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  • Saiba a maneira correta de empregar o pronome reflexivo 'se'

    Quem lê esta coluna com certa frequência já sabe. Estou há mais de um mês tentando organizar a minha correspondência, por isso não estranhe o fato de eu fazer alusão a uma carta antiga ou escrever a respeito de alguma pergunta já respondida. É que o número de leitores novos, graças a Deus, é muito maior do que eu imaginava.

    O assunto de hoje é bem interessante. Por meio de fax, mensagens eletrônicas ou cartas, vários leitores querem saber se o verbo “suicidar-se” é um pleonasmo ou não.

    O argumento basicamente é o seguinte: o verbo “suicidar-se” vem do latim “sui” (”a si” = pronome reflexivo) + “cida” (=que mata). Isso significa que “suicidar” já é “matar a si mesmo”. Dispensaria, dessa forma, a repetição causada pelo uso do pronome reflexivo “se”.

    Quanto à etimologia (=origem da palavra), os leitores têm razão.

    Já que falamos em etimologia, é importante lembrar que as palavras terminadas pelo elemento latino “cida” apresentam essa triste ideia de “matar”: se o formicida mata formigas, se o inseticida mata insetos e se o homicida mata homens, o suicida só pode matar a si mesmo.

    Não devemos, entretanto, fazer confusões. Existe uma pelo menos que, em vez de matar, salva muitas vidas: é a Nossa Senhora de Aparecida. A nossa padroeira, graças a Deus, tem outra origem.

    Voltando ao verbo “suicidar-se”. Na verdade, os nossos leitores só têm razão quanto à origem da palavra. Se observarmos o uso contemporâneo do verbo “suicidar-se”, não restará dúvida: ninguém diz “ele suicida” ou “eles suicidaram”. O uso do pronome reflexivo “se” junto ao verbo está consagradíssimo. É um caminho sem volta. É um pleonasmo irreversível.

    O verbo “suicidar-se” hoje é tão pronominal quanto os verbos “arrepender-se”, “esforçar-se”, “dignar-se”... Da mesma forma que “ela se esforça” e “eles se arrependeram”, “ela se suicida” e “eles se suicidaram”.

    Diferente é o caso do verbo “autocontrolar-se”. O prefixo “auto” vem do grego e significa “a si mesmo”. Existe o substantivo “autocontrole” (=controle de si mesmo”), mas não há registro do verbo “autocontrolar-se”. Se você quer “controlar a si mesmo”, basta “controlar-se”.

    É interessante, porém, saber que os nossos dicionários registram “autocriticar-se”, “autodefender-se”, “autodefinir-se”, “autodenominar-se”, “autodestruir-se”, “autodisciplinar-se”, “autoenganar-se”, “autogovernar-se”...

    Resumindo: o uso correto do verbo é SUICIDAR-SE.

     

    2) “Estamos a VOSSO  ou  SEU dispor”?

    Os pronomes de tratamento (= senhor, Vossa Senhoria, Vossa Excelência...) fazem concordância na 3a pessoa. Portanto, o correto é “estamos a seu dispor”.

    Não esqueça que Vossa Senhoria e Vossa Excelência são iguais a você (=3a pessoa), e não a vós (2a pessoa do plural).

    Observe o exemplo:

    “Vossa Senhoria deve comparecer à reunião do próximo dia 20. Ficamos a sua disposição para mais esclarecimentos.”

     

    3) ALGUM ou NENHUM?

     

    Deu na Aula Extra: “...não faça restrição alguma...”, “...palavra sem registro algum”.

    Comentário de um leitor: “Meu velho professor de Português já ensinava nos anos 30 que é correto o uso de duas negativas em uma oração, assim: não vou não, não tenho dinheiro nenhum.

    Não seria melhor, e até mais bonita, a forma sugerida pelo meu  professor?”

    Eu também não considero erro o uso de duas negativas. São inevitáveis frases do tipo “não fiz nada” e “não vi ninguém”.

    Entretanto, se for possível, prefiro evitar a repetição de negativas. Em resumo:

    1o) Não considero errada a frase “não tenho dinheiro nenhum”;

    2o) Prefiro não repetir as negativas: “não tenho dinheiro algum”;

    3o) Prefiro mesmo é “ter algum dinheiro”!!!

     

    4) HAJA VISTA ou HAJA VISTO?

    Deu na Aula Extra: “Foi demitido haja vista o problema surgido.”

    Leitor protesta: “O senhor escreveu que não existe a forma haja visto. Mas haja visto não é o pretérito perfeito do subjuntivo, formado pelo subjuntivo do verbo haver (haja) e o particípio do verbo ver (visto)? O particípio corresponde a um adjetivo e flexiona-se. No exemplo acima o particípio deve concordar com a palavra problema, que é masculina. Então, acho que haja visto pode ser empregado corretamente na frase acima.”

    Você tem razão quando diz que haja visto pode ser a forma composta do verbo ver: “Embora o comentarista haja visto (=tenha visto) o lance várias vezes, a dúvida permaneceu.”

