• O mosquito e a falta d'água

    Reservatorio cantareira sistema cantareira

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     


    Falta bom senso e sobra oportunismo político nesta crise que abastecimento de água que atinge a região mais populosa e economicamente importante do Brasil. A Bacia do rio Paraíba do Sul reúne aproximadamente 4 mil grandes usuários de água (indústrias, companhias de abastecimento, agricultores, etc) caprichosamente distribuídos nos 3 estados mais ricos da Federação. A falta de chuvas expôs a falta de planejamento para lidar com situações de crise - algo impedoável na Engenharia e na Hidrologia - agravadas pelo ano eleitoral.
     
    No Brasil, a água das torneiras é a mesma que faz acender a lâmpada da sala. Desde o apagão de 2001 (durante o governo FHC) a palavra "racionamento" está associada a incompetência administrativa, razão pela qual nenhum governo do PSDB ou do PT se empenha em promover o uso racional de água, eficiência energética, ou qualquer outra medida que conspire em favor de uma cidadania consciente dos riscos dessa "aquadependência" extrema. Se algo dá errado - como deu - a culpa é de São Pedro.
     
    Em campanha para a reeleição, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin evita a todo o custo aplicar o racionamento de água ou punir quem desperdiça. Em campanha para a reeleição a presidente Dilma tampouco promove campanhas do gênero, mesmo quando os custos crescentes de produção de energia a partir das térmicas (ligadas para dar cobertura às hidrelétricas que não conseguem operar a plena carga por falta de chuvas) castigam as contas públicas.
     
    Pra complicar a situação, o próprio diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, critica a Política Nacional de Recursos Hídricos por uma lacuna que o impede de agir como gostaria em momentos de crise. Foi o que aconteceu no último capítulo dessa novela (até o momento) na disputa pelas águas de um importante rio da Bacia do Paraíba do Sul. 
     
    O reservatório do Jaguari virou notícia depois que o Governo do Estado de São Paulo determinou a redução da vazão para assegurar o abastecimento de água aos 50 mil habitantes do município de Santa Izabel. Segundo o presidente da ANA, "foi uma medida desproporcional. Bastaria mudar o ponto de captação da água no reservatório (num lugar mais produndo) para assegurar o abastecimento da cidade. O reservatório do Jaguari é o que está em melhor situação em São Paulo, com 40% do volume de água preservados. Não precisa reduzir a vazão", diz Vicente Andreu.
     
    Mas porque a ANA deixou que o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) atuasse em defesa da calibragem mais adequada das águas em uma bacia hidrográfica estratégica para o país? O que explicaria o silêncio - para não dizer a passividade - da ANA em um momento tão importante?
     
    Foi o ONS quem alertou, em nota, "para o colapso no abastecimento de água" em todas as cidades ao longo do Paraíba do Sul nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, e notificou o governo paulista a apresentar até a próxima sexta-feira uma justificativa (embasada tecnicamente) para a redução unilateral da vazão.
     
    Com a palavra, o diretor-presidente da Agência Nacional de Águas: "A ANA não tem autonomia sobre rios estaduais. O rio Jaguari é estadual. O ONS pode se manifestar porque tem autoridade sobre todas as hidrelétricas do país. Energia é assunto federal". Perguntamos se não é contraditório que uma agência reguladora federal, que foi criada para assegurar "o uso múltiplo das águas", não tenha poderes para agir em uma crise dessas proporções. Segundo Vicente Andreu, há um "zona cinza" no texto da Lei justamente na parte que define a "situação dos rios estaduais que contribuem para a vazão dos rios federais. Rio federal (que atravessa mais de um estado da federação) é assunto da ANA. Rio estadual não".
     
    Lembra um pouco aquela história do mosquito da dengue. Há alguns anos, no auge da epidemia, quando a opinião pública acompanhava estarrecida a multiplicação do número de casos da doença sem que as autoridades dessem a devida resposta no combate ao mosquito transmissor, a grande questão a ser resolvida era: "Mas o mosquisto é federal, estadual ou municipal?".
     
