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  • Por que muçarela se escreve com ç?

    Já faz um bom tempo que me fizeram uma curiosa consulta: “Professor, é verdade que muçarela se escreve com cê-cedilha?”

    Diante da minha resposta afirmativa, a pergunta seguinte foi: “Então, eu devo escrever muçarela com cê-cedilha?”

    É claro que sim. Se tive a oportunidade de aprender que é assim que se escreve muçarela, não entendo por que continuar escrevendo “errado”.

    Sei muito bem que a maioria escreve “mussarela”, com dois esses. É assim que vemos a palavra escrita em pizzarias, supermercados, cardápios...

    Importante, porém, é que você saiba que a grafia oficial é MUÇARELA, pois essa é a forma registrada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), publicado pela Academia Brasileira de Letras.

    Importante também é você saber por quê. O Português é uma língua neolatina. Tem sua origem no Latim, assim como o Espanhol, o Francês, o Italiano, o Romeno... O Português é “a última flor do Lácio”, como escreveu um dia o poeta Olavo Bilac. O Latim era a língua oficial da Roma antiga. Os romanos impuseram sua língua a todos os povos dominados. E isso demorou séculos.

    Com a queda e consequente fragmentação do Império Romano, o Latim também se dividiu nas várias línguas neolatinas.

    Como bem sabemos, a língua portuguesa chegou ao Brasil em 1.500 com as naus de Pedro Álvares Cabral. Para nossa surpresa, entretanto, o sistema gráfico só foi oficialmente criado em 1943. Antes disso, várias palavras admitiam dupla grafia: farmácia e pharmacia; Brasil e Brazil, aderir e adherir...

    Esse acordo é válido até hoje. Sofreu apenas duas pequenas reformas: uma em 1971 e essa última mais recente. Bem ou mal, é esse o sistema ortográfico vigente, hoje, para a nossa língua portuguesa.

    E a muçarela? Que tem a ver com tudo isso?

    Simples. O nosso sistema ortográfico estabeleceu que, nas palavras estrangeiras aportuguesadas, o fonema /ce/, diante das vogais “a”, “o” e “u”, deveria ser grafado com cê-cedilha: “ça”, “ço” e “çu”. Em razão disso, é que escrevemos: açaí, miçanga, paçoca (palavras vindas de línguas indígenas e africanas), açúcar (do árabe), praça (do espanhol), palhaço (do italiano)...

    Muçarela vem do italiano mozzarella. Os dicionários, num primeiro momento, só registraram mozarela, mas essa forma gráfica nunca se consagrou, provavelmente porque a pronúncia no Brasil não é /mozarela/.

    A forma “mussarela”, sem dúvida, é a mais usada e já aparece registrada em alguns dicionários, mas contraria o nosso sistema ortográfico vigente e não está registrada no Vocabulário Ortográfico da ABL.

    Assim sendo, oficialmente, gostando ou não, devemos escrever MUÇARELA.

    Certa vez, fiz uma pesquisa na internet para ver quantas vezes as palavras muçarela e “mussarela” foram utilizadas. “Mussarela” ganhou de goleada. Isso é representativo e justificaria a dupla grafia.

    Num concurso, porém, o que vale mesmo é a MUÇARELA.

    Não confunda...

     ...ASCENDÊNCIA com DESCENDÊNCIA
                      
    Ascender é subir, e descender é derivado de descer. Assim sendo, meus pais, avós e bisavós fazem parte da minha ascendência. A minha descendência são meus filhos, netos, bisnetos e assim por diante. Outro dia, uma modelo querendo dizer que seus avós paternos eram holandeses, soltou a pedrada: “Devo meus olhos azuis à minha descendência holandesa”.

    ...ESPIAR com EXPIAR

    Espiar, com “s”, é “espionar, olhar, observar”; e expiar, com “x”, é “penar, pagar ou cumprir pena”. É por isso que o espião e a espionagem também se escrevem com “s”. Já o famoso “bode expiatório” deve ser escrito com “x”, pois é “aquele que pena pelos outros”, é “aquele que leva a culpa”. É expiatório com “x” porque vem do verbo expiar (=penar).

