A PALAVRA EXISTE OU NÃO?

Quem lê esta coluna com certa frequência bem sabe como detesto reduzir fatos linguísticos a discussões simplistas do tipo certo ou errado. Outro tipo de pergunta muito frequente é se uma determinada palavra existe ou não. E aqui temos um problema bem interessante para resolver.

A pergunta pode parecer boba, mas eu quero entender melhor o que significa uma palavra não existir. É a palavra que alguém inventa mas ninguém usa nem aparece registrada em nossos dicionários ou seria aquela palavra que muita gente usa embora não esteja no dicionário? Se a resposta for a segunda opção, estaremos diante de um novo problema: qual dicionário?

Sabemos muito bem que, para o brasileiro em geral, quando se fala em dicionário, só pode ser o Aurélio. Isso não significa que seja o único ou necessariamente o melhor. Estou apenas constatando um fato. Eu mesmo nesta coluna tenho citado outros dicionários: Houaiss, Michaelis, Larousse, Globo, Caldas Aulete, Ruth Rocha, Antenor Nascentes... Por uma questão de justiça e honestidade intelectual, outras fontes devem ser pesquisadas e citadas. A verdade, no entanto, é que, para a maioria, na hora da dúvida, quem decide é o Aurélio.

Por causa disso, quero deixar um alerta: cuidado com as novas edições do Aurélio! As últimas edições trazem algumas novidades.

Vejamos o exemplo do verbo penalizar.

Sempre ensinei, porque assim aprendi, que penalizado não era sinônimo de punido. Segundo o dicionário Michaelis, penalizar é “causar pena ou dó a, sentir grande pena, sobrecarregar de modo penoso”. Assim sendo, uma pessoa penalizada só poderia ser aquela “que sentia muita pena de alguém ou de alguma coisa”: “Ela ficou penalizada diante da miséria humana”.

Alguns leitores me alertaram para o novíssimo Aurélio. É verdade. Lá está: “penalizar. 1. Causar pena ou desgosto a (...) 2. Infligir pena a ‘O juiz penalizou o time’. (...)”. Se alguém não percebeu, eu explico: “infligir pena a” significa “aplicar pena” ou, em outras palavras, PUNIR.

O nosso grande Aurélio libera, portanto, o uso de penalizar como sinônimo de punir. Confesso que tenho um pouco de dificuldade. Afinal, foram tantos anos... Vou continuar penalizado pelo sofrimento de tantos brasileiros e revoltado porque muitos safados ainda não foram punidos.

Prometo, por outro lado, não mais criticar quem usar penalizado em vez de punido. Quando alguém disser que o jogador foi penalizado com cartão vermelho, juro que não direi nada. Só pensarei baixinho: que coisa horrorosa!

 

DISPONIBILIZAR ou TORNAR DISPONÍVEL?

Certa vez recebi um e-mail de um ex-aluno, na verdade um participante dos meus cursos de redação empresarial para executivos. Ele me deixou o seguinte recado: “...lembro bem o senhor ter nos ensinado que não deveríamos usar o verbo disponibilizar porque não existia em nossos dicionários (...) fiquei surpreso pois o novíssimo Aurélio registra o nosso “amado” disponibilizar. Que devemos fazer?”

O ex-aluno e agora leitor tem razão. Os meus leitores já sabiam disso, pois já escrevi sobre esse caso.

O curso de que fala o nosso leitor foi para Auditores da Qualidade. Já faz mais de dez anos.

Nos meus cursos, quando analiso o uso de neologismos, sempre faço algumas observações:

1a) nada impede que um neologismo que hoje não aparece em nossos dicionários venha a ser devidamente “dicionarizado” (foi o que aconteceu com o disponibilizar);

2a) o fato de uma palavra não estar registrada em nossos dicionários não significa que estejamos proibidos de usá-la.

É interessante lembrar o caso da palavra “não conformidade”, até hoje sem registro algum, nem no novíssimo Aurélio. O meu querido ex-aluno deve estar lembrado do que ensinei: “Como pode um auditor da qualidade escrever um relatório de não conformidades sem usar a palavra não conformidade? Tenho a certeza de que a palavra estará presente em futuras edições de nossos dicionários”.

Isso significa que não sou contrário a um neologismo pelo simples fato de ele não estar no dicionário. Continuo a favor do uso técnico da palavra “não conformidade” (=descumprimento de um requisito especificado), embora ainda não esteja registrada em nenhum dicionário.

Quanto ao disponibilizar, apesar de aparecer nas últimas edições dos nossos principais dicionários, continuo não gostando. É modismo e é usado exageradamente. Não posso, é claro, considerar erro o uso do verbo disponibilizar. Não só porque já está devidamente dicionarizado, mas principalmente porque sou contrário a essa história de certo ou errado.

Além do mais, você se referiu ao verbo como “amado disponibilizar”. Quem sou eu para atrapalhar essa relação tão bonita? Se eu era o estorvo, sinta-se liberado. Pode externar livremente os seus sentimentos e use o disponibilizar à vontade. Só não abuse: você pode ficar tão enjoado quanto eu.

 

DÚVIDAS DOS LEITORES


TACHA  ou  TAXA?

TACHAR  ou  TAXAR  ou  TACHEAR?

TACHATIVO  ou  TAXATIVO?

 

TACHA = espécie de prego; ou mancha, defeito moral; ou tacho grande;

TAXA = tributo; ou razão de juro;

TACHAR = acusar, censurar, pôr defeito em (“Ele foi tachado de corrupto”);

TAXAR = fixar ou determinar uma taxa, um tributo (“Estes serviços não serão taxados pelo governo”);

TACHEAR = pregar tachas (preguinhos) em (“É um sofá todo tacheado”);

TACHATIVO (não há registro em nossos dicionários);

TAXATIVO = que taxa, que limita; restritivo; definitivo (“O diretor foi taxativo ao afirmar que...”).