    A dengue, como se sabe, segue sem controle em algumas regiões do país. Acontecerá o mesmo com a falta d'água?

    Foto: solo rachado de reservatório do Sistema Cantareira, no estado de SP (Luis Moura/Estadão Conteúdo)

  • Na moral? Precisamos falar mais de consumismo

    Quando a produção do "Na Moral" da TV Globo (apresentado por Pedro Bial) me convidou para participar do programa desta semana que debateu a sociedade de consumo, me dei conta – e a sensação foi de perplexidade – do quanto esse é um tema ausente na televisão.

    Perguntei por que haviam me convidado. "Vimos uma palestra sua na internet sobre o assunto", me disse a produtora, ao se referir à palestra no formato TED Talks que já soma mais de 30 mil visualizações no Youtube. Poderia ter sido também em outro raro programa de TV que debateu o tema – no Canal Futura  – em que eu tive o privilégio de participar com o colega Arthur Dapieve. Haveria, ainda, a possibilidade deles terem acessado minhas críticas ao hiperconsumo nos livros que lancei (veja aqui), nos meus comentários na CBN, em algumas edições do Cidades e Soluções (na Globo News), nesta coluna no G1, ou nas aulas que dou há 10 anos na PUC/RJ.

    E por que não se debate consumo na Tv brasileira? Haverá algum receio em relação aos anunciantes que sustentam as principais mídias (não apenas a televisão) com publicidade? Ou será desconhecimento dos impactos vorazes do consumo exacerbado sobre os recursos naturais não renováveis do planeta? Não tenho resposta para isso. Esse deserto de reflexão nas mídias sobre vários assuntos (não apenas consumismo) torna ainda mais especial o trabalho de Pedro Bial e sua equipe no prestigiado "Na Moral".

    No dia da gravação no Projac constatei que estaria sozinho na defesa dos gravíssimos impactos ambientais do consumismo sobre o planeta. E que até a minha entrada no set eu seria o único convidado a defender uma maior consciência (ambiental e social) no ato de consumir.



    Foi pouco tempo para falar, mas jornalista precisa dar o recado no prazo disponível. O programa é gravado com alguma flexibilidade em relação ao relógio, mas depois os editores realizam os cortes para que possa ir ao ar no tempo certo. Quem quiser conferir o resultado final é só acessar o link do "Na Moral" (veja acima).

    Aos leitores que preferirem a versão escrita de minha participação (com fragmentos de pensamento que não foram ao ar acrescidos de outros que me ocorrem agora) resumirei em breves linhas meu pensamento.

    O consumo favorece a vida, precisamos consumir para viver. O problema portanto não é o consumo, é o consumismo, que alude ao excesso e ao desperdício. O desperdício de qualquer coisa (água, comida, roupa, tempo, energia etc) é imoral. Ostentar a abundância onde ainda haja tanta escassez é efeito colateral de uma sociedade alienada e desconectada da realidade. Em um mundo onde os recursos naturais não renováveis – fundamentais à vida – são limitados e se esgotam rapidamente, é preciso consumir com consciência. Sabendo usar, não vai faltar. Nesse sentido, o consumo pode ser entendido como um ato político.

    Os ambientalistas foram historicamente os responsáveis pela introdução de uma nova ética em relação às gerações futuras, ao defender os direitos de quem ainda não está aqui de viver em um planeta saudável e também ter acesso aos recursos naturais que garantam sua sobrevivência. Quem consome de forma irresponsável age de forma individualista, egoísta, hedonista, sem noção do quanto contribui para a destruição dos estoques de natureza que necessitamos para viver. Nós e os outros que ainda virão.

    Qual o projeto civilizatório da sociedade de consumo? Se for consumir à exaustão, entender como diversão a acumulação ilimitada de bens e de posses, a ostentação do supérfluo (entendendo-se o supérfluo como aquilo que não merece ser chamado de necessário em uma consulta à própria consciência) não vejo saída possível.