    ...DESTRATAR com DISTRATAR

    Destratar é "tratar mal": "A mulher foi destratada pelo marido na frente dos vizinhos";

    Distratar é "romper um trato, desfazer um contrato": "O gerente foi obrigado a distratar tudo"; "Tivemos que assinar um distrato".

    ...PÔDE com PODE
                      
    Pôde, com acento circunflexo, é a terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo: "Ele se machucou e não pôde continuar jogando".

    Pode, sem acento gráfico, é a terceira pessoa do singular do presente do indicativo: "A partir de agora, ele não pode mais trabalhar aqui".

    Observe a importância do acento: "Ele não pôde ou não pode jogar tênis"? Com acento, trata-se de um fato passado: "Ele não pôde jogar tênis", mas poderá jogar num outro dia. Sem acento, trata-se de um fato presente ou permanente: "Ele não pode jogar tênis", porque não leva jeito.

    É importante lembrar que esse caso não foi alterado pelo novo acordo ortográfico.

  • Entenda os argumentos a favor e contra o uso de estrangeiros

    O USO DOS ESTRANGEIRISMOS

    Quando o assunto são os estrangeirismos, é briga na certa. Metade a favor, metade contra.

    Como eu mesmo já disse várias vezes, é muito difícil ser moderado nesta terra. Consegue-se desagradar aos dois lados.

    Os puristas radicais querem que eu assuma uma posição mais firme contra a invasão de termos ingleses. Chegam a propor leis como a que existe na França, que proíbe o uso de termos estrangeiros.

    No outro extremo, estão aqueles que “topam tudo”, que adoram um atendimento VIP, assistir a um talk show, ver o replay da jogada, dar um clik, fazer um check-up, ser um bad boy ou talvez um gay, sugerir um brainstorm, pedir um briefing, fazer um coffee break, sair para a night e ficar no maior love.

    Uma leitora que é contra o uso excessivo dos anglicismos criou, com muita ironia, um convite cheio de palavras e expressões inglesas tão usuais entre nós.

    Por falta de espaço, vou reproduzir apenas alguns trechos do texto:

    “Faço um convite a todos que amam a língua portuguesa (...)  passarmos um weekend juntos em qualquer point (...) na praia, sem topless (...) assistir a um jogo de beach soccer (...) beber um ice tea. (...) ler no jornal o que há de novo no setor de business ou ler a coluna de alguma socialite (...) e saber o que está in ou out no momento. Na hora do almoço, uma comidinha light, com um refrigerante diet (...) ao lavar as mãos, não esqueça que push é empurre (...) e na hora da conta pagar cash em vez de usar ticket. Após (...) no carro com air bag, parar num self service e aproveitar o oil express (...). Iremos a um shopping (...) assistiremos a um filme com happy end (...) comeremos um hot dog... Ao sairmos, devemos procurar por EXIT. Podemos também ir a uma livraria (...) comprar um best seller (...) ler numa revista especializada sobre os designers de novos carros (...) descobrir o hobby de um pop star (...) ou o show de algum cover...

    Sei que será difícil, mas nada que um bom trabalho de marketing não resolva. Poderemos criar um poderoso slogan e um jingle bem divertido. Isso sem contar nos outdoors espalhados pelo país. All right?”

    Não é preciso um esforço sobrenatural para comprovarmos a abusiva presença de palavras inglesas na nossa linguagem cotidiana. Algumas são inevitáveis e consagradas como topless, show e marketing. A maioria, entretanto, é puro modismo.

    Impossível é criar uma regra. É muito subjetivo. Que palavras ou expressões estrangeiras são aceitáveis? Quais devem ser traduzidas? Play off ou “melhor de três” ou “fase decisiva” ou “mata-mata”? Shopping ou centro comercial? Know how ou “conhecimento”? Topless ou “???”? E quais devem ser aportuguesadas? Black out ou blecaute? Layout ou leiaute? Stress ou estresse? Air bag ou “erbegue”? On-line ou “onlaine”?

    Não vejo uma solução definitiva. É briga na certa.

    Por isso tudo, mantenho a minha posição moderada. Nada de radicalismos. Cada caso merece uma análise individual.

