A pele eletrônica e a expansão dos sentidos

ter, 29/05/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

O conceito de uma epiderme inteligente, capaz de adquirir e transmitir informações biológicas tornou-se realidade ano passado, com o desenvolvimento de um tipo de tatuagem flexível criado pelo grupo de bioengenharia da Universidade de Illinois e da Califórnia, em San Diego, nos EUA. O trabalho de Dae Hyeong Kim e seus colegas foi publicado pela revista “Science”. Esse tipo de tecnologia permite o monitoramento da atividade cardíaca, do cérebro ou músculos do corpo humano sem uso de irradiação produzida pelos equipamentos atuais. É a última moda entre os aparatos que fazem a interface corpo-computador.

O grupo conseguiu transformar circuitos eletrônicos para monitoramento de atividades elétricas do corpo em um material ultrafino – da grossura de um fio de cabelo – aplicado na epiderme na forma de uma tatuagem temporária. O material é capaz de dobrar, amassar e esticar junto com a pele humana sem perder a funcionalidade. A novidade permite que médicos diagnostiquem e monitorem seus pacientes de forma não invasiva enquanto fazem qualquer atividade. Ao contrário de protótipos anteriores, o novo material adere à pele sem precisar de adesivos e não causa irritação, podendo ser mantido por períodos longos de tempo. O paciente não mais precisa ficar imobilizado num hospital ou consultório. O uso vai além de arritmia cardíaca, monitoramento de bebês prematuros ou apnéia e pode ser usado inclusive para o estudo de ondas cerebrais. Outra possibilidade é a de usar a tatuagem para estimular contrações musculares de pacientes que passam por reabilitação física.

No trabalho, os autores demonstraram a flexibilidade do material aplicando tatuagens na garganta de pessoas que usavam a voz para jogar videogames. Os sinais capturados contêm informação suficiente para que um software distinga palavras como “esquerda”, “direita”, “acima”, “abaixo” e traduza para o controle de um cursor na tela do computador. Além disso, foi possível incluir sensores para temperatura, LEDs para visualização, fotodetectores para medir a exposição à luz e nano-rádios transmissores e receptores. Devido ao tamanho ultracompacto, a energia pode ser capturada e armazenada através de minúsculas células solares ou transmitida sem fio por um transmissor externo. Apesar dos avanços, o grupo ainda não descobriu como lidar com a descamação natural das células mortas da pele ao longo do tempo, que contribui para que o material desgrude de pois de alguns dias.

No futuro, o objetivo é criar aparatos que permitam uma associação ainda maior com o corpo humano, capazes de assimilar informações químicas pela pele, por exemplo. Esse tipo de design é a prova de que pode-se simular mecanicamente tecidos biológicos sem perder a funcionalidade e promete ajudar no desenvolvimento de vestimentas futurísticas para a integração otimizada com o corpo em movimento.

Posso apostar que esse tipo de tecnologia irá, num futuro bem próximo, fundir-se com as interfaces cérebro-máquina. Recentemente, um artigo publicado na “Nature” por Leigh Hochberg e seus colegas mostrou que pessoas tetraplégicas conseguiram mover braços mecânicos para se alimentar de forma independente usando ondas elétricas cerebrais. Apesar do enorme impacto que esse trabalho possa causar na vida de pessoas altamente debilitadas, os pesquisadores não corrigiram o problema. A interface cérebro-máquina continua apostando numa “cadeira de rodas de luxo”.

Vestimentas usando materiais inteligentes como o descrito acima podem ajudar a manter um estimulo constante no cérebro desses pacientes, mesmo enquanto dormem, procurando instruir regiões saudáveis do cérebro a executar tarefas diversas, como mexer o braço ou as pernas, por exemplo. Vou mais além, essas tatuagens eletrônicas podem até servir como instrumentos de aprendizado, gerando inclusive novos sentidos ao cérebro humano, como visualização de raios ultravioleta ou percepção sonar. Essas são qualidades inexistentes no cérebro humano, mas presentes em animais menos complexos, como abelhas e morcegos. Ao meu ver, seria perfeitamente possível doutrinar o cérebro humano para esse tipo de expansão sensorial usando estímulos contínuos através de uma pele eletrônica.

