Mães magras, crianças obesas

seg, 25/04/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

A obesidade tem crescido em diversos países, não importa o nível de desenvolvimento. Difícil de explicar o fenômeno apenas pelo tipo de dieta ou mesmo pela genética. Novos estudos tem apontado para um novo fator associado à obesidade: penduricalhos genéticos! Isso mesmo, moléculas que grudam na fita de DNA e podem ser transmitidas da mãe para a criança, ainda no útero. Esse mecanismo pode explicar como as refeições feitas pela mulher grávida podem influenciar no peso do filho, mesmo quando esse se tornar um adulto.

A suspeita de que a dieta materna poderia influenciar o peso dos futuros filhos começou em 1976. Durante a segunda guerra mundial, os alemães cortaram o suprimento alimentar no oeste da Holanda, o que fez com que as mulheres daquela região passassem fome. Pessoas nascidas das mulheres que estavam grávidas e passaram fome naquele período tinham mais chances de se tornar obesas quando adultas. Essa observação foi reproduzida num ambiente controlado de laboratório. Ratas grávidas que tem acesso a pouca comida durante a gestação produzem ninhadas que geram ratos adultos obesos. Uma possível explicação para esse fato parece ser que as mães estariam preparando de forma inconsciente os futuros filhos para crescer num ambiente com pouca comida, aumentando o apetite e capacidade de estocar gordura da ninhada. Mas num ambiente com comida suficiente essas crianças acabam por se tornar indivíduos obesos.

Esse “preparação” durante a gestação pode ser decorrente a um fenômeno conhecido como epigenética. O termo epigenética tem significado diferente dependendo do tipo de pesquisa cientifica. Aqui, epigenética é definida como a capacidade de se transmitir informação hereditária que não seja por alterações no código genético. Isso pode acontecer através de penduricalhos químicos, conhecidos como grupos metil, que se associam à dupla-hélice do DNA e regulam a atividade de certos genes. Em 2005, um grupo da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, mostrou que era possível prevenir a obesidade das ninhadas das ratas magras removendo os grupos metil do DNA. Estudos recentes tentam mostrar que o mesmo mecanismo ocorre em humanos. Nessas pesquisas, foi demonstrado que o nível de metilação do DNA de indivíduos adultos estaria correlacionado com a obesidade. Obviamente, não é possível concluir se essas alterações foram causa ou conseqüência da obesidade.

Para determinar se as mudanças epigenéticas poderiam estimular a obesidade em humanos, pesquisadores ingleses da Universidade de Southampton analisaram a dieta de 78 mulheres grávidas. Os questionários foram validados através da detecção de vestígios de certas comidas em um exame de sangue. Quando os bebês nasceram, o DNA foi extraído do cordão umbilical e a metilação em diversos genes analisadas. Nove anos mais tarde, eles mediram o total de gordura no corpo das crianças. Concluíram que crianças com mais grupos metil associados próximos ao gene RXR-alpha, envolvido com o desenvolvimento de células de gordura e metabolismo, tinham mais chances de serem obesas as nove anos de idade.

O trabalho foi repetido, dessa vez com 239 grávidas e comparando os dados com as crianças aos seis anos de idade (Godfrey e colegas, Diabetes 2011). A conclusão foi a mesma: quando a porcentagem de metilação do gene RXR-alpha subia de 40% para 80%, a porcentagem de gordura corpórea nas crianças pulava de 17% para 21%. Os autores do trabalho suspeitam que a presença dos grupos metil esteja inibindo a ação do gene RXR-alpha, levando à obesidade. Infelizmente, essa estatística não explica tudo. Foram analisados outros genes relacionados ao estoque de gordura e nenhuma relação foi encontrada. Mas o grupo descobriu que a razão das altas taxas de grupos metil no gene RXR-alpha parece estar relacionada com a dieta de baixas calorias durante os primeiros meses de gestação.

Em alguns países, é comum mulheres grávidas seguirem uma dieta de baixas calorias, tipo Atkins. Esse tipo de comportamento pode sinalizar um sinal de fome ao feto, deixando a futura criança com um metabolismo deslocado do mundo “rico em caloria” que vai nascer. Esse tipo de pensamento pode explicar fenômenos de obesidade epidêmica em países como a China, onde os filhos de mães mal-nutridas são hoje adultos obesos. Mesmo assim, ainda não dá pra ter certeza absoluta de que a dieta das mães esteja realmente alterando a epigenética do feto. Pode muito bem ser algum outro fator ambiental ainda desconhecido.