    Não devemos, entretanto, confundir os casos. Na frase analisada nesta coluna, a expressão “haja vista” significa “tendo em vista, devido a, por causa de”. Não é verbo. É uma expressão tão invariável quanto “tendo em vista”: “Foi demitido haja vista (ou tendo em vista) o problema surgido”.


  • Está certo ou errado? Ou será uma questão de adequação?

    Leitor solicita que eu faça um rápido comentário a respeito de cada exemplo a seguir.

     

    1.“...mais um acidente com vítima fatal.”

    FATAL é “o que provoca a morte”. Portanto, não é a vítima que é fatal. FATAL é o acidente. “Vítima fatal” está consagrada pelo uso e, hoje, perfeitamente compreensível.

     

    2. “Os vencimentos serão pagos numa parcela única.”

    “Parcela única” é muito estranho. PARCELA é “pequena parte de qualquer coisa”. Rigorosamente, “pequenas parcelas” pode ser uma redundância e “parcela única” seria incoerente.

     

    3. “Queremos reaver o prejuízo.”

    Duvido que alguém queira o prejuízo de volta. Queremos é ser indenizados pelo prejuízo.

    Não sejamos, entretanto, tão rigorosos com a língua portuguesa, a expressão “correr atrás do prejuízo”, embora incoerente, é perfeitamente compreensível.

     

    4. “O secretário explicou ontem por que deixou o cargo.”

    Se tinha deixado o cargo no dia anterior, não era mais secretário.

    Portanto, “o ex-secretário explicou ontem por que deixou o cargo”.

     

    5. “Se o atacante for regularizado pela Federação...”

    Não é o atacante que deve ser regularizado. A situação do jogador é que deve ser regularizada pela Federação. Leitor tem razão em parte. Nossa língua não é tão lógica como muitos pensam. O subentendido faz parte da nossa linguagem. Não sejamos tão rigorosos.

     

    6. “Ninguém se feriu no desabamento, com exceção do porteiro.”

    Para que o porteiro não se sinta pior que “ninguém”, seria melhor ter escrito: “Somente o porteiro se feriu no desabamento”. Concordo com o leitor. Frase de muito mau gosto.

     

    7. “O Pão de Açúcar é quase 20 vezes menor que o Aconcágua.”

    É impossível ser “20 vezes menor”. É um problema matemático. O contrário de “3 vezes mais” é “um terço”. Na verdade, “o Aconcágua é 20 vezes maior que o Pão de Açúcar”.

     

    8. “Ao contrário do que foi publicado ontem, Romário fez dezoito e não dezessete gols...”

    Dezoito e dezessete não são coisas contrárias. Portanto, o mais adequado é dizer: “Diferentemente do que foi publicado ontem...”

     

    9. “Um homem se afogou e foi tirado do mar desacordado.”

    Ou se afogou ou estava desacordado. Se houve afogamento, o homem estava morto; se foi tirado do mar desacordado, o homem quase se afogou.

     

    10. “O filho fez curso de técnico de som até se tornar um nome de referência na área.”

    Isso é que é força de vontade. Não largou o curso enquanto não ficou famoso. Para ficar claro: o rapaz fez um curso de técnico de som e tornou-se famoso na sua área. Ficou famoso depois de fazer o curso, e não “fez o curso até ficar famoso”.

     

    Fui eu QUEM FEZ ou Fui eu QUE FIZ?

    Tanto faz.

    O verbo pode concordar com o pronome QUEM (=quem fez) ou com o antecedente do pronome QUE (=eu que fiz).

    Vamos observar o exemplo que um leitor nosso encontrou no livro Memorial do Convento do grande escritor português José Saramago: “...são eles quem está construindo a obra que lhe vou mostrar...”

    Nesse caso, embora o antecedente esteja no plural, o autor faz o verbo concordar com o pronome QUEM: “...eles quem ESTÁ construindo...”

    Corretíssimo.

     

    Pode-se tornar OU pode se tornar?

    Leitor nos escreve: “Na versão eletrônica do Estadão, lia-se a seguinte frase ‘Corinthians pode-se tornar campeão domingo’. Não sei se se trata de um erro de impressão ou, pior ainda, de gramática, mas parece-me que a frase é incorreta.”

    A frase pode perecer estranha, mas não está errada. Trata-se de uma ênclise do verbo auxiliar (=pode-se tornar). Essa colocação do pronome átono após o verbo auxiliar é raríssima no português do Brasil. A maioria dos brasileiros diria “Corinthians pode se tornar...” (sem hífen = próclise do verbo principal).

    Eu prefiro a ênclise do infinitivo: “Corinthians pode tornar-se campeão no domingo”.


Autores

  • Sérgio Nogueira

    Sérgio Nogueira é professor de língua portuguesa formado em letras pela UFRGS, com mestrado pela PUC-Rio. É consultor de português do Grupo Globo.

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O professor Sérgio Nogueira esclarece dúvidas de português dos leitores com exemplos e dicas que facilitam o uso da língua. Mostra erros comuns e clichês que empobrecem o texto.