A mente futurística: otimistas vivem mais

seg, 25/07/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Leciono neurociências para estudantes das áreas de saúde e costumo começar uma das aulas pedindo para levantarem a mão aqueles que se acham mais inteligente do que a média. Como esperado, a grande maioria das pessoas acredita que se encaixa nos 10% mais espertos do planeta– o que é simplesmente impossível. O mesmo truque aplica-se quando pergunto quem se acha bom motorista, quem tem filho prodígio ou mesmo quem acredita que viverá até os 100 anos. Sempre superestimamos nossa própria capacidade e esperamos que o futuro será muito melhor do que a realidade.

O fenômeno é uma característica tipicamente humana, conhecida como “viés otimista”, atingindo todas as faixas etárias, independente de religião, classe econômica, etc. Vale notar que o pessimismo social, principalmente após um desastre natural (tornado, enchente) ou evento marcante (corrupção, assassinato), pode crescer coletivamente na população. Mas não é sobre isso que estou me referindo, o otimismo pessoal é resistente a tudo.

Essa distorção positiva da realidade tem consequências sérias para o próprio indivíduo: você não se prepara pra uma prova o quanto deveria, não se arrepende de uma decisão errada ou não acha que precisa ir ao médico. Por outro lado, esse otimismo inspira, nos motiva a continuar seguindo em frente ao invés de simplesmente desistir de algo.

A lição é simples, sem otimismo nossos ancestrais estariam acomodados em cavernas, sonhando com dias melhores, e não estariam dispostos a migrar para áreas desconhecidas em busca de melhores condições.

Para progredir na vida, precisamos imaginar realidades alternativas, melhores do que a que temos, e realmente acreditar que possamos atingi-las. Essa fé ajuda a focar nos objetivos e metas individuais. Por isso mesmo, pessoas otimistas tendem a trabalhar mais e a ganhar melhores salários. Também têm melhores poupanças. Apesar de não se divorciarem menos do que os pessimistas, os otimistas têm mais chances de se casar novamente. É o real triunfo da esperança sobre a experiência.

E mesmo que esse otimismo pareça uma ilusão futurística, o fato de ser otimista traz vantagens imediatas. Pesquisas mostram que ter esperanças e imaginar situações melhores mantém a mente livre de estresse e melhora o condicionamento físico. O pensamento positivo é um dos fatores principais para o envelhecimento sadio. Pessoas otimistas com doenças do coração, por exemplo, tendem a cuidar da dieta e fazer mais exercícios do que os pessimistas, reduzindo o risco de uma futura complicação. O mesmo acontece com pacientes com câncer. Os desesperados morrem mais cedo.

Tudo leva a crer que o otimismo estaria estampado geneticamente em nosso genoma, afetando redes neurais específicas. Essa conclusão é de suma importância para psicologia e neurociência: nosso cérebro não reflete apenas o que aconteceu no passado, durante a evolução. Nosso cérebro estaria sendo constantemente modelado pelo futuro.

Fortes evidências de que isso realmente acontece vem de trabalhos que buscam a reconstrução de memórias humanas após acidentes graves. Pessoas que presenciaram momentos dramáticos (de dor ou perda) diluem detalhes importantes dessas memórias com o tempo. Seria como se o cérebro forçasse a mente a esquecer, ou mesmo atenuar, o incidente. Mães em partos traumáticos tentam um segundo filho. Surfistas atacados por tubarão sonham em voltar a surfar no mesmo local. O cérebro não parece ser programado para o replay de memórias traumáticas. O cérebro está programado para memórias futuras, inserindo e deletando informações importantes, criando uma imagem futurística muito melhor do que o passado ou realidade.

Repare que isso acontece conosco o tempo todo, mesmo em ações mundanas, banais. Sempre esperamos mais, algo inusitado, que seremos premiados de alguma forma. Se tivermos que imaginar uma viagem longa de avião, pensamos na comida, no filme, nas pessoas interessantes que vamos conhecer. Nunca pensamos no incômodo das poltronas, nos atrasos, ou no bebê chorão. O mundo do futuro é muito melhor do que a realidade. Nossa tendência otimista parece ser uma consequência de como a evolução selecionou a atual arquitetura do cérebro do homem moderno.

Um ser otimista é um ser que consegue se projetar no futuro. Nesse aspecto, o cérebro humano é extraordinário, uma perfeita máquina do tempo. Pode parecer trivial, mas a capacidade de nos posicionarmos no passado e no futuro foi essencial para nossa sobrevivência. É relativamente simples de entender porque essa habilidade foi selecionada. O planejamento racional, de comida, aquecimento, etc, permite usufruirmos disso tudo em épocas mais difíceis. O mesmo mecanismo nos permite antecipar como as ações que acontecem hoje irão influenciar as futuras gerações. Afinal, se não fosse isso, estaríamos realmente preocupados com o aquecimento global?

