Telomerase Zen

seg, 12/10/09
por Alysson Muotri |
categoria Espiral

Meu primeiro contato com Elizabeth Blackburn foi em 2007, em Paris. Havia convidado-a para participar de um congresso sobre elementos transponíveis do genoma (transposons), que acabou resultando num interessante livro sobre a diversidade neuronal (“Retrotransposition, Diversity and the Brain”, Fondation IPSEN, 2008 – vendido pela Amazon).

Blackburn recebeu o prêmio Nobel de Medicina, junto com Carol Greider e Jack Szostak, pela descoberta da telomerase. Desde então, muito tem se falado sobre a telomerase, envelhecimento e câncer. Infelizmente, pouco ou nada se comenta sobre o controle mental desse processo, que é justamente a atual linha de pesquisa do grupo de Blackburn.

A conexão entre telomerase e retrotransposons não é tão obvia assim para a maioria dos leitores, então vale uma breve explicação sobre o tema. Telômeros são capuzes que ficam nas pontas dos cromossomos, protegendo as pontas do genoma. A manutenção dos telômeros é feita por uma série de proteínas celulares que incluem a telomerase. Essa enzima tem a função de reproduzir o DNA que é perdido dos telômeros cada vez que a célula se divide. Assim, a célula consegue evitar o encurtamento do comprimento dos telômeros.

A perda progressiva dos telômeros leva à senescência celular das células em divisão. Dessa forma, a telomerase, com sua função altamente especializada de transcrição reversa, é essencial para a estabilidade genômica e progressiva divisão celular.

Retrotransposons são elementos móveis do genoma, altamente ativos no sistema nervoso. Multiplicam-se por meio da transcrição reversa. Esse mecanismo de transcrição reversa é bem semelhante ao da telomerase, o que sugere uma relação de parentesco evolutivo entre esses dois mecanismos. No entanto, neurônios não se dividem, e portanto não precisariam de telomerases. Segundo Balckburn, neurônios humanos têm sim atividade de telomerase (EB, comunicação pessoal).

Outra observação importante é a correlação da telomerase com o crescimento de tumores. Células cancerígenas perdem a capacidade de controlar a divisão celular e passam a se dividir indefinidamente. Por essa razão, mesmo cientistas fazem a incorreta associação entre câncer e elevada atividade da telomerase. Já foi demonstrado que células cancerígenas continuam dividindo mesmo na ausência da telomerase (Li e colegas, JBC 2005; Lundblasd e Blackburn Cell 1993).

Talvez por isso mesmo, diversas terapias contra câncer baseadas no ataque às telomerases não deram certo até hoje. Aliás, essas terapias podem até ser prejudiciais. Telômeros curtos em células saudáveis aumentam as chances de rearranjos cromossômicos, que podem tornar o câncer ainda mais agressivo.

Essas duas evidências discutidas acima – que neurônios possuem alguma atividade telomérica e que células cancerígenas estão pouco se importando com a telomerase – sugerem que as telomerases possam ter outra função na célula além da proteção dos telômeros. Diversas observações sugerem que as telomerases estariam envolvidas na regulação da senescencia celular de forma independente da divisão celular.

A evidência mais forte entre telômeros curtos e envelhecimento veio de estudos de uma síndrome rara, chamada disqueratosis congênita, causada justamente por mutações na telomerase. Pacientes morrem de falha eventual do sistema hematopoiético, suportando a ideia de que o envelhecimento precoce das células do sangue é uma das causas da mortalidade.

Porém talvez mais interessantes sejam os últimos trabalhos de Elizabeth Blackburn, que correlacionam o tamanho dos telômeros com estresse crônico e depressão. Mas qual seria o mecanismo para explicar o envelhecimento celular por processos psicológicos?

Para tentar descobrir isso, o grupo de Balckburn tem usado da meditação budista como ferramenta para modular o estresse e prevenir o processo de envelhecimento. Vale lembrar que a meditação terapêutica no ocidente está dissociada de influências ritualísticas associadas à prática do budismo. Atualmente, técnicas de meditação são usadas como forma de buscar uma consciência mental focada em um determinado momento. Os efeitos positivos no controle de diversas funções fisiológicas, como respiração e pressão sanguínea, são amplamente documentados.

O estresse cognitivo é indiscutivelmente importante para a sobrevivência do indivíduo, mas se estiver baseado em percepções e dimensões distorcidas da realidade, pode produzir um ambiente não muito favorável à longevidade celular. Impressões distorcidas da realidade incluem falsas projeções e expectativas ou crenças baseadas no medo. Os trabalhos têm acumulado evidências de que o bloqueio desse tipo de pensamento negativo altera a expressão da telomerase sanguínea e evita o encurtamento dos telômeros, o que é simplesmente fascinante.