    Os que defendem o amplo direito de todos consumirem sem restrições ignoram importantes estudos já produzidos sobre os limites do planeta. O Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUD) – que não são entidades ambientalistas, é bom frisar – já se manifestaram claramente sobre os riscos do hiperconsumo para a sobrevivência de nossa própria espécie.

    A WorldWatch Institute, com sede em Washington, estima que se todos no mundo consumissem como a classe média americana o planeta só suportaria uma população de 1,3 bilhão de pessoas. Com mais do que isso, a conta não fecharia.

    A mais importante pesquisa já feita no Brasil para medir a pegada ecológica das classes A e B foi realizada em 2008 pela organização WWF (Fundo Mundial para a Natureza) com o apoio do Ibope. O objetivo foi investigar os impactos ambientais causados pelos hábitos de consumo dos segmentos mais abastados do país. A conclusão foi surpreendente: se todos no mundo consumissem como as classes A e B do Brasil seriam necessários três planetas para suprir as demandas dessa civilização consumista.

    Quem se diz consumista ignora a armadilha em que se encontra, pois nunca estará totalmente saciado. Será sempre refém de novas campanhas publicitárias, que despertam novos sonhos de consumo. Quem se justifica dizendo ser movido por "compulsão" ignora a gravidade dessa doença e o quanto ela escraviza a vontade e o livre-arbítrio. Chama-se "oneomania" a compulsão por consumo e quem se reconhece nos sintomas deve procurar tratamento.

    Há outra questão importante quando alguém se assume como consumista: é triste transferir para objetos descartáveis e perecíveis o direito de ser feliz. Só pode ser feliz quem consome além da conta? Só pode ser reconhecido como alguém bem sucedido quem ostenta marcas de luxo? São questões que deveríamos prestar mais atenção, refletir juntos e buscar soluções que visem o bem estar coletivo em um planeta que é um só, e os recursos são finitos.

    Que seja bem-vindo apenas o "consumismo" de cultura, saber, conhecimento, de mais tempo com os amigos e a família, experiências afetivas plenas de significado e valor!

  • A China que eu respirei

    André Trigueiro com máscara durante visita à ChinaÉ muito pior do que mostravam todas as reportagens que havia lido a respeito. Mais impressionante até que as imagens fortes (fotos e vídeos) que acessei antes da viagem. E quando meus três companheiros de jornada (duas produtoras e um cinegrafista) começam a relatar poucas horas depois de nossa chegada a Pequim os mesmos sintomas que eu (olhos secos, garganta irritada e nariz entupido) percebi que se tratava de uma experiência que merecia o devido registro.
     
    Tão impactante quanto essa imersão em uma densa e constante nuvem de fuligem, fumaça e material particulado sobre 150 milhões de pessoas que vivem na região norte da China - especialmente na capital Pequim, onde moram 20 milhões - foi testemunhar as respostas (pouco efetivas) da população a essa tragédia ambiental sem precedentes na História da China.
     
    Enquanto o governo declarava “guerra à poluição”, prometendo medidas que atenuassem os impactos da queima de carvão (o mais poluente de todos os combustíveis fósseis responde por 80% da matriz energética chinesa), dos grandes poluidores industriais e da circulação de automóveis (aproximadamente 1 milhão de novos veículos são licenciados por mês na China), os chineses recorrem aos paliativos possíveis como o uso de máscaras, a compra de filtros de ar para ambientes fechados e consultas regulares aos aplicativos que disponibilizam de hora em hora a concentração de materiais particulados no ar que se respira.
     
    Dependendo do nível de poluição, as próprias escolas são obrigadas a confinar os alunos em salas de aula e ambientes internos da instituição para evitar o contato direto da garotada com esse ar saturado de veneno. Flagramos esse confinamento durante visita a uma escola com 1.100 alunos nos arredores de Pequim. Nenhum dos alunos entrevistados por mim se sentia à vontade em permanecer durante 8 horas seguidas dentro da escola, em ambientes fechados, sem poder ficarao ar livre, nem na hora do recreio. Pior, eles já pressentiam que quando voltassem para casa provavelmente os pais manteriam a "proteção indoor" com seus filtros de ar funcionando a plena carga.