    Em geral adoto o seguinte critério: 1o) se for possível, a tradução: futebol de areia (beach soccer), autoatendimento (self service); 2o) se for possível, o aportuguesamento: blecaute, estresse; 3o) se não for possível traduzir nem aportuguesar, a palavra estrangeira é bem-vinda: dumping, ranking, software, marketing...

    BIFÊ ou BUFÊ?

    A língua francesa forneceu um grande número de palavras à língua portuguesa. A maioria já foi devidamente aportuguesada. Assim, a palavra francesa buffet foi aportuguesada para bufê (= escreve-se com “u” pronunciado como “u” mesmo).

    A realidade, porém, é que no Brasil existe uma incontestável preferência pela forma original francesa: buffet. Será que temos aqui algum tipo de preconceito? Do tipo BUFÊ é coisa de pobre? Espero que não.

    Vejamos outras palavras francesas que já foram aportuguesadas: avalancha, boate, batom, buquê, balé, cabina, camionete ou camioneta, chassi, chique, conhaque, guidom ou guidão, marrom, vermute...

    DESINTERIA ou DESENTERIA ou DISENTERIA?

    Carta do leitor: “Navegando pela sua página, observei um pequeno equívoco. Assim está escrito: ERRADO: ‘Estava com desinteria’. CERTO: ‘estava com desenteria’. Não seria disenteria?”

    O nosso leitor está certíssimo. O mau funcionamento dos intestinos, a inflamação intestinal é DISENTERIA.

    O prefixo “dis” significa “dificuldade, mau funcionamento”. É o mesmo que aparece em DISFAGIA (=dificuldade na deglutição, para comer); DISPEPSIA (=dificuldade de digerir, na digestão); DISLALIA (=dificuldade na fala, na dicção); DISPNEIA (=dificuldade na respiração); DISRITMIA (=distúrbio de ritmo)...

    É importante lembrar que o estudo do intestino e das suas funções é a ENTEROLOGIA (do grego énteron = interior, intestino). Daí o famoso o enteroviofórmio, aquele “remedinho” de tristes lembranças.

    MADRUGADA DE DOMINGO ou DE SÁBADO PARA DOMINGO?

    É comum ouvirmos: “O jogo será na madrugada de sábado para domingo.”

    Rigorosamente não existe madrugada de sábado para domingo.

    Basta dizer: “O jogo será na madrugada de domingo.” Madrugada é o intervalo de tempo correspondente às últimas horas da noite, antes do nascer do Sol (=entre a meia-noite e, aproximadamente, as 6h da manhã).


  • Conheça erros gramaticais em propagandas famosas

    Leitor quer saber minha opinião a respeito de algumas mensagens publicitárias que apresentam, segundo ele, erros gramaticais.

    Na sua mensagem, ele diz: “...sempre fui voto vencido. Quando questionava uma frase por conter algum erro gramatical, sempre havia aqueles que diziam que a linguagem publicitária é diferente, que pode tudo ou usavam outros argumentos com os quais nunca concordei. Caro professor, comente as frases abaixo sob a luz da gramática tradicional. Faça de conta que não é propaganda. Quero apenas testar os meus conhecimentos gramaticais adquiridos há algum tempo e que me custaram muito sofrimento". As frases são as seguintes:

    Vem pra Caixa você também.

    Você quer um desconto? Faz um 21!

    Obedeça sua sede.

    O primeiro pagamento só daqui 45 dias.

    Quem lê, sabe.

    Vota Brasil.

    Vamos dividir a resposta em três partes:

    1a) Nos dois primeiros exemplos, encontramos o mesmo problema. É um vício de linguagem muito característico do português falado no Brasil. É o chamado duplo tratamento (=mistura de 2a com 3a pessoa).

    O pronome “você” vem de “vossa mercê”. Trata-se de um pronome de tratamento. Faz concordância na 3ª pessoa (=você vem, você faz, você fala...), embora se refira ao receptor da mensagem (substitui o pronome “tu” = 2ª pessoa do discurso).