Nervosinhos têm o pior câncer

qua, 16/05/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Relaxe. Se você é do tipo constantemente preocupado, que briga no transito, discute com o porteiro e se incomoda com o troco em moedas é melhor mudar de atitude o quanto antes. Um estudo publicado em abril pela revista científica “PLoS ONE” mostrou que camundongos com níveis altos de estresse e ansiedade são aqueles que adquirem tipos mais agressivos de câncer de pele depois de exposição a luz ultravioleta.

O diagnóstico e o próprio tratamento de qualquer tipo de câncer já são estressantes por si só. Mas o novo estudo mostra que a personalidade estressada e ansiosa prévia pode agravar a situação, acelerando o processo cancerígeno e perpetuando um ciclo que tende a piorar o quadro clínico.

A correlação foi descoberta quando o grupo da Universidade de Stanford, na Califórnia, liderado por Firdaus Dhgabhar, estudava os níveis naturais de estresse de camundongos colocando-os em um labirinto cheio de passagens falsas. Animais que se aventuram menos pelas áreas escuras e desconhecidas são considerados mais ansiosos e estressados do que aqueles que estavam dispostos a explorar calmamente o novo ambiente. O estresse foi confirmado pelos altos níveis de um hormônio que responde a essas situações específicas, a corticosterona. Em seguida, grupos de animais mais e menos estressados foram submetidos a três doses semanais, de dez minutos cada, de luz ultravioleta, por um período de dez semanas. Seria uma dose de luz ultravioleta equivalente àquelas recebidas pelos desavisados que passam muito tempo na praia sem protetor solar. Como os animais testados não têm pelos, acabam sendo mais susceptíveis a câncer de pele. Eventualmente, depois das sessões, todos os animais desenvolveram câncer de pele. Porém, o grupo dos estressadinhos e ansiosos apresentou mais tumores sólidos, além de um tipo de câncer mais agressivo e invasivo. Os estressados também tinham um número aumentado de células T reguladoras no sangue, associadas à inibição do ataque do sistema imune contra o câncer.

A conexão entre ansiedade e a baixa no mecanismo de defesa do sistema imune é muito bem estabelecida, mas, pela primeira vez, a agressividade do câncer está sendo biologicamente correlacionada com a personalidade altamente ansiosa. A ansiedade pode ser definida como uma sensibilidade extrema à existência de fatores estressantes que sejam percebidos ou antecipados pelo individuo. Já a relação do sistema imune com o estresse é mais complicada. Pode-se dizer que existem dois tipos de estresse, um bom e um ruim. Estresse por um período curto de tempo, como passar por uma prova ou participar de algum teste, pode aumentar a eficácia do seu sistema imune, pois prepara o organismo para a “luta”. Por outro lado, o estresse constante, ocasionado pela perda de um ente querido por exemplo, tende a enfraquecer o sistema imune, afetando a capacidade do organismo de lutar contra alguma doença. Mas qual é o limite saudável do estresse? Como essa resposta é variável e altamente subjetiva, diversos pesquisadores têm optado por trabalhar com ansiedade.

No caso dos camundongos, o estresse vem do equilíbrio entre explorar um ambiente novo em busca de comida e, ao mesmo tempo, tentar se proteger de perigos em potencial presentes num lugar desconhecido. É lógico que, em humanos, o problema é mais complexo e, por isso mesmo, a pesquisa precisa ser validada em pessoas. De qualquer forma, as evidências experimentais nos modelos animais são claras e devem ser levadas em consideração no tratamento do câncer. Segundo o estudo, a recuperação de pacientes com câncer deve ser mais efetiva se reduzirmos o estresse e ansiedade que surgem durante o diagnóstico e tratamento. O uso de drogas ansiolíticas, como o Valium, e de terapias comportamentais por um período curto de tempo surge como uma opção.

Preservar ou não, eis a questão

sex, 04/05/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Todo dia recebo mensagens de pais “grávidos” que perguntam sobre o armazenamento das células do cordão umbilical do futuro bebê. Vale a pena? Serve pra quê, afinal?