    Usina termelétrica na China

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    No ano passado, quando algumas cidades chinesas foram obrigadas a emitir um alerta vermelho -– nível máximo de poluição do ar -– o mundo acompanhou horrorizado a dura realidade experimentada por milhões de pessoas naquele país que foram obrigadas a inalar uma concentração de poluentes descrita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como 26 vezes acima do limite do razoável.  
     
    Vários especialistas daquele país resaltam que a degradação da qualidade do ar não é exclusividade dos chineses, e lembram os exemplos de Londres, Los Angeles e Pittsburg que consumiram tempo (e preciosos recursos) em projetos de despoluição que ainda não foram totalmente resolvidos. Mas é consenso na China,– onde o número de mortes prematuras causadas a cada ano pela péssima qualidade do ar pode chegar a 500 mil,– que medidas urgentes precisam ser tomadas na direção de um modelo de desenvolvimento mais limpo e sustentável.
     
    Correndo contra o tempo, o país mais populoso do mundo, o que mais polui o planeta (e mais emite gases de efeito estufa) se tornou líder mundial em energia solar e eólica, e em tecnologias visando reduzir não só a poluição mas a dependência das térmicas a carvão. Também investem em projetos de reflorestamento e várias outras iniciativas estratégicas, que levem em conta não apenas a economia do país, mas também a saúde e o bem estar dos chineses.
     
    Há uma nova revolução cultural em curso e ela está sendo acompanhada de perto pela Humanidade. O "livrinho vermelho" dá lugar ao manual verde de sobrevivência.    
     
    É isso que vamos mostrar a partir da próxima segunda-feira, 28 de julho, no Jornal da Globo (e depois em dois programas especiais no Cidades e Soluções, da Globo News) num projeto realizado em parceria com o Globo Natureza.
     
    Vale a pena conferir! 

  • Aos brasileirinhos

    Criança chora vendo a goleada da Alemanha sobre o Brasil

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Depois da acachapante, surpreendente e dolorosa derrota para a Alemanha - cujo placar de 7 x 1 jamais ocorreu em uma semifinal na História das Copas - muitos brasileirinhos estão se deparando pela primeira vez com o gosto amargo de uma gigantesca decepção.

    De repente o mundo pareceu não fazer mais sentido.

    Toda a idealização construída a partir da avalanche de anúncios publicitários apresentando nossos jogadores como super-heróis, da exaltação dos valores da pátria com o "coração na chuteira" e com o hino à capela no gogó, da auto-imagem de "país do futebol", de único pentacampeão do mundo, de terra encantada de craques que pariu Pelé (o maior de todos), em meio a tudo isso, o chão ruiu em sete partes e nos precipitamos em um abismo cuja queda é especialmente dolorosa para os mais jovens.

    Tal como se deu no episódio da trágica morte dos "Mamonas Assassinas", quando muitos pais se depararam com a dura tarefa de explicar para seus filhos (talvez muito mais cedo do que desejassem) o que é a morte, para onde seus ídolos foram ou porque aquilo havia acontecido, agora também faltam palavras para emprestar sentido à derrota mais humilhante da história da seleção brasileira.

    Pois bem, se a dor dessa experiência é uma realidade sensorial incontestável, é preciso encará-la com sabedoria, abrindo espaço para sua manifestação em casa ou na escola. Compartilhar esse sentimento dolorido, perceber que há outros sofrendo e reparar como cada um, a seu modo, enfrenta isso é algo que dilui o desconforto e ajuda a seguir em frente.

    Em algum momento - e dependendo da situação - torna-se importante diluir a importância e significado dessa derrota terrível diante de tantas outras dores do Brasil e do mundo. Reportar o que acontece fora das quatro linhas no espaço demarcado por uma atividade esportiva (sim, o futebol além de imprevisível e injusto é apenas um esporte) nos permite revelar um mundo onde há dores muito mais difíceis de suportar.

