A inflação de 2017 ficará abaixo de 3%, a menor desde que o Brasil adotou o sistema de metas para inflação, em 1999. Pelas regras do modelo brasileiro, o IPCA pode flutuar numa banda de 1,5 ponto percentual para cima e 1,5pp para baixo. A meta deste ano é de 4,5%, ou seja, ficando abaixo de 3%, o Banco Central terá descumprido seu mandato. Será a quinta vez que isso acontece, mas será a primeira que o problema foi a inflação ter caído demais, ou seja, ter furado o piso e não o teto da meta.
 

Também pelas normas do sistema, o presidente do BC precisará mandar uma carta ao ministro da Fazenda explicando o que se passou e o que ele pretende fazer para levar o IPCA de volta à meta. O documento é endereçado ao ministro, mas é, na verdade, uma satisfação à sociedade. Imagine a abertura da carta:
 

- Sr. ministro, o BC errou. A inflação caiu demais! Ficou muito baixa! Faremos de tudo para que ela volte a subir!
 

Por mais esdrúxula que seja a paródia, ela faz sentido e leva a algumas reflexões importantes. A primeira delas é sobre qual é a meta de inflação mais adequada, digamos assim, para o momento atual da economia brasileira. Desde 2005 o BC persegue os 4,5%, que também valerá para o ano que vem. A partir de 2019, a meta começa a baixar: 4,25% em 2019 e 4% em 2020. A banda de tolerância vai permanecer em 1,5pp, o que aumentará a flexibilidade do IPCA no período, já que a meta será menor.
 

Nestes 12 anos com uma meta de 4,5% para o IPCA, a economia viveu de tudo. Crescemos como a China, em 2010, e vivemos três anos de recessão, em 2009, 2015 e 2016, sendo que nos últimos dois anos as perdas do PIB passaram de 7%. O Banco Central também experimentou vários níveis de taxas de juros, entre a máxima de 19,75%, em julho de 2009, passando rapidamente pelos 7,25% de 2012, voltando aos 14,25% em julho de 2015, onde permaneceu por 15 meses, e os 7% de agora.
 

Nestes 12 anos, o IPCA só ficou colado ao centro da meta em 2007 (4,46%) e em 2009 (4,31%), e abaixo disso em 2009 (3,14%). Nos outros 9 anos o índice oficial rodou bem perto dos 6%, ou acima dele, chegando a 10,67% em 2015. A banda de flutuação do sistema ficou em 2 pontos durante 11 anos, permitindo que o BC acomodasse choques de preços involuntários e também, infelizmente, o desejo político do governo petista, especialmente na gestão de Dilma Rousseff.
 

Esta sopa de números mostra que a flutuação da inflação e da taxa de juros foi forte demais, o que não é nada saudável para nenhuma economia. A boa notícia é que, de um jeito, ou de outro, a moeda sobreviveu e o processo inflacionário não desandou, apesar de ter passado por momentos de altíssimo risco, como quando o governo de Dilma resolveu controlar preços à força e comprometer a credibilidade do BC.
 

O debate sobre a redução da meta de inflação não é novo e abrange muitas questões que ultrapassam o escopo de atuação do Copom. É o caso da política fiscal, ou seja, dos gastos públicos. Quanto mais desequilibrada ela for, mais o BC precisa “compensar” os riscos do descontrole dos gastos com juros mais altos. Esta foi a fórmula que vimos atuar na última década. Mesmo em momentos em que foi possível reduzir a taxa básica da economia, com um IPCA mais comportado e previsível, o Copom sempre ficou limitado ao destempero fiscal estrutural do Brasil – caso da previdência e da folha de pagamento do funcionalismo público e também do crédito subsidiado pelos bancos públicos.
 

Ora, você pode indagar, estamos exatamente num momento em que a situação fiscal é gravíssima, a mais grave da história, com inflação baixa e previsível. Há algumas diferenças estruturais que marcam este período. Do que depende do governo, as reformas aprovadas no último ano criaram uma nova fundação para a economia: teto de gastos, que limita o destempero do governo de plantão; a TLP, nova taxa de juros do BNDES que reduz subsídios ao crédito; redução da participação dos bancos públicos nas concessões de crédito; a reforma trabalhista que pode melhorar a arrecadação de impostos se a formalidade do mercado de trabalho aumentar.
 

O plano de concessões e privatizações já apresentado colabora nas duas pontas: traz dinheiro para o caixa e reduz gastos futuros com a manutenção e os riscos das empresas repassadas ao setor privado. Há outros exemplos, mas os de cima são suficientes para demonstrar a mudança estrutural, sendo repetitiva, na relação entre despesas e receitas do governo. A própria retomada da atividade já trouxe aumento de arrecadação de impostos.
 

A carta que o BC vai escrever ao ministro da Fazenda vai conseguir explicar o que aconteceu em 2017. Só a deflação de quase 5% no preço dos alimentos, depois da alta de 9% em 2016, já responde por muita coisa. A recuperação da credibilidade do BC deu mais segurança sobre o controle do processo inflacionário e também para as expectativas sobre o futuro. É improvável que o que vimos em 2017 se repita nos próximos anos. Mas isto não impede, ou pelo menos não deveria, um aprofundamento do debate sobre o tamanho da meta de inflação que o país precisa ter.
 

Como tem acontecido com todas as análises sobre a economia brasileira, a última ressalva se repete: tudo isso será realidade se, e somente se, a reforma da Previdência for aprovada antes das eleições. O mundo vai acabar se isso não acontecer? Não, nem o Brasil. Vamos apenas abrir mão da oportunidade de viver durante mais tempo com menores solavancos na inflação e nos juros, o que nos daria mais chances de crescer com qualidade bem superior ao que experimentamos no passado.