A contrapartida dessa vantagem parece ser a aquisição da consciência de que somos mortais. Essa consciência deve ter levado centenas de populações humanas para um beco-evolutivo sem saída. A consciência da morte atrapalha a evolução. Discuti esse ponto anteriormente (clique aqui para ler) e acredito que o fator principal que tenha favorecido o Homo sapiens entre as outras populações humanas foi a paralela evolução da negação da morte. A única forma de obtermos a consciência de viajar mentalmente no tempo foi com o concomitante surgimento do otimismo irracional. A consciência da morte teve que emergir lado-a-lado com nossa persistente habilidade de imaginar um futuro melhor.

E quais seriam as redes neurais responsáveis pelo otimismo humano? A capacidade de imaginar o futuro é codificada parcialmente por uma região do cérebro chamada de hipocampo. Pessoas com danos no hipocampo não conseguem reaver memórias do passado. Também não conseguem projetar imagens ou cenários no futuro. Essas pessoas estão presas no presente. Com o hipocampo intacto, nós transitamos no tempo constantemente: lembramos de uma conversa que tivemos ontem e o que vamos comer no jantar de amanhã. Outras regiões que se mostraram importantes em trabalhos de ressonância magnética foram o córtex prefrontal, a amígdala e o córtex cingulato anterior. Essas regiões são ativadas precisamente quando temos pensamentos positivos e são menos ativas em pessoas altamente deprimidas. Pessoas com depressão moderada são, possivelmente, as mais realistas. É interessante notar que, na ausência de circuitos neuronais que ressoem o otimismo, os humanos seriam todos moderadamente deprimidos.

Por fim, talvez a questão mais relevante pra mim seja como conseguir levar adiante nosso otimismo, sem cairmos na própria armadilha de criar algo irreal. Autoconsciência do otimismo pode ser uma solução. O reconhecimento da própria ilusão otimista pode nos proteger de decisões erradas. Não é ruim pensarmos que viveremos até os 100 anos e buscar motivação para isso. Mas também não é mal começarmos a pagar aquele seguro saúde.

Tenho certeza de que o dia amanhã vai ser ensolarado, com belas ondas quebrando na Califa. Pode ser, mas tenho sempre um tapete de ioga no carro no caso do tempo virar.

Menino-imã ou menino-geleca?

sex, 08/07/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

A notícia circulou na web, canais de TV e o vídeo do garoto gordinho croata de 6 anos, sem camisa e cheio de colheres e panelas grudadas ao corpo virou um viral. Agora aconteceu de novo, dessa vez no Brasil. Mais um relato de um garoto com capacidades de atrair metais. As manchetes de tabloides bizarros postavam que o menino-magneto tinha um “poder extraordinário” de atrair objetos metálicos.

Pode acreditar: não existe nada de magnético nesses superpoderes.

Se realmente fosse um magnetismo, ele não teria que dar uma “ajeitadinha” na postura ou ficar quieto pras coisas não caírem. Os objetos tendem a grudar no peito, na parte de cima, aproveitando-se da curvatura do corpo. Na verdade, ele poderia até pular que as colheres e moedas deveriam continuar presas ao corpo. Além disso, os objetos são lisos, com ampla superfície de contato. O garoto deveria ser capaz de atrair objetos não lisos ou com pouco contato, como uma moeda de ladinho. Outra observação que denuncia os poderes não-magnéticos é sua habilidade de grudar objetos não metálicos como um aparelho celular e o controle remoto da TV. Esses objetos são em sua maioria constituídos de plástico. Então concluo que os poderes do garoto não são relacionados com magnetismo.

Mas então como explicar o fenômeno? O segredo está na pele pegajosa.

Sim, o garoto é muito “grudento”. Substâncias grudentas, como adesivos ou gosma de lesma, são caracterizados por sua propriedade viscoelástica. Imagine aquela gosminha colorida que as crianças adoram, a geleca (perdão aos mais novos, não sei se isso ainda existe!). A geleca é sólida e elástica mas também flui como um líquido viscoso se você grudá-la na parede. A fluidez é conseguida porque o material tem a capacidade de penetrar nos pequenos orifícios da superfície, permitindo que se estabeleçam pontes químicas entre a geleca e a parede. Substâncias pegajosas são aquelas que conseguem estabelecer esse contato químico íntimo com uma superfície, mas que também possuem uma rigidez interna capaz de deformar sem quebrar facilmente.

Nossa pele é, por definição, viscoelástica. E algumas peles são mais grudentas do que outras. Se por um lado você não consegue prender um colher na barriga, já deve ter tido a sensação pegajosa ao se levantar depois de sentar num sofá de plástico na casa de praia da tia. É a experiência natural confirmando a propriedade adesiva da sua pele.