A ideia de armazenar as células do recém-nascido para uso posterior existe desde a década de 90. Foi nessa década que os pesquisadores começaram a testar se células-tronco presentes no sangue do cordão umbilical poderiam tratar pacientes que sofriam de certas doenças sanguíneas, como leucemia. Resultados positivos levaram a criação de bancos públicos e privados que oferecem o congelamento das células do cordão. O principio é que o bebê terá acesso a suas próprias células, caso ele ou alguém próximo da família precise de uma infusão.

O processo é relativamente simples, após o nascimento, o cordão é grampeado e cortado na sala cirúrgica. O sangue é então transferido parauma bolsa plástica estéril, identificada e mandada ao laboratório para exames rigorosos, processamento e armazenamento. Não há risco para o bebê ou mãe porque o sangue não é coletado até que o cordão seja cortado. Quando chegam ao laboratório, as células são preparadas para o congelamento e armazenadas em nitrogênio líquido. Em condições ideais de congelamento, as células podem ser preservadas por tempo indeterminado, havendo evidências de células preservadas há mais de 20 anos sem perder a viabilidade.

É indiscutível a importância das células-tronco de cordão umbilical no tratamento de doenças do sangue, mas para tomar a decisão correta se vale a pena armazenar ou não, é preciso primeiro entender as possibilidades de uso das células originadas do cordão umbilical. Existem diversos tipos de células no sangue do cordão umbilical, incluindo células-tronco hematopoiéticas (capazes de formar sangue) e células-tronco mesenquimais (capazes de formar tecidos conjuntivos, como cartilagens). O transplante de células-tronco hematopoiéticas faz sentido quando se procura tratar doenças do sangue. Esses transplantes estão ficando cada vez mais comuns, e sua relevância consiste na dificuldade de se encontrar um doador de medula compatível. Existem diversos protocolos experimentais, testando a eficácia do uso das células do cordão para tratamento de outros tipos de doença.

No Brasil a legislação regulamentou o funcionamento dos bancos de cordão umbilical desde junho de 2004, prevendo bancos públicos e privados. Os bancos públicos funcionam como bancos de doações, ou seja, quando você decide estocar as células de seu filho está fazendo uma doação para um futuro paciente que precise delas e que seja compatível geneticamente. Caso seu filho precise das células no futuro, corre-se o risco de não ter doadores compatíveis naquele momento. Você, muito provavelmente, não receberá as células que doou. Já os bancos privados funcionam como um banco pessoal, você é quem controla quem vai receber as células. Portanto, a menos que você decida doar para outra pessoa, as células estarão à disposição para seu filho ou algum familiar próximo. Em alguns países existem situações híbridas, mas essencialmente as regras são essas: em bancos privados, quem decide o destino final das células é você.

Outras diferenças entre bancos públicos e privados: não são todos os hospitais que aceitam doações públicas e, apesar de serem de graça, é possível que você tenha que pagar algumas taxas se precisar usar células dos bancos no futuro. Bancos privados trabalham com vários hospitais indicados pelo casal e cobram uma taxa de recolhimento e uma anuidade para manter as células congeladas. Os valores variam e planos de saúde provavelmente não vão cobrir essas despesas. Como existem vários bancos privados, uma desvantagem relativa  é que nem todos seguem um protocolo consistente de coleta, processamento e preservação, apesar de todos serem obrigados a seguir a mesma legislação. Neste sentido, existem bancos privados que buscam respaldo de agências regulamentadoras nacionais e internacionais (tais como ISO, ONA, AABB, FACT), que podem ser ainda mais rigorosas que a legislação exige em termos de qualidade e segurança do material armazenado.

Diante destas considerações, uma certeza hoje é que as células-tronco do sangue de cordão umbilical estão bem estabelecidas como fonte alternativa para o tratamento de doenças do sangue e alguns tipos de câncer que necessitam de uma reserva de células previamente coletadas para resgatar a medula óssea após quimioterapia potente. Assim sendo, considerando que o sangue de cordão umbilical é uma fonte de células usualmente descartada e a coleta só pode ser realizada ao nascimento, a decisão pela preservação ou não das células continua uma decisão pessoal de cada família, devendo ser tomada com o máximo de informação possível.



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