Como o cérebro percebe o tempo

seg, 18/01/10
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

tempo_595_700O ano de 2010 chegou como uma surpresa para muita gente. Quer dizer que os anos 90 já passaram? Uma década. Mesmo?

Pois é, passou rápido, como se tivéssemos adiantado o filme da vida. Esse sentimento é, em geral, mais forte em dezembro e janeiro. É aí que percebemos que não conseguimos realizar alguns de nossos objetivos para o ano novo, os velhos hábitos continuam, aquela prometida viagem não aconteceu. A academia, aqueles livros, ficaram para o próximo ano.

A sensação do tempo passando é relativa. Depende de uma série de variáveis, incluindo como você lida com a situação. A verdade é que a ciência ainda não tem uma resposta conclusiva sobre como isso ocorre em nosso cérebro. Uma teoria sugere que existam algumas células nervosas especializadas em contar intervalos de tempo. Outra sugere que existe uma série de redes neuronais responsáveis por processos fisiológicos que agiriam como um relógio interno.

De qualquer forma, ambas as teorias concordam que o cérebro não consegue calibrar corretamente eventos que acontecem em intervalos de tempo distantes entre si. Dados experimentais sugerem que o cérebro interpreta o tempo passando mais rapidamente caso você esteja envolvido em uma tarefa desafiadora, que requer mais de você. Estimulantes, como a cafeína, tendem a induzir a sensação de que o tempo passa mais rápido. Por outro lado, trabalhos complexos, mas enfadonhos, causam a sensação de que o tempo se arrasta lentamente.

Além disso, eventos emocionais, como a morte de um parente querido, parecem mais recentes do que realmente são. Às vezes, nosso cérebro erra por meses, ou até anos. Segundo o filósofo Martin Heidegger, o tempo persiste meramente como uma consequência de diversos eventos. Parece óbvio, mas a ciência tem mostrado que o inverso também é verdadeiro: se poucos eventos vêem à mente, então a percepção do tempo não persiste. Ou seja, o cérebro subestima a passagem do tempo.

Experimentos feitos com estudantes universitários testaram a habilidade do cérebro de estimar quando um determinado evento havia realmente ocorrido. Foram usados exemplos populares do noticiário da TV americana, como a morte de um artista famoso ou a renúncia de um político. Em média, os estudantes subestimaram por três meses quanto tempo havia passado desde o episódio real.

Esses dados não foram vistos como uma total surpresa. Num exemplo clássico, o explorador Frances Michel Siffre viveu durante 2 meses dentro de uma caverna, isolado do exterior e sem dicas de passagem do tempo, como algum resquício da luz do dia. Ao final do período, estava convencido de que havia ficado apenas 25 dias. Sem evidências externas, o cérebro tende a condensar o tempo.

Interessante notar que a forma pela qual o cérebro fixa o tempo relativo dos eventos é por meio da memória. Assim, quanto mais memórias os estudantes do estudo acima tinham sobre determinado evento, menos precisa ficava a estimativa do cérebro. É mesmo contraintuitivo: quando mais memórias associadas sobre um determinado evento, mais longe parece estar o evento original.

Se esse mecanismo é conservado entre as espécies, é possível que alguns animais não sintam a passagem do tempo como nós, pois não têm o mesmo tipo de memória de longo prazo. Ou seja, não têm consciência temporal. Para um peixe-dourado, cuja memória dura alguns segundos, o tempo não passa, só existe presente.

Essa mesma dinâmica pode explicar por que parece que os filhos dos outros envelhecem mais rapidamente do que os nossos. Ora, os pais acompanham cada resfriado, prova de escola e birra dos próprios filhos, unindo uma série de memórias ou estímulos contínuos. Com os filhos dos outros, o número de eventos associados a eles é reduzido.

Isso explica a sensação de aceleramento do tempo em janeiro. Resoluções do ano passado que foram esquecidas representam apenas um único estímulo de memória. Ao contrário, as resoluções que saíram do papel e realmente entraram em prática serviram como estímulos independentes, desacelerando o tempo. Enfim, se essa década de 90 passou rápido para você, talvez esteja na hora de parar de sonhar e concretizar novos desafios.

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Caranguejo samurai e o futuro do homem

seg, 04/01/10
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

caranguejo_270_169A manhã chegou fria e cinza, com ondas que previam a chegada da tempestade. O ano é 1185 e com os navios chegavam sussurros de  vozes humanas numa pequena baia, ao sul do Japão, conhecida como Dan-no-ura. O imperador Antoku, então com aproximadamente 9 anos de idade, avistou as bandeiras nos navios e logo compreendeu que iria morrer, assim como milhares de outros que viviam sob seu comando.