A pele humana é coberta de gordura e óleos, fatores responsáveis pela elasticidade e proteção contra micro-organismos. Quando um objeto liso entra em contato com essa oleosidade da pele, estabelece pontes químicas favorecendo a união pele-objeto. É exatamente isso que aconteceu no caso do garoto croata, do brasileiro e de tantos outros relatos que chamaram menos a atenção da mídia.

A pele desses garotos é jovem, bem mais lisa do que a dos adultos. Os garotos também têm pouco pelos, o que deixa tudo mais grudento. Os objetos grudam. Aliás, o garoto croata relatou que os poderes são melhores quando ele acorda – nada como um suor ao acordar pra dar uma ajudinha.

Pra mim, não existe mistério algum. Quem já viu o truque da colher no nariz já presenciou isso antes. Os casos parecem ser raros ou inusitados porque poucas pessoas gastam seu tempo tentando pendurar colheres na barriga.

‘Fruta do milagre’ transforma gosto azedo em doce

seg, 04/07/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

As descobertas a respeito do gosto continuam surpreendendo cientistas e entusiastas da gastronomia. Esse sentido que parecia ser tão simples, revela-se cada vez mais misterioso. O objetivo dessa coluna é condensar diversas pesquisas recentes sobre o assunto num único texto, sem muito detalhes moleculares para torná-lo mais “digestivo”.

Lembra daquele mapa da língua que aprendemos no colégio, descrevendo que o doce é reconhecido na ponta da língua, amargo nos lados e azedo dos lados? Pois é, está completamente errado. Esse mito começou a ser propagado a partir de um erro de tradução de um trabalho alemão para o inglês. Na verdade, todas as regiões da língua possuem receptores para todos os gostos, a sensitividade sim varia de acordo com a região.

As pequenas saliências na língua não são os receptores dos gostos. Cada papila tem o formato de pequenos cogumelos e acomodam de 50 a 100 receptores. Os nervos que transmitem os sinais dos receptores da língua para o cérebro passam por trás do canal auditivo. Esse atalho anatômico pode ser a razão de algumas infecções no ouvido causadas por alimentos ricos em gorduras, por exemplo. Cerca de 20% da população são considerados como “superdegustadores” pois possuem um número significativamente maior de papilas na língua. Mas esses superdegustadores sofrem de sensitividade aguda, não suportam o gosto de vegetais ricos em nutrientes como o brócolis – muito amargo pra eles. A consequência? São aparentemente mais propensos a desenvolver certos pólipos pré-cancer.

E pra quem não é um superdegustador, o bom gosto começa desde cedo. O sabor de comidas como cenoura, alho e baunilha pode ser sentido pelo feto no líquido amniótico e pelo bebê através do leite materno. O gosto do leite materno é influenciado não só pelo alimento da mãe, mas também por aquilo que ela cheira durante o dia. Os bebês por sua vez, tendem a preferir alimentos ingeridos pelas mães durante a gravidez, provados pela primeira vez no útero.

Todos sabemos reconhecer doce, amargo, salgado e azedo, mas menos conhecido é o quinto elemento: umami. O umami é aquele gosto semelhante ao ajinomoto e outras comidas com alto teor de glutamato. O receptor para umami não se encontra apenas na língua, mas por todo aparelho digestivo. Acredita-se que participa também na digestão e nutrição.

Acredita-se que cada gosto tenha apenas 2-3 tipos de receptores, com exceção do amargo, que possui 25. A razão dessa expansão parece estar relacionada com a proteção contra comida estragada ou envenenada. A maioria dos compostos de plantas venenosas tem gosto amargo.

Doces e álcool ativam o mesmo sistema de recompensa do cérebro. Essa observação foi confirmada de forma independente quando mostrou-se que crianças vindas de famílias com histórico de alcoolismo tinham preferência por sabores intensos de doces. A “larica” de quem consome maconha também pode ser explicada de maneira semelhante: os endocanabinóides (químicos relacionados ao principio ativo da maconha) amplificam o gosto dos doces.

Mas talvez a notícia mais doce do momento seja a fruta africana conhecida como “fruta do milagre”. A fruta contém um tipo de glicoproteina chamada “miraculina” que se associa aos receptores da língua fazendo com que frutas azedas sejam percebidas como doces. Misture sorvete de limão com cerveja preta e tome junto com a miraculina, vai ter gosto de milkshake de chocolate. Esse fenômeno de reorganização dos circuitos neurais do palato dura por apenas algumas horas.

Pesquisadores da Universidade da Flórida, nos EUA, conseguiram clonar o gene que codifica a miraculina em tomates e morangos transgênicos. O objetivo da pesquisa é desenhar frutas com baixo nível de açúcares e vegetais que sejam mais atraentes ao paladar. Obviamente também desenharam adoçantes baseados na fruta, tendo como alvo o público diabético. Doce não?



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