    Guerras, crueldade, escravidão, miséria, fome (entre outras tragédias pessoais ou coletivas nesse mundão de Deus) podem ser evocadas para que as coisas sejam colocadas nos seus devidos lugares: por mais amargo que tenha sido o sabor do "chocolate" alemão, temos todas as condições de digeri-lo, aprender algo com essa experiência e seguir adiante fortalecidos. Já parou para pensar quantos no mundo trocariam de bom grado suas dores por esta, causada por uma decepção esportiva?

    Todos preferíamos ganhar da Alemanha ou pelo menos perder de forma digna. Não foi possível. Agora, é hora de socorrer as principais vítimas dessa "tragédia nacional", como muitos analistas  se referem a esse episódio: os brasileirinhos que aprenderam a cantar o hino com a seleção.

    (Foto: Euricles Macedo)

  • A Copa Verde do Brasil

    Vista do Mineirão antes da partida entre Brasil e Chile

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Fizemos 3 perguntas para o principal responsável pelo projeto brasileiro de tornar a Copa de 2014 a “Copa das Copas” na área da sustentabilidade.

    Cláudio Langone é engenheiro químico, consultor em gestão ambiental e sustentabilidade, Coordenador da Câmara Temática Nacional de Meio Ambiente e Sustentabilidade da copa 2014, do Ministério do Esporte.

    1) A Copa da Alemanha em 2006 foi a primeira a preocupar-se com um legado ambiental. A Copa do Brasil fez algo diferente nesse sentido?
    Cláudio Langone: O Brasil estruturou sua Agenda de Sustentabilidade com base nas lições aprendidas na Alemanha e África do Sul, que tiveram representação em seminários promovidos pela Câmara Temática Nacional de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Copa 2014.

    O diferencial do Brasil se deu primeiramente no sistema de governança montado para a estruturação da Agenda, com participação dos atores envolvidos na CTMAS e na criação de Câmaras Locais de Sustentabilidade.

    Nos projetos desenvolvidos, destacam-se como diferenciais o fato de termos a primeira Copa em que todos os estádios passaram por processos de certificação em construção sustentável. Além disso, são pioneiros a iniciativa de promoção de produtos orgânicos e sustentáveis e o fornecimento de alimentação orgânica aos voluntaries, a inclusão de catadores de materiais recicláveis, o Selo Baixo Carbono - mecanismo de arrecadação de créditos de carbono para a compensação das emissões da Copa, e a abordagem da Campanha Passaporte Verde, voltada à sensibilização do turista para práticas conscientes (a campanha foi desenvolvida na África do Sul, mas foi totalmente reformulada, com foco na utilização de ferramentas digitais e interativas).

    Nossa Agenda teve como característica um foco em ações positivas, que extrapolassem a lógica da mitigação de impactos, e trabalhassem na articulação entre meio ambiente, inclusão social e geração de renda. Por isso, é uma iniciativa multisetorial, que envolveu vários ministérios e secretarias nas áreas de meio ambiente, esporte, turismo, agricultura, desenvolvimento social, e outros.

    2) A certificação ambiental dos estádios contou com recursos do BNDES (R$400 milhões por projeto), mas, ainda assim, na maioria das arenas o selo obtido foi "Prata" (terceiro mais importante em uma escala de quatro da certificadora LEED). Não poderíamos ter um melhor desempenho nesse quesito?
    Cláudio Langone: A exigência de certificação das Arenas foi uma decisão voluntária do governo brasileiro, como  condição para o financiamento do BNDES. O Brasil não direcionou para um selo específico, mas todos os projetos brasileiros optaram pelo selo Americano LEED, que estava mais organizado no Brasil. A decisão de exigir a Certificação Básica se deu em função de que a maior parte dos estádios brasileiros passaram por processos de reforma. Nessa situação, fica bastante diminuída a margem de manobra dos projetistas para a escolha dos quesitos a serem contemplados nas obras. A obtenção dos certificados Ouro e Platina em geral se dá em projetos novos, em que se tem possibilidades de incluir itens como o preparo da área onde vai se localizar o projeto, e incluir na origem quesitos que não teriam como ser escolhidos em reformas de edificações. No Brasil, mesmo em estádios com fortes restrições como o Mineirão e o Maracanã, tombados pelo Patrimônio Histórico, foi possível obter a Certificação.

