De olho no futuro

seg, 27/08/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Sempre fui fascinado por olhos, estruturas extremamente complexas que transmitem informações visuais do mundo exterior diretamente ao cérebro. A captura de cada momento da vida é única, individual. Mesmo olhos que não enxergam, choram e transmitem emoções. Para os românticos, olhos são as janelas da alma.

Lembro bem aquela famosa cena do clássico Blade Runner, de 1982, quando os replicantes em busca de respostas para longevidade se encontram com o cientista responsável pela fábrica de olhos. “Eu só faço olhos”, explica o velho oriental numa situação pouco confortável, completando que o processo requer boa dose de design genético.

De fato, os experimentos clássicos do neurocientista Nicholas Dale e da bióloga experimental Elizabeth Jones demonstraram claramente a contribuição genética durante o processo de desenvolvimento do olho em um modelo de estudo com sapos. Descobriram genes envolvidos na formação de olhos quando acionados nos estágios embrionários em células que normalmente levariam ao desenvolvimento da cabeça, criando olhos adicionais nos indivíduos testes.

Mas o processo da geração de olhos requer também pistas químicas, fatores ambientais que, junto com o código genético, auxiliam as células-tronco embrionárias a se especializarem em olhos durante o desenvolvimento. O mais fascinante disso tudo é estamos conseguindo aplicar o conhecimento gerado em modelos experimentais mais simples, como sapos, peixes e moscas-da-fruta, em organismos complexos como mamíferos. Nessa área, destaco o trabalho do japonês Yoshiki Sasai.

Sasai surpreendeu o mundo ao publicar ano passado na famosa revista cientifica “Nature” uma receita para fazer olhos em cultura, em laboratório, usando células-tronco embrionárias. O trabalho é mais do que um exemplo de engenharia de tecidos, ataca uma das questões mais fundamentais da biologia: como algumas células-tronco do embrião se organizam para formar estruturas complexas? O time de Sasai se aproveita de dados gerados de outros organismos para testá-los em células-tronco embrionárias de camundongos ou humanas. É pura tentativa e erro.

Para chegar nesse modelo, Sasai teve que ter um pouco de sensibilidade e perspicácia. Imaginou que o olho não se desenvolve normalmente em cima de uma placa de plástico, como os modelos atuais de laboratório. Por isso, decidiu deixar as células-tronco flutuando em contato com um coquetel de agentes químicos para que elas formassem “corpos embrionários”, o que favorece o aparecimento de estruturas à retina. Essa simples etapa do processo levou cinco anos para ser otimizada. Após algumas semanas em suspensão, as estruturas ficavam aparentes e precisavam ser retiradas do restante de outras células não diferenciadas. Sasai faz isso através de uma microcirurgia embaixo de um microscópio. As estruturas então estão isoladas e prontas para amadurecerem em estufas que simulam as condições ideais do organismo vivo. O passo final foi induzir a retina a autoinvaginar – se dobrar – para dar origem ao copo ocular. A forma que o grupo encontrou de estimular essa invaginação foi através de uma pequena lesão com um pulso de laser. Resta saber se essas estruturas conseguem persistir vivas em cultura tempo suficiente para completar a formação responder à luz. O processo todo foi filmado e modelado por computador. Partes do protocolo podem ser visualizadas aqui.

A aplicação medicina é óbvia. As células que recebem a luz podem ser reconstruídas em laboratório para transplantes, o que pode curar diversos tipos de cegueira. Hoje, as estruturas oculares geradas em laboratório ainda não estão prontas para serem transplantadas. Sabe-se muito pouco sobre como fazer a conexão nervosa entre retina e cérebro. Acredito que a técnica seja muito mais promissora como fonte de tecido para restauração de retinas danificadas em condições como degeneração macular ou retinite pigmentosa. Vale notar que isso já foi conseguido com sucesso em modelos roedores experimentais. Já as doenças que afetam as vias neurais na retina, como o glaucoma, podem ser mais difíceis de curar.

Acredito que as implicações desse tipo de trabalho sejam mais abrangentes do que o uso clinico. Os resultados sugerem que as células-tronco embrionárias possuam a informação necessária para formar tecidos complexos espontaneamente, basta saber como induzi-las. É o começo de uma era importante para a pesquisa com células-tronco.

O dom da dedicação

qua, 15/08/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

A única coisa que separa um amador de um expert é a dedicação. Qualquer um pode ser um gênio se dedicar o tempo apropriado e mantiver o foco em se aprimorar. O melhor de tudo é saber que nunca é tarde.

Sempre ouço pessoas dizendo que não começam a aprender uma nova língua ou um instrumento musical porque deveriam ter iniciado mais cedo, quando crianças. Pior, escuto pessoas extremamente capazes dizendo que não têm talento natural para uma determinada atividade. Muito provavelmente essas pessoas estão enganadas e subestimam a própria capacidade. Se você tiver 30 anos e começar a aprender piano seriamente amanhã, chegará aos 50 anos de idade com 20 anos de prática e poderá ser um prodígio. Se começar com 50, aos 70, será um dos melhores pianistas da terceira idade. A idéia de que qualquer pessoa tem o potencial para se tornar um expert ou adquirir uma habilidade tem recebido cada vez mais fundamentos científicos.

Com exceção das limitações físicas de cada indivíduo, acredita-se que os ditos “dons naturais” sejam mera consequência da capacidade de concentração em uma determinada atividade. O talento parece ser resultado direto da dedicação, ou do desejo de fazer melhor. Em teoria, qualquer pessoa com dedicação suficiente para melhorar em uma atividade ficará melhor nela com o tempo. Essa conclusão vem do trabalho do neurocientista K. Anders Ericsson, da Universidade Estadual da Flórida, nos EUA.

Anders estuda gênios, prodígios e experts por mais de 20 anos. Observando o processo de aprendizagem desses “talentos”, concluiu que não basta apenas a repetição incansável, mas procurar por um nível de controle em cada aspecto da atividade escolhida. Ou seja, cada sessão é uma tentativa de fazer melhor que a anterior. A maioria dos amadores chega somente até um estágio de conforto e não dedica tempo suficiente para melhorar. A falta de ambição nos torna medíocres.

A implicação dessa observação é simples. Qualquer um determinado a gastar mais tempo em uma atividade, procurando melhorar a cada repetição, pode se tornar um expert – brilhante até. Portanto, a parte genética ou o ambiente do indivíduo não contribui mais do que para 1% do sucesso. É possível que esse 1% seja o diferencial para ser o melhor do mundo, mas não contribui para você se tornar brilhante em alguma atividade. Veja no gráfico acima que a maioria das pessoas acaba em três categorias ao começar uma atividade nova: expert, amador ou desistente. Os desistentes são aqueles que decidem que não vale a pena continuar. A classe dos amadores é intrigante, pois são os que ficam satisfeitos com o nível em que estão. Reconhecemos esse padrão quando falam “Sei que poderia fazer isso de outra forma, mas está funcionando assim então não vou mudar”. Em outras palavras, eles passaram a desgastante fase inicial e não querem entrar numa outra fase de estresse.

Ao meu ver, esse é o grande diferencial dos experts. O salto para longe do amadorismo e zona de mediocridade consiste em quebrar a barreira da paixão. A atividade fica tão prazerosa que nos apaixonamos por ela. E é esse sentimento, essa sensação que nos motiva a seguir melhorando.



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