    A mistura ocorre na hora de usarmos o verbo no imperativo afirmativo. Enquanto a 2ª pessoa vem do presente do indicativo sem o “s” (=vem tu, faze ou faz tu, fala tu), a 3ª pessoa vem do presente do subjuntivo:

    que você venha – venha você;

    que você faça – faça você;

    que você fale – fale você.

    Assim sendo, num texto formal em que se fizesse necessário o uso culto da língua portuguesa, deveríamos dizer:

    Venha para Caixa você também;

    Você quer um desconto? Faça um 21.


    2a) Nos exemplos 3 e 4, houve a omissão indevida da preposição “a”. O verbo “obedecer” é transitivo indireto. Se você realmente obedece, sempre deverá obedecer “a” alguma coisa. A mesma propaganda diz que “a imagem não é nada”. Pelo visto, para os autores da frase, a preposição também não é. O certo seria “Obedeça a sua sede”. O uso do acento da crase, nesse caso, é facultativo.

    No exemplo 4, também está faltando a preposição. Tudo é “daqui a”: “O primeiro pagamento só daqui a 45 dias”.

     

    3a) Os dois últimos exemplos já foram comentados nesta coluna. Evitando voltar às velhas discussões sobre o assunto, repito apenas a minha opinião.

    Em “Quem lê, sabe”, não deveríamos usar a vírgula, pois separa o sujeito do predicado: “Quem lê sabe”; “Quem bebe Grapete repete”.

    Em “Vota Brasil”, falta a vírgula. O termo “Brasil” não é o sujeito da oração. É vocativo. A forma verbal (= vota) está no imperativo. Deveríamos escrever: “Vota, Brasil”.

     

    2) CRASE IMPOSSÍVEL

    Leitor quer saber a minha opinião a respeito do excessivo uso do acento da crase numa única página da internet: “...ainda à partir da segunda metade (...) só tende à esquentar (...) surpreendeu à todos (...) rodando à 1,5GHz (...) melhora o suporte à CD (...) suporte à HTLM moderno (...) rodando à 433MHz e 466MHz...”

    O nosso leitor tem inteira razão. O autor da página não acertou uma sequer. Em todos os casos não ocorre a crase porque não há artigo definido. Temos apenas a preposição “a”.

    Não esqueça que é impossível haver crase:

    1o) antes de verbo: “a partir da segunda metade”, “tende a esquentar”;

    2o) antes de palavras masculinas: “surpreendeu a todos”, “suporte a HTLM moderno”.

     

    3) MEGA SENA ou MEGA-SENA ou MEGASSENA?

    Carta de leitor: “Insisto com o problema do mega: mega-sena, mega sena, megasena ou megassena? Há meses aguardo uma explicação e já estou desconfiado de que não tenho resposta justamente por causa da insistência. Puxa, lá vem de novo aquele cara chato com a questão da megassena. Tudo indica que esta seja a forma correta, mas a dúvida permanece.”

    Só vou responder devido à sua insistência, pois considero essa discussão um caso perdido.

    O elemento “mega”, segundo o novo acordo ortográfico, só deve ser usado com hífen se a palavra seguinte começar por H ou vogal igual à última do prefixo: mega-avaliação, mega-hospital...

    Nos demais casos, é sempre usado sem hífen, “tudo junto” como se diz popularmente: megacéfalo, megaevolução, megafone, megassismo, megawatt, megaevento, megaempresário...

    Assim sendo, deveríamos escrever “megassena”. Por ser uma marca, torna-se um caso perdido, ou seja, não tem volta.

    Outro problema é a necessidade do “ss” para manter o som do “esse”. Há muito tempo aprendemos que um “s” entre vogais representa o som do “zê”.

    Se isso fosse respeitado, escreveríamos “telessena”, “aerossol”, “Mercossul”...


Autores

  • Sérgio Nogueira

    Sérgio Nogueira é professor de língua portuguesa formado em letras pela UFRGS, com mestrado pela PUC-Rio. É consultor de português do Grupo Globo.

Sobre a página

O professor Sérgio Nogueira esclarece dúvidas de português dos leitores com exemplos e dicas que facilitam o uso da língua. Mostra erros comuns e clichês que empobrecem o texto.