    O Mineirão tornou-se o segundo estádio do mundo a receber a certificação Platinum. Deve-se ressaltar também que o GBC adotou para a certificação das arenas uma norma que foi estruturada para edifícios, o que gerou algumas necessidades de adaptação pontuais. A partir da experiência brasileira, o GBC decidiu que será feita uma norma LEED especificamente para arenas esportivas.

    O nível Prata é uma certificação alta para projetos de reforma.  As principais questões abordadas nas arenas brasileiras se deram em:
    - medidas no processo construtivo, como a reciclagem do entulho de demolição na própria obra e reaproveitamento como material de base, gerando significativa redução de custos;
    - itens de projeto, como captação de água da chuva para irrigação e limpeza, iluminação e ventilação natural, torneiras e vasos sanitários inteligentes, sistemas de coleta seletiva etc.

    Embora alguns itens sejam mais caros na fase de construção, eles levam a uma diminuição dos custos de manutenção das arenas, por exemplo, nas contas de água e luz.

    Para dar efetividade ao esforço feito na certificação, a FIFA e o governo brasileiro promoveram em 2013 um curso de capacitação dirigido aos operadores das Arenas em gestão da sustentabilidade.

    Embora o padrão exigido pelo BNDES tenha sido o de certificado Básico, a maioria das arenas conseguirá o nível Prata. Já temos o Mineirão certificado Platina e esperamos que o Estádio Nacional de Brasília atinja o nível Ouro nesta etapa, chegando também a Platina até o final de 2014, com a instalação da usina Solar de 2,5 MW.

    3) Qual será o legado ambiental desse Copa no Brasil? O que ficará depois do evento?
    Cláudio Langone:Estádios - Como legado, o Brasil será o país com o maior número de Arenas certificadas. Além disso, o processo de certificação dos estádios será um indutor de novas práticas de sustentabilidade na construção civil, já que todas as grandes construtoras brasileiras participaram da construção dos estádios. E, em função das políticas de compras locais, os fornecedores de materiais de construção incorporaram matérias primas certificadas ao seu portfólio, como tintas, solventes, cimento, revestimentos, aço, torneiras e vasos sanitários inteligentes.
    Orgânicosa campanha Brasil Orgânico e Sustentável, organizada pelo governo federal em parceria com a Associação Brasil Orgânico e Sustentável, criada especialmente para esse fim, é uma campanha permanente e terá continuidade.
    Coleta Seletiva e inclusão de catadores – em várias Cidades Sede da Copa, tanto a Coleta Seletiva quanto a contratação de catadores estão sendo feitas pela primeira vez, e o sucesso da experiência abre espaços para sua incorporação como política pública. Além dos investimentos específicos na Operação Copa, o BNDES abriu linha de financiamento denominada Cidades da Copa, que beneficiou com recursos de doação as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre e Curitiba para estruturar de forma permanente a coleta seletiva com inclusão de catadores, num montante de 120 milhões de reais. Outras 4 sedes estão em processo de consulta – Cuiabá, Salvador, Fortaleza e Manaus.

    A Campanha Passaporte Verde foi totalmente reformulada para a Copa 2014, e terá continuidade sob a coordenação dos Ministérios do Turismo e Meio Ambiente e do PNUMA. A nova marca e ferramentas desenvolvidas em função da copa 2014 serão adotadas globalmente pelo PNUMA.

