quentes e úmidas da Ásia, facilitando o resfriamento corporal. Obviamente, esse tipo de observação poderia ter sido apenas um artefato no estudo, afinal um único gene foi modificado no genoma do camundongo. Para confirmar que o efeito desse gene é real, os pesquisadores fizeram uma contagem de glândulas sudoríparas na ponta dos dedos da população chinesa e confirmaram os resultados: indivíduos com a cópia moderna do gene realmente têm essas glândulas em maior número. Além disso, a mutação deve ter deixado as pessoas mais atraentes ao sexo oposto, com cabelos mais fortes e peitos maiores, características também observadas nos animais transgênicos.

A comparação genômica de indivíduos com diferentes origens tem permitido revelar variações genéticas que foram selecionadas nos humanos modernos. Genes envolvidos com densidade dos ossos, absorção de vitamina D, coloração da pele, desenvolvimento cerebral e no sistema imune devem ter sido cruciais para que os humanos se adaptassem a diferentes ambientes e se espalhassem mundo afora. Informações preciosas estão codificadas em nosso genoma e, pela primeira vez, estamos tendo a oportunidade de ler e interpretar esses dados.

Entramos numa nova era genômica, onde se pode comparar milhares de genomas humanos entre si. Esse tipo de trabalho exploratório não requer necessariamente uma hipótese prévia. No caso do trabalho da “Cell”, muitas das alterações encontradas não são necessariamente óbvias e parecem estar envolvidas com modificações mais suaves na expressão de genes vizinhos. Nestes casos, talvez o modelo animal não nos ajude na interpretação. Novos modelos, mais criativos, serão necessários para compreender como os humanos atuais foram lapidados pela evolução e – talvez mais importante ainda – como continuam a ser afetados nos dias de hoje.



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