Blog da Amélia Gonzalez

Por Amelia Gonzalez

Escreve sobre sustentabilidade e debate temas ligados a economia, meio ambiente e sociedade


A filha de um fazendeiro tenta afastar um enxames de gafanhotos de sua plantação na aldeia de Katitika, no Quênia — Foto: Ben Curtis/AP

Centro do Quênia, na África, país de baixo Índice de Desenvolvimento Humano, meados de janeiro. O pequeno produtor Lawrence Mwagire acorda e vê, ao longe, uma nuvem muito escura. Não se preocupou muito, e disse à esposa Daisy:

“Vem chuva forte aí!”

A temporada de chuvas em seu país, que geralmente ocorre entre outubro e dezembro, em 2018 foi quase inexistente, mas no ano passado foi generosa, o que deu esperança para uma boa colheita este ano. Sem chuvas, não há lavouras. Sem chuvas, as lavouras ficam à mercê de pragas. É um resultado das mudanças do clima.

Não demorou muito tempo para que Mwagire passasse a se preocupar, e muito. Firmou a vista e viu que a nuvem que ele esperava se transformar em chuva, na verdade era uma multidão de gafanhotos, possivelmente trazidos pelos ciclones de maio e outubro de 2018 na Península Arábica meridional, outro resultado das mudanças do clima. Os negacionistas preferem esquecer isto quando fazem seus longos discursos evocando tratados científicos que comprovam o quanto a Terra já aqueceu.

O enxame violento de gafanhotos, que quando em bando se transformam de seres solitários em bestas-feras capazes de destruir qualquer vegetação à frente, devorou o sustento de Mwagire - feijão-caupi, gramas verdes, milho e até Khat, uma planta nativa usada como estimulante em Israel. As árvores, verdinhas, foram mudando de cor, assumindo o padrão vermelho rosado da praga. A fazenda tem três acres e fica no condado de Embu, a cerca de 155 quilômetros a nordeste de Nairóbi, capital do Quênia.

Os gafanhotos frustraram as esperanças de uma boa colheita após as chuvas, em novembro de 2019, encerrarem um período prolongado de seca na região tão árida.

Um agricultor olha para trás enquanto caminha por um enxame de gafanhotos que se alimentam de sua plantação, na aldeia de Katitika, no Quênia — Foto: Ben Curtis/AP

Foi a melhor época de plantio que tivemos nos últimos cinco anos. Achei que eu ia colher pelo menos 280 quilos de feijão caupi, 560 kg de gramas verdes e 250 kg de milho antes da invasão de gafanhotos ”, disse Mwagire à reportagem do site Climate Home News.

A situação é preocupante. O chamado Corno de África está sofrendo a pior invasão de gafanhotos do deserto em décadas, devastando comunidades agrícolas no Quênia, Etiópia, Somália, Djibuti, Eritreia e Uganda. O Sudão do Sul e a Tanzânia agora estão na "lista de observação" das Nações Unidas.

No Quênia, é a pior infestação em 70 anos e o pior surto em 25 anos na Somália e na Etiópia. Em janeiro, dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estimaram que cerca de 110.000 hectares foram afetados pela crise de gafanhotos do deserto na região.

O diretor-geral da FAO, Qu Dongyu, disse no site da agência que se trata de “uma situação de dimensões internacionais que ameaça a segurança alimentar de toda a subregião.” Ele afirmou que a FAO está acionando mecanismos que permitirão “apoiar os governos na realização de uma campanha coletiva para lidar com esta crise."

"As autoridades da região já iniciaram atividades de controle, mas, considerando a escala e a urgência da ameaça, é necessário apoio financeiro adicional da comunidade internacional de doadores para que eles possam acessar as ferramentas e os recursos necessários para realizar o trabalho.”

Se não forem controlados, alerta a FAO, esses insetos vão se proliferar ainda mais. A velocidade de propagação da praga e o tamanho das infestações estão muito além da norma, o que faz com que as autoridades locais não consigam ser capazes de enfrentá-las. O pior é que, devido à escala das nuvens, a FAO diz que o controle aéreo é o único meio eficaz para reduzir o número de gafanhotos.

“As operações aéreas precisam ser aumentadas substancialmente e rapidamente na Etiópia e no Quênia”, afirma Du Dongyu.

Infelizmente não se tem boas notícias ainda sobre invasão de gafanhotos daqui para a frente. Cyril Ferrand, líder da equipe de resiliência da FAO no leste da África, disse ao CHN que as chuvas, embora possam ser generosas para as plantações, complicam o controle de gafanhotos no deserto. Isto, se a pulverização de inseticidas for considerada a única forma eficaz de controle.

"Nos próximos três meses, poderemos ter um problema vinte vezes maior do que temos agora, dado o crescimento típico da população se os ovos eclodirem e a vasta nova geração de insetos conseguir encontrar comida e se reproduzir o suficiente”, disse Ferrand.

Assim, em seis meses os enxames podem ser 400 vezes mais violentos, considerando que uma fêmea pode botar ovos três vezes, com cada lago contendo até 100 ovos. É preciso monitorar o solo, e para isto a FAO está treinando jovens.

“É uma corrida contra o tempo. Precisamos ser capazes de controlar a próxima geração de gafanhotos no momento em que os agricultores plantam cereais em março e abril. Estamos pedindo aos doadores que aloquem recursos agora, em vez de junho, como normalmente fazem”, disse Ferrand.

Mwagire, enquanto isso, faz contas e se desespera. Ele faz parte das 13 milhões de pessoas que estão em situação precária por causa da praga, tanto no Quênia como na Somália e Etiópia. Os gafanhotos frustraram sua esperança de comprar duas vacas e nove cabras para substituir o gado que ele vendeu durante a seca de 2018, quando ele precisou arrecadar dinheiro para pagar as mensalidades dos filhos.

Mas, mais urgente do que jogar inseticida de forma aérea, que, como se sabe, pode também espalhar doenças, a FAO está contando com a solidariedade dos mais ricos para restaurar os meios de subsistência daquelas pessoas.

“Nesta fase, e com base em estimativas iniciais, a FAO busca US$ 70 milhões para apoiar urgentemente as operações de controle de pragas e proteção de meios de subsistência nos três países mais afetados”, diz o site da instituição.

Não custa lembrar que em 2018 os gastos militares globais alcançaram US$ 1,82 trilhão, segundo dados do Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês).

São tristes e complexos os problemas de nossa era.

VÍDEO

Em 4 de janeiro, o Bom Dia Brasil abordou o tema dos gafanhotos na África, confira na matéria de arquivo abaixo:

Praga de gafanhotos ameaça o leste da África

Praga de gafanhotos ameaça o leste da África

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