Ardi: a descoberta mais impressionante de 2009

seg, 21/12/09
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

HUMAN-EARLY/Qual seria a aparência do ancestral mais antigo do homem? Chimpanzé, a maioria diria. Pois bem, parece que nosso ancestral não era bem assim…

Ardipithecus ramidus (ou “Ardi”, para os íntimos) é considerado por muitos cientistas o mais antigo fóssil hominídeo já encontrado, datado de 4,4 milhões de anos atrás! Seu esqueleto foi exposto ao mundo em outubro, numa edição especial da prestigiosa revista cientifica Science e está sendo considerada a descoberta do ano. Tim White, da Universidade de Berkley, e 47 outros pesquisadores demoraram mais de 15 anos para publicar esses achados. Mas por que Ardi é tão especial?

Ardi é um dos pouquíssimos esqueletos bem conservados de hominídeos. Cientistas acreditam que Ardi pode ser um dos nossos ancestrais mais antigos, após nossa divergência com chimpanzés.

capa_192_253Acredita-se que hominídeos e chimpanzés tenham divergido há aproximadamente 7 milhões de anos. Até a descoberta do esqueleto de Ardi, muitos paleontólogos acreditavam que nosso ancestral comum com chimpanzés seria mais parecido com chimpanzé do que com humano (análises de DNA indicam que atualmente o nosso parente vivo mais próximo é o chimpanzé, pois tem mais de 98% de similaridade como nosso genoma).

Realmente Ardi não se parece nada com Lucy, o ancestral humano mais antigo e mais estudado até então, com 3,2 milhões de anos. A surpresa é que Ardi também não se parece com chimpanzés. Ardi está mais para um tipo de hibrido com características bastante peculiares… Eu explico, mas antes vamos discutir um pouco sobre a história (ou melhor, pré-história) dos hominídeos e sua importância na árvore evolutiva humana.

Hominídeos são nossos primeiros antepassados bípedes. Repare que, para ser caracterizado um hominídeo, o esqueleto fóssil tem que demonstrar habilidade de caminhar sem o auxílio das mãos. Chimpanzés não são capazes de andar por longas distâncias em duas pernas. Na verdade, nenhuma outra espécie de primata é bípede a maior parte do tempo como nós. Evidências fósseis e rastros de pegadas preservadas indicam que o bipedalismo ocorreu assim que a linhagem humana divergiu dos antigos macacos africanos.

Alguns cientistas acreditam que o bipedalismo foi essencial para o desenvolvimento da cultura humana, pois liberou nossas mãos para carregar grandes quantidades de comida além de possibilitar a manipulação de ferramentas. Análises do esqueleto fossilizado de Ardi indicam que sua bacia tem capacidade de equilíbrio para caminhar com 2 pernas e há evidências de que a posição de sua cabeça era ereta e não curvada para frente, como nos chimpanzés.

Outra evidência do bipedalismo em Ardi veio da reconstituição dos ossos da mão. Concluiu-se que a estrutura dos ossos é bem mais frágil do que o observado em chimpanzés, que têm adaptações específicas para subir em árvores e caminhar apoiados nos ossos do metatarso. Essa característica pode indicar que as adaptações na mão e pulso, desenvolvidas por chimpanzés, provavelmente ocorreram após a divergência com humanos.

Em que o Ardi se diferencia dos humanos, então? Ardi tem o polegar opositor aos dedos da mão, como humanos modernos e como Lucy, mas também possui o polegar opositor aos dedos do pé. Essa característica facilita a caminhada e movimentação em ambientes como galhos de árvores. A presença do polegar opositor no pé não é observada em humanos modernos e nunca tinha sido observada em nenhum outro hominídeos até então.

Ainda que não totalmente confirmada, essa observação modifica a nossa visão do ambiente em que os antepassados dos humanos viviam. De acordo com C. Owen Lovejoy, outro autor envolvido no projeto, os primeiros ancestrais dos humanos não moravam nas Savanas como anteriormente previsto, mas sim em florestas.

Em resumo, as interpretações do grupo de Tim White levantam muitas questões interessantes sobre nossos ancestrais, mas principalmente nos fazem rever a forma de pensar sobre a evolução dos primeiros hominídeos. Aparentemente, não adianta simplesmente olhar características dos chimpanzés modernos e assumir relações evolutivas entre nós. Os chimpanzés também evoluíram 6 a 7 milhões de anos até os dias de hoje. Mais recursos têm que ser investidos para estudar a árvore evolutiva dos chimpanzés – até hoje poucos fosseis foram encontrados.

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Por que algumas mulheres parecem mais jovens que outras

ter, 08/12/09
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

deneuve2_595_424“Como é triste! Tornar-me-ei velho, horrível, espantoso. Mas este retrato permanecerá sempre jovem. Se ocorresse o contrário! Se eu ficasse sempre jovem, e esse retrato envelhecesse! Por isso eu daria tudo! Daria até a minha própria alma!”

É com esse pensamento que Dorian Gray, o famoso personagem de Oscar Wilde, vende sua alma em troca de uma eterna imagem jovial, deixando para seu retrato as marcas do tempo. Mas o que parece o sonho de muitos, torna-se um grande pesadelo para Gray.