Foram quase 50 anos até esse confronto. De um lado, os Heike, da Casa de Taira; de outro, os guerreiros Genji, do clã Miyamoto. A disputa era, nada menos, pelo controle do mundo (ou pelo menos do mundo conhecido na época). Ambos se achavam com direitos ancestrais ao trono imperial. De um lado, mil navios de Heike, lotados de samurais prontos para a luta. De outro, três mil navios de Genji, estrategicamente melhor colocados.

A avó de Antoku, Nu, recolhe o pequeno imperador em seus braços e o leva para um outro reino, no fundo do mar, eliminando o último suspiro de esperança dos Heike. Muitos samurais Heike, leais ao seu imperador, optam por se atirar ao mar, morrendo afogados. O massacre que aconteceu em seguida foi rápido e brutal, consagrando os Genji como futuros governantes do Japão.

A história acima é real. A vitória dos Genji marca a transferência do poder da aristocracia para a classe guerreira, começando o período de liderança militar japonesa, ou shogunato. Toda a armada Heike foi destruída – só sobreviveram algumas mulheres. Essas damas da corte imperial viram-se forçadas a prestar favores aos pescadores da costa, perto do palco da batalha. Interessante notar que os pescadores dizem que os samurais Heike continuam vivos no fundo do mar, sob a forma de caranguejos.

De fato encontram-se neste local caranguejos com marcas e recortes que se assemelham ao rosto de um samurai Heike. Quando coletam esses caranguejos, os pescadores não os comem, mas os retornam ao mar, em respeito aos trágicos acontecimentos de Dan-no-ura.

Mas como é que a cara de um samurai foi aparecer na carapaça de um caranguejo?
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Uma das explicações parece ser que essa característica é consequência direta da influência humana. As marcas da carapaça dos caranguejos são hereditárias. Tal como nas pessoas, existem muitas linhas genéticas nos caranguejos, contribuindo para uma enorme diversidade de formas. Imagine agora que, entre os antepassados desse caranguejo, surja por acaso um indivíduo que se assemelhe a um rosto humano.

É possível que os pescadores, ao se depararem com essa forma, relutem em comê-los, devolvendo-os ao mar. Seja por respeito ou sentimentos anti-canibalísticos, essa seleção dos pescadores inicia um curioso processo evolutivo: caranguejos normais servirão de alimento aos humanos e a linhagem terá menos chances de deixar descendentes. Por outro lado, caranguejos que se assemelhem a um rosto humano serão devolvidos intactos e terão maiores chances de gerar outros da mesma linhagem.

Imagine esse processo repetindo-se ao longo de muitos anos, diversas gerações de caranguejos e de pescadores. Vemos a sobrevivência preferencial de caranguejos com face humana caminhando com a transmissão cultural humana, histórias da batalha de Dan-on-ura e lealdade de seus samurais. Num determinado momento, só restariam caranguejos não apenas com uma face humana estampada nas costas, mas com a face de um furioso samurai Heike do Japão medieval. Repare que em nenhum momento a seleção fora baseada em alguma característica vantajosa para os caranguejos samurais. A seleção foi imposta do exterior, realizada inconscientemente pelos pescadores – e sem qualquer premeditação da parte dos caranguejos.

Existem controvérsias a respeito das causas reais da seleção dos caranguejos Heike. É possível que outras forças evolutivas, desconhecidas do homem, atuaram na seleção. As “bochechas” e outras características humanas observadas na carcaça do animal servem para determinados fins e não são meramente decorativas. Algumas fissuras são locais de inserções musculares, que podem ter sido requisitadas durante algum outro processo seletivo. Além disso, existem outras culturas orientais que também associam a forma de caranguejos com faces humanizadas, como no termo chinês Keui Lien Hsieh (caranguejo com face de demônio).

De qualquer forma, a saga dos caranguejos Heike é um potencial exemplo do processo de seleção onde certas linhagens sobrevivem não por causa de forças da natureza, mas pela intenção humana. Esse caso específico é conhecido por biólogos e foi amplamente difundido por Carl Sagan em um episódio de “Cosmos” (alguém lembra?).

Na verdade, é apenas um dos milhares de exemplos desse tipo de seleção artificial, onde os homens decidem quais tipos de organismos sobreviverão no futuro. Hoje em dia, a seleção artificial é conscientemente utilizada em microbiologia, genética e biotecnologia, para a descoberta e desenvolvimento de novas drogas, por exemplo.

Fora dos laboratórios, o homem também modifica o ambiente a todo momento, nem sempre de forma consciente. Ainda não compreendemos as conseqüências de nossas ações no ambiente. Ações corriqueiras como o uso de detergentes, plásticos etc., influenciam o ecossistema e vão direcionar as espécies que vão habitar o planeta no futuro.

Interessante notar que, mesmo com tanta capacidade mental e tecnológica, o homem corre o risco de não estar entre as espécies selecionadas, gerando a própria extinção.

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