Os trabalhos de Blackburn estão caminhando num sentido bem diferente da biologia molecular tradicional. Seus estudos estão apontando para o cérebro como o grande responsável pelo envelhecimento, tendo a telomerase como intermediária do processo no nível celular. Ainda são obscuros os fatores envolvidos nessa conexão, mas os vilões mais prováveis são hormônios e danos oxidativos.

O campo ainda é novo e altamente especulativo, além de ter uma série de “buracos” em sua lógica. A justa vinda de um prêmio Nobel para uma pesquisadora que não tem medo de ousar deve trazer novo fôlego e mentes abertas para essa área. Vamos acabar descobrindo que o envelhecemos não com o corpo, mas com a mente.

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10 Comentários para “Telomerase Zen”

  1. 1
    Marli:

    Fantástico isso! Fascinante essa descoberta, parabéns pela sua matéria!

  2. 2
    Debora Tavares:

    Amei muito! Não vejo a hora de essa pesquisa ficar pronta. Como médica observo frequentemente os fenômenos psicossomáticos e tenho uma idéia muito clara da influência direta da mente não só no envelhecimente, mas em TUDO! Não se pode separar mente e corpo, e que bom que há cientistas tentando mostrar isso, apesar de a prova científica não ser necessária para quem percebe isso claramente na vida.

  3. 3
    Lucas de Moraes:

    Magnífico! É fascinante poder ver toda a evolução nas pesquisas e o caminhar do homen diante de suas descobertas. Aqui abre-se uma nova porta, revolucionária, revelando uma inaudita realidade.

  4. 4
    Kleiton Borges:

    Incrível! Muito interessante!

  5. 5
    Gilda:

    É muito bom, e ao mesmo tempo paradoxal, ver tanta gente trabalhado com afinco p/ a cura e a melhoria da qualidade de vida, enquanto outros, saudáveis, morrem por balas perdidas ou em assaltos no Brasil (RJ, SP, MG, etc..)

    Pesquisadores, obrigada por não desistirem!

    Quanto a influencia da mente em algumas curas, assisti Domingo (18/19 outubro) dia na TV Globo aberta (Corujão), um filme verídico, sobre a cura de um cancer cerebral, em um menino. Não sei o título orriginal, mas gira em torno da busca por uma Borboleta AZUL, em matas tropicais, e o menino, q tinha apenas algumas semansa de vida, ficou curado.

  6. 6
    Valeria:

    otimo post.parabens Dr.Alysson por mais essa informaçoes . É uma aula das melhores, que deverias ser lida por milhoes de pessoas para maiores informaçoes. Muito bom , continue nos presenteando com seu saber. Parabens. Valeria

  7. 7
    regina:

    Estranhamente os que consideram que tudo é fonte de nossos traumas e que tais ,até hoje não configuraram curas de moléstias, em seus trabalhos, como a tuberculose, uma dor de dente com a reconstrução do dente apenas com a mente, por exemplo, uma diabetes e etc… No entanto a ciência, esta sim, apresenta resultados detectáveis, senão de cura como em alguns casos, pelo menos de uma sobrevida com qualidade de vida e flagrante remissão de sintomas em outros.

  8. 8
    leonardo:

    fiquei com uma dúvida:

    “telomerases sanguíneas” seriam as telomerases derivadas de qualquer HSC da medula?

    Interessante o trabalho. Fascinante como um “pensamento bom” ou um “pensamento ruim” pode ou não atuar na fisiologia como um todo.

    Só acharia estranhíssimo ouvir alguém dizendo que um “pensamento ruim” é mais estressante para o neurônio. Mas ninguém disse isso (ainda).

    a probabilidade de câncer aumenta com a idade, mas eu sei também que uma célula regulada, se passasse a apresentar instabilidade do genoma pelo encurtamento dos telómeros morreria por apoptose.
    então ficam algumas perguntas: É possível relacionar qualitativamente instabilidade do genoma e encurtamente dos telómeros em laboratório?

    com que idade as pessoas começam a morrer por “instabilidade do genoma”? (tipo uma morte natural por falência de algum orgão por causa de excesso de células em quiescência) ou então uma morte por falta de produção de células uma vez que as células troncos do indivúduo estavam quiescentes…

    Eu realmente queria saber.

  9. 9
    fabio yamaguchi:

    seriam os p17, p27 e p53 da sequoia a chave da imortalidade?

  10. 10
    wania:

    Para uma pesquisadora indico que veja e leia O Zohar que há 2.000 anos já falava do poder da Telomerase… (Zohar – Volume 20 – Porção Pinchas – versos 68 a 83). Imortalidade, cura do Câncer e Juventude pra sempre! com certeza uma fonte muito inspiradora!



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