A vaidade humana já estimulou diversos debates filosóficos sobre padrões sociais de beleza. A eterna busca da juventude e o desejo de muitos de parecer mais jovens do que a idade cronológica movimenta uma gigantesca indústria de cosméticos e afins.

A capacidade humana de estimar a idade, baseando-se apenas na face de uma pessoa, parece ter consequências evolutivas, como por exemplo, durante a escolha do parceiro sexual. Essa estimativa visual tem um apelo social evidente – basta olhar para o bombástico número de propagandas e novos produtos de beleza que prometem retardar o envelhecimento, lançados no mercado constantemente.

Além disso, alguns trabalhos já demonstraram que a idade visual funciona como um biomarcador para diversas doenças, independentemente da idade cronológica (Christensen e colegas, Epidemiology, 2004). No entanto, os fatores responsáveis pela forma como julgamos a idade de uma pessoa pelo seu aspecto visual não são conhecidos. Não sabemos também como a genética e o ambiente contribuem para gerar essa idade visual.

Uma forma de se estudar como fatores físicos da face podem influenciar a capacidade de estimar a idade pelo aspecto visual é por meio de fotografias modificadas. Alterando-se fotografias de pessoas, pode-se focar em determinado aspecto físico (cor do cabelo, composição da pele etc.), eliminando a influência de roupas, gestos ou outros tipos de distração visual ou social.

Recentemente, um grupo de pesquisa internacional estudou a idade estimada por meio da aparência facial em 102 pares de gêmeas dinamarquesas, com idades entre 59 e 81 anos (Gunn e colegas, PloS ONE 2009). O grupo também incluiu outros 162 pares de gêmeas inglesas, com idades entre 45 e 75 anos. Fotografias das faces das irmãs foram apresentadas para observadores neutros, que estimavam a idade de cada uma. Em alguns casos, a idade facial estimada variava consideravelmente entre as irmãs gêmeas, obviamente com a mesma idade cronológica. Para descobrir quais os fatores responsáveis por essa discrepância, os autores geraram imagens sobrepostas das irmãs, procurando pelas diferenças físicas entre as duas.

Algumas dessas irmãs eram gêmeas idênticas (monozigóticas) e, portanto, dividem o mesmo material genético. Outras irmãs que participaram do trabalho eram gêmeas não idênticas, dividindo apenas metade do material genético, como irmãs nascidas em datas distintas. Com esse tipo de ferramenta em mãos, foi possível concluir quais fatores eram influenciados geneticamente, pelo ambiente ou por ambos. As imagens compostas das gêmeas apresentaram algumas diferenças, como a cor da pele e volume dos lábios. As diferenças observadas nas gêmeas idênticas foram classificadas como variações influenciadas pelo ambiente e, nas gêmeas não idênticas, como variações genéticas.

Os resultados da pesquisa mostraram que marcas de expressão na pele, cabelos cinza e volume dos lábios estão significativamente associadas à estimativa da idade visual das mulheres. Cada um desses fatores funciona de forma independente dos outros. A aparência de danos causados pela superexposição a luz solar também influencia a estimativa da idade visual, primariamente pela conexão direta com o surgimento de rugas e dobras na pele.

Imagens criadas a partir de mulheres que pareciam mais novas ou mais velhas do que a idade real indicaram que a estrutura do tecido subcutâneo pode ser parcialmente responsável pela variação encontrada nas estimativas iniciais entre as gêmeas. Análises das características herdadas revelaram que pontos de pigmentação, dobras na pele e danos causados pela luz solar são fatores que podem ter influência equilibrada entre genética e ambiente. Já os cabelos grisalhos, tamanho da testa e volume dos lábios parecem ser exclusivamente determinados pela genética. Cabelos fracos e finos mostraram ter mais influência ambiental do que genética.

Esses dados sugerem que mulheres com aparência mais jovem do que a idade real têm lábios mais volumosos, evitam superexposição à luz solar e possuem fatores genéticos que as protegem contra o surgimento de cabelos cinza e dobras de pele. Os resultados também mostraram que a idade perceptual é um melhor biomarcador de pele, cabelo e envelhecimento da face do que a própria idade cronológica.

Apesar de bem interessantes, existem alguns cuidados que devemos ter antes de afirmar que esses resultados se aplicam a todas as mulheres. Primeiro, a população estudada é restritamente caucasiana e não existe suporte que os dados se aplicariam para outros grupos étnicos. Também não podemos afirmar que os resultados se manterão válidos em outras faixas etárias. Além disso, sabe-se que fatores não estéticos, como o estado civil, classe social e depressão influenciam a estimativa visual da idade em mulheres (Rexbye e colegas, Ageing 2006).

Mesmo assim, o trabalho confirma alguns fatores que, intuitivamente, já eram normalmente associados ao envelhecimento. Também traz uma interessante análise do que parece ser influência da genética e/ou do ambiente. Alguns desses fatores parecem que são herdados de forma conjunta, sugerindo uma eventual seleção evolutiva. É possível que, num futuro distante, as informações genéticas e ambientais que influenciam a beleza sejam conhecidas e sujeitas a manipulação. Aí, com certeza, o mercado cosmético vai oferecer um produto comparável à maldição de Dorian Grey. Resta saber se vamos optar por permanecer jovens para sempre ou se vamos preferir a beleza intrínseca de cada idade.

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