    Compensação e Mitigação de Emissões – o trabalho feito pelo Brasil nessa área foi reconhecido pela UNFCC como um novo paradigma em termos de grandes eventos. Além disso, um dos principais saldos do trabalho foi a criação de capacidade nas Cidades Sede para a produção de inventários de emissões e definição de políticas de mitigação.

    Legado para 2016 – um dos legados mais importantes da Agenda de sustentabilidade da Copa é que grande parte dos esforços e estratégias desenvolvidos para 2014 poderão ter rebatimento na Agenda de Sustentabilidade dos Jogos olímpicos, pois envolvem os mesmos atores institucionais.

  • Estádios da Copa são sustentáveis?

    Maracanã avermelhado no jogo entre Espanha e Chile

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     


    Pisca na tela do computador a mensagem enviada de Washington (curiosamente redigida em português) assinada por Jacob Kriss, “Especialista em Mídia” da USGBC – United States Green Building Council – uma das mais importantes certificadoras ambientais do mundo.

    “U.S.Green Building Council (USGBC) anuncia certificação LEED para seis estádios da Copa do Mundo”, diz o título do release.

    LEED são as iniciais de “Leadership in Energy & Environmental Design”, a certificação ambiental para edificações da USGBC, “presente em mais de 150 países”. Ao todo são analisados sete quesitos da construção, e para cada item avaliado há uma pontuação correspondente. Quanto mais pontos acumulados, mais importante será o selo.

    No caso do LEED, são quatro os selos: “Platinum” (o que acumula mais pontos); “Ouro”, “Prata” e “Bronze” (o que reúne a pontuação mínima para a certificação).

    Pois bem, a curiosidade é imediata: qual terá sido a pontuação dos novos estádios (ou arenas,como queiram) construídos ou reformados no Brasil especialmente para a Copa?

    Segundo o release de Washington, dos seis estádios, cinco (Maracanã/RJ, Fonte Nova/Salvador, Mineirão/BH, Arena da Amazônia/Manaus e Arena Multiuso/Salvador) obtiveram o selo “Prata”. A Arena Castelão/Fortaleza aparece com a estranha designação “Certificado LEED”, que não parece propriamente uma categoria de selagem.

    Selo “Prata” (penúltimo em importância no ranking da certificadora) para cinco dos seis estádios certificados no Brasil é notícia boa ou ruim?

    Boa, se considerarmos que as intervenções feitas não tem precedentes para este gênero de construção no Brasil (redução no consumo de água e energia,destinação inteligente do entulho, uso de materiais recicláveis, aproveitamento energético do sol e do vento, etc).

    Ruim, se entendermos que o custo elevado das novas arenas (ou estádios, como queiram) poderia justificar projetos mais arrojados e sustentáveis. Vale lembrar que o BNDES disponibilizou R$ 400 milhões em uma linha especial de crédito para cada empreendimento que tivessem selo verde “por avaliação de uma certificadora reconhecida internacionalmente”. Não foi por falta de dinheiro que deixamos de ter estádios com selo “Platinum” ou “Ouro”.

    Minha opinião: se tem dinheiro público envolvido, e se os recursos do BNDES pretendiam justamente estimular a qualificação do padrão construtivo dos novos estádios, o avanço foi muito tímido. “Dá pro gasto”, dirão alguns, pouco ou nada incomodados pelo fato de o selo “Prata” (terceiro em importância numa escala de quatro) ter predominado nas classificações. “Perdemos uma boa oportunidade”, dirão outros, preocupados com um legado pós-Copa mais contundente na área da construção civil.

    Saímos da inércia. Mas a marcha ainda é lenta.

Autores

  • André Trigueiro

    Pós-graduado em gestão ambiental pela COPPE/UFRJ e professor de jornalismo ambiental da PUC RJ. É jornalista da TV Globo e comentarista da Rádio CBN. Aqui, fala sobre os principais desafios e entraves do desenvolvimento sustentável e preservação.

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André Trigueiro fala sobre sustentabilidade e meio ambiente.