Avanços sobre células-tronco

qua, 22/06/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Acaba de terminar o maior congresso de células-tronco do mundo. Foram 4 dias intensos, com cerca de 3.700 pesquisadores, médicos, pacientes, advogados, repórteres e outros interessados reunidos para discutir como realizar a promessa do uso de células-tronco para curar doenças humanas.

O congresso International Society for Stem Cell Research (ISSCR) aconteceu em Toronto, no Canadá, entre os dias 15 a 18 de junho. A sociedade foi formada em 2003 e desde então tem crescido exponencialmente. Diversas atividades relacionadas, como galerias de fotos microscópicas e outras manifestações artísticas aconteceram em paralelo, reforçando a imagem das células-tronco.

Dessa vez, não faltou homenagem ao Shinya Yamanaka e Kazutoshi Takahashi, descobridores da reprogramação celular e primeiros a gerarem células-tronco induzidas (ou iPS cells, do inglês).

Na parte científica, muitas novidades como a detecção de células-tronco pluripotentes em glândulas mamárias. Controversa e ainda carente de crivo científico, a descoberta nos faz pensar como elas podem ser relacionadas com a alta frequência de câncer de mama.

Cresce nosso conhecimento sobre a manutenção do estado pluripotente e o papel da epigenética – modificações não genéticas no DNA. Aparentemente, sequências repetitivas, antes denominadas de “DNA lixo” têm papel fundamental na estabilidade das redes moleculares que permitem a flexibilidade celular.

Aliás, flexibilidade celular é o que não faltou. Um grupo do Instituto Salk anunciou a transformação de certas células do cordão umbilical em neurônios. A fórmula? A simples expressão de um único fator de transcrição, o Sox2, consegue fazer o truque.

Entender como isso acontece realmente dentro da célula é outra história. Aliás, talvez a reprogramação celular aconteça independentemente a fatores genéticos, usando apenas moléculas sintéticas.

A parte de transplante celular caminha devagar. A razão da cautela foi tema da aula de Irving Weissman, professor na Universidade de Stanford, na Califórnia. Segundo ele, o turismo em busca da cura a partir de células-tronco é uma prática ilegal e que aquece a economia de muitas clínicas clandestinas.

O tratamento com transplante de células-tronco está ainda restrito a algumas doenças do sangue, o resto é experimental e nada deve ser cobrado dos pacientes por participação. Clínicas suspeitas podem ser denunciadas na página da ISSCR.

Nessa área, ressalto o valor do pessoal da bioengenharia de materiais nessa área. A união da bioengenharia com a biologia tem gerado resultados interessantes na geração de tecidos tridimensionais para transplante.

Impressionou a participação dos cientistas brasileiros. O português era um dos 20 idiomas que se ouvia pelos corredores. E foi exatamente de um brasileiro a melhor contribuição na parte de modelagem de doenças usando as células iPS.

A boa noticia veio do trabalho do agora doutor, Miguel Mitne-Neto, aluno da Dra. Mayana Zatz, do Instituto do Genoma na USP. Durante seu estágio na Califórnia, Miguel usou células da pele de pacientes brasileiros com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) para gerar células iPS.

A partir daí, diferenciou as células em neurônios motores. Foram 4 pacientes e 3 irmãos não afetados, vindos de duas famílias distintas que foram estudados. Os resultados mostraram que nesse tipo familiar de ELA, a proteína VAPB estaria em níveis reduzidos nos neurônios motores. Essa proteína está relacionada, entre outras coisas, à qualidade da junção neuro-muscular, o que pode explicar os sintomas da doença.

O modelo celular pode agora ser utilizado como matéria prima para a busca de novos medicamentos capazes de aumentar a produção da VAPB nos neurônios motores dos pacientes, algo impensável há alguns anos atrás. O trabalho, publicado na revista Human Molecular Genetics está acessível gratuitamente (por enquanto) no site.

O trabalho de Miguel impressionou até os concorrentes de Harvard, que haviam derivados células iPS de pacientes com ELA em 2008 e desde então não tinham reportado nenhum avanço. Pra mim, esse é um típico exemplo de como o Brasil tem potencial de competir em áreas extremamente quentes utilizando aquilo que tem de mais precioso: a colaboração entre seus cientistas e a preciosa carga genética do país.

O avanço brasileiro tem agradado a ISSCR, que decidiu apoiar iniciativas no Brasil no ano que vem. Vai levar um tempo, mas vamos mostrar que o Brasil não é só futebol, temos craques na ciência também!



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