Para mim, a parte mais interessante disso tudo é saber que já temos um marcador epigenético capaz de prever, ao nascer, as chances do indivíduo ser obeso. É mais uma evidência de que o ambiente fetal estaria afetando o desenvolvimento da prole, mesmo anos depois. Não dá mais pra pensar em obesidade como sendo uma questão puramente genética e determinista. Pode-se agora pensar em formas de se alterar essa informação nos primeiros meses de vida da criança, usando, por exemplo, o acido fólico, um micronutriente que altera as modificações epigenéticas.

Repensando a esquizofrenia

qui, 14/04/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Seria a esquizofrenia uma forma de “autismo adolescente”? A pergunta pode soar como blasfêmia entre psiquiatras e psicólogos, mas a ciência tem desafiado definições clinicas e apontando para novas formas de se pensar as doenças mentais. Um trabalho publicado essa semana pelo grupo do Instituto Salk, na Califórnia, entra de cabeça nessa linha de pensamento e promete chacoalhar esse campo de pesquisa (Brennand e colegas, Nature 2011).

A esquizofrenia é uma síndrome, uma coleção de sintomas de origem desconhecida, predominantemente definida pela presença de sinais de psicose como alucinações ou desilusões paranoicas. Acontece com frequência durante a adolescência e afeta cerca de 1% da população mundial. A origem da palavra esquizofrenia alude à separação (“esquizo”) da mente (“frenia”) frente a realidade. São diversos os exemplos de esquizofrenia na história humana. No Brasil colônia, atribui-se o “banzo” (termo de possível origem africana que significa meditação ou introspecção) a doenças mentais como a esquizofrenia, para justificar a alta incidência de suicídio entre os escravos. É provável que essa melancolia depressiva e esquizofrênica tenha origem nas condições desumanas a que eram submetidos, na desnutrição ou mesmo no alto consumo de álcool e maconha (ambos já relacionados à indução precoce de esquizofrenia).

Para tentar entender como a esquizofrenia afeta as redes neuronais, o grupo do Instituto Salk usou uma estratégia descrita anteriormente pelo nosso grupo para uma síndrome com base genética definida do espectro autista (Marchetto e colegas, Cell 2010) (https://g1.globo.com/platb/espiral/2010/11/29/combatendo-o-autismo-consertando-um-neuronio-de-cada-vez/). Basicamente, a ideia é reprogramar células somáticas de pacientes para um estágio pluripotente e então induzir a especialização neuronal. Compara-se então neurônios derivados de diferentes pacientes esquizofrênicos com neurônios derivados de indivíduos não-afetados. Esse tipo de estratégia elimina qualquer influência ambiental, pois os neurônios estão se desenvolvendo em um ambiente controlado em laboratório.

Não foi fácil encontrar diferenças entre o grupo esquizofrênico e o grupo controle. A primeira observação foi a de que os processos ou arborizações neuronais seriam menores em neurônios derivados dos pacientes. Isso é bem semelhante ao que descrevemos previamente para neurônios obtidos de pacientes com o espectro autista, sugerindo vias moleculares semelhantes entre as duas síndromes. Mas a grande surpresa veio quando o grupo usou um tipo de vírus da raiva modificado, que é transportado entre as conexões neuronais, as sinapses. Usando essa ferramenta, eles conseguiram demonstrar que “neurônios esquizofrênicos” estabelecem menos contatos sinápticos do que neurônios normais. Esse defeito pode ser consertado após tratamento com a droga anti-psicótica Loxapine.

Existem alguns pontos críticos nesse trabalho que merecem ser analisados com certa cautela. Primeiro, as análises genéticas de cada paciente sugerem que cada um tem um tipo diferente de esquizofrenia. Mesmo assim, todos os neurônios se comportaram de maneira semelhante, o que é, no mínimo, fascinante. Segundo, a maior diferença encontrada está baseada num ensaio biológico pouco conhecido: ninguém sabe realmente como o vírus da raiva é repassado de neurônio para neurônio. Mais problemático ao meu ver, é a falta de concordância com os dados de eletrofisiologia que, basicamente, estariam medindo a mesma coisa. Os autores não explicam muito bem esse ponto e escapam pela tangente, atribuindo as discrepâncias aos diferentes métodos usados e sugerem futuras investigações.

De qualquer forma, os resultados suportam as evidências recentes de que, assim como o autismo, a esquizofrenia pode ser modelada com redes neurais humanas. Isso é forte argumento contra fatores ambientais e sugere que a doença é, em si, neurológica e não psiquiátrica. Esse nova forma de repensar doenças psiquiátricas deve ter um impacto imediato na medicina (novos tratamentos) e na sociedade (contribuição da redução do estigma em doenças mentais).

