Por Luciano Trigo

Escritor, jornalista, tradutor e editor de livros. E pai da ... ver mais

O destino trágico da amante de Goebbels

Após se envolver com o ministro da Propaganda de Hitler, a atriz e estrela em ascensão Lida Baarova teve uma vida difícil.


Capa do livro "Doutor Goebbels – Vida e morte", de Roger Manvell e Heinrich Fraenkel — Foto: Divulgação

De maneira inusitada, o gênio diabólico Joseph Goebbels, mentor da máquina de propaganda nazista, ganhou destaque no noticiário da semana passada, o que me fez retomar a leitura de uma de suas biografias, “Doutor Goebbels – Vida e morte”, de Roger Manvell e Heinrich Fraenkel (Madras, 352 pgs. R$ 49). Existe outra disponível no mercado, mais extensa e detalhada, “Goebbels – Uma biografia”, do especialista em Terceiro Reich Peter Longerich (Objetiva, 804 pgs R$ 94), mas o livro de Manvell e Fraenkel tem a vantagem de ter sido escrito quase no calor da hora, por dois autores britânicos contemporâneos dos acontecimentos narrados.

Embora seja uma biografia satisfatória em todos os aspectos, o fato de Manvell e Fraenkel terem sido ligados à indústria do cinema beneficia particularmente os capítulos sobre a atuação de Goebbels na cultura alemã. Não apenas em relação à análise dos aspectos estéticos do projeto nazista, que rejeitava a “degenerada” arte moderna, mas também na reconstituição de episódios de bastidores – e de algumas histórias de alcova. Uma dessas histórias envolve a atriz tcheca Lida Baarova, a principal amante de Goebbels.

Talentosa e com uma sedutora beleza eslava, Baarova fez seu primeiro filme aos 17 anos e, aos 20, já era a atriz mais famosa da Tchecoslováquia. Foi quando ela foi descoberta pelos diretores da UFA, a produtora estatal de cinema alemã, e trocou Praga por Berlim. Seu primeiro longa alemão, “Barcarole”, foi um êxito de público e crítica, e seu par romântico na tela, o ator Gustav Fröhlich, se tornou também seu namorado na vida real. O casal foi morar numa ilha na periferia de Berlim, Schwanenwerder, e um de seus vizinhos era, justamente, o todo-poderoso Goebbels, que controlava com mão de ferro os filmes produzidos pela UFA.

Atriz tcheca Lida Baarova era a principal amante de Goebbels — Foto: Divulgação

Goebbels, casado com Magda, um modelo de mulher nazista, e pai de seis filhos, conheceu Lida Baarova em 1936, e foi amor à primeira vista. A estrela em ascensão Lida não seria apenas mais uma na longa fila de atrizes que foram constrangidas, em troca de papéis, a se relacionar com o ministro de Hitler. A aventura logo se transformou em algo mais sério – e, o que era mais grave, de conhecimento público. Por algum tempo, a abnegada Magda aceitou a situação, mas quando, já em 1938, já às vésperas da guerra, seu marido deu sinais de que a abandonaria para ficar com a atriz, a casa caiu. Ela própria amiga próxima de Hitler, Magda foi diretamente ao Führer. Hitler ficou furioso, convocou Goebbels para uma reunião de emergência e ordenou que ele encerrasse imediatamente o relacionamento com Lida. Ordem dada, ordem cumprida.

Aqui começa a tragédia da atriz que sonhava se tornar uma nova Marlene Dietrich. Depois de ela ter recusado várias ofertas para filmar em Hollywood, as portas da UFA se fecharam para Lida Baarova, que foi proibida de atuar na Alemanha – e também de sair da Alemanha. Seu filme mais recente foi retirado de cartaz por ordem direta de Hitler. Impedida de fazer aparições públicas e constantemente vigiada por agentes da Gestapo, ela conseguiu fugir para Praga – mas já não era bem-vinda na cidade natal, onde era vista como uma traidora. Voou então para a Itália fascista (fascista mesmo, tá? Não de mentirinha), onde conseguiu voltar a atuar no cinema: fez cinco filmes entre 1942 e 1944, mas com a queda de Mussolini ela teve que fugir novamente.

Lida Baarova acabou sendo presa pelas tropas aliadas e extraditada para seu país, onde foi novamente presa por colaboração com o Nazismo. Sua família também foi presa, e sua mãe morreu durante um interrogatório. Pouco mais tarde, sua irmã Zorka se suicidou. Depois de 18 meses em uma cela, a atriz teve um colapso nervoso e foi internada em um sanatório. Finalmente libertada, viajou para a Argentina e, depois, novamente para a Itália, onde voltou a atuar – inclusive em um pequeno papel no clássico de Fellini “Os boas-vidas” (“I Vitelloni”, 1953). Mas passou as décadas seguintes na pobreza e no ostracismo, até morrer aos 86 anos em Salzburg, em 2000, depois de uma longa luta com o Mal de Parkinson.

Episódio menor e desimportante da biografia de Goebbels, a tragédia pessoal de Lida Baarova mostra como pode ser curta a distância entre o sucesso e o fracasso, entre o céu e o inferno – e como pode ser perigoso se deixar intoxicar pela sedução do poder.