Na medicina, antecipo o uso de neurônios derivados de pacientes esquizofrênicos sendo usados para triagem de novos medicamentos que consigam corrigir os defeitos sinápticos. Tão importante quanto, visualizo o uso dessas redes neuronais como ferramenta crucial para entendermos os mecanismos que induzem a esquizofrenia. Por exemplo, pela primeira vez na história, pode-se testar qual o real impacto de componentes da maconha em redes neuronais humanas num ambiente controlado. No Brasil, pelo menos um grupo já publicou ser capaz de reprogramar células humanas, tornando o país mais competitivo  nessa área (https://g1.globo.com/platb/espiral/2011/03/17/pesquisa-de-ponta-no-brasil/).

A contribuição social virá através da queda do estigma psiquiátrico, deixando de atrapalhar o diagnóstico e o tratamento sério. Por causa disso mesmo, lanço uma proposta ao Ministério da Saúde para mudarmos o nome da síndrome em Português, da mesma forma como foi feito no Japão. Em 2002, os japoneses trocaram o termo que utilizam para designar esquizofrenia de “Seishin-Bunretsu-Byo” (doença da mente ausente – tradução livre minha) para o oficial “Togo-Shitcho-Sho” (síndrome de integração). Fica registrada a ideia.

Um dia azul

sáb, 02/04/11
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Dia 2 de Abril é o dia mundial de conscientização do autismo, data que tem o suporte da Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2008. Pela primeira vez, o Brasil entra oficialmente nesse roteiro mundial e celebra iluminando monumentos e prédios importantes em diversas cidades com a cor azul – a cor escolhida para representar essa síndrome.

De forma simplista, as síndromes do espectro autista revelam comportamentos comuns: a dificuldade no relacionamento social, na linguagem e movimentos repetitivos. O termo “espectro” sugere justamente que esses comportamentos são extremamente variáveis de pessoa para pessoa. O fato de ser uma síndrome que começa relativamente cedo, durante o desenvolvimento infantil, traz conseqüências sérias para paciente, familiares e estado.

O autismo é um espectro de síndromes com forte contribuição genética e hereditária. Afeta cerca de uma em cada cem crianças nos EUA e provavelmente uma incidência semelhante no mundo todo. Uma incidência bem mais alta que a maioria das outras síndromes infantis. A genética do autismo é complicada e já foram descrito cerca de 300 genes envolvidos com o espectro. Existem casos mais simples, causados por mutações em apenas um gene, responsável pela regulação de outros genes em uma cascata molecular. Mas esses são casos mais raros, em geral, mais agressivos. Na maioria dos pacientes, são mais de um os genes afetados.

Além disso, soma-se a contribuição das mutações esporádicas, que acontecem o tempo todo e em todos os indivíduos, mas pode fazer a diferença naqueles que já possuem predisposição. Modelos matemáticos, baseados em dados da literatura, estimam que haja uma interação de entre três e dez genes, afetando de duas a três vias metabólicas importantes para o desenvolvimento cerebral. Fica difícil de identificar a forma que como o autismo é transmitido hereditariamente e é praticamente impossível de se conseguir um método de diagnóstico genético com as técnicas atuais.

Esse cenário complexo e confuso dá oportunidade à “razão emocional”. Vacinas, preservativos, falta de amor ou qualquer outro fator são acusados de estarem associados ao autismo. Levam-se anos para desmistificar algumas dessas associações precipitadas, perdendo verbas que poderiam servir para projetos científicos mais fundamentados.

O que pode ser feito para ajudar? A conscientização é o primeiro passo. Organizações de pais são muito importantes para manter a pesquisa viva. Nos EUA, diversas associações de pais e pacientes participam na arrecadação de fundos para a pesquisa. Pode parecer pouco, mas se conseguirmos pagar o salário de mais um pesquisador na área por um ano, a pesquisa acelera de forma significativa. No Brasil, destaco a Revista Autismo (https://revistaautismo.com.br/) que, embora jovem, já causa um impacto na comunidade brasileira e internacional.

A boa notícia é que o autismo não é neurodegenerativo, ou seja, não existe “perda” de neurônios com o tempo. Na verdade, crianças que são diagnosticas cedo e entram num programa de tratamento e estímulos têm mais chances de se recuperar. Essa reação do cérebro faz parte do fenômeno de plasticidade neuronal. Da mesma forma que acontece nos pacientes, neurônios derivados de crianças afetadas possuem o potencial de reverter esse “estado autista”, comportando-se como se fossem neurônios sadios. Medicamentos que possam acelerar o processo estão sendo pesquisados e as perspectivas são positivas. Existe razão para manter o otimismo alto.



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