Se o Brasil fosse um cidadão comum certamente já estaria na lista mais ameaçadora da praça: a do SPC. O Serviço de Proteção ao Crédito é o maior cadastro de inadimplentes do país. Todos nós sentimos um frio na barriga em pensar na possibilidade de “ficar com nome sujo no SPC”. Na conjuntura atual, a ameaça já se concretizou para cerca de 60 milhões de brasileiros que estão com as contas atrasadas, segundo pesquisa do próprio serviço de crédito. A grande diferença entre o Brasil-nação e nós é que o governo tem máquina de imprimir dinheiro para pagar as contas. Ou pior, pode parar de pagar e ver a dívida crescer rapidamente sem que o gerente do banco bata à sua porta.

 

Guardadas as devidas proporções, o Brasil já está com “nome sujo” faz um tempo. Está registrado nas agências de classificação de risco que nos tiraram o grau de investimento – um SPC à avessas do mercado financeiro internacional. Quem ainda aceita financiar as aventuras do governante encarregado de cuidar das contas públicas vai cobrando um preço cada vez mais alto, com prazos cada vez mais curtos. O governo atual ultrapassou todos os limites razoáveis deste entendimento e levou o Brasil a pior crise fiscal desde o Plano Real. A referência ao fim da hiperinflação se dá porque não há comparação justa com um país que não tinha uma moeda.

 

Aos fatos
Nesta sexta-feira o ministro Nelson Barbosa encaminha ao Congresso Nacional o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2017 que lhe dá uma chave mestra dos cofres públicos para permitir mais um rombo nas contas – sendo o quarto ano de déficit primário seguido. Pelos cálculos de Barbosa, o governo precisa ser autorizado a gastar R$ 65 bilhões a mais do que espera arrecadar no ano que vem. Mas espera um pouco… Já resolvemos como fica 2016? Está lá no parlamento juntando poeira um pedido do governo federal para ficar no vermelho em R$ 96,6 bilhões até dezembro. Mas todos hão de convir que a coisa lá não está propícia a assumir esta discussão.

 

Faça as contas comigo:
- Em 2014 o déficit primário foi de R$ 17 bilhões. Aqui não vale muito porque a bicicleta do governo estava pedalando a toda pela Esplanada dos Ministérios.
- Em 2015, obrigado a brecar o pedal pelo TCU, o saldo negativo pulou para R$ 117 bilhões.
- Em 2016 caminhamos para um rombo de R$ 96,6 bilhões, segundo o cálculo oficial. No mercado, o montante esperado de déficit primário já ultrapassa os R$ 100 bilhões.
- Em 2017, se conseguir o aval do Congresso, a Fazenda já começa o ano devendo R$ 65 bilhões. Para a banca privada, isto é quase um trocado perto dos R$ 103 bilhões previstos por eles.

 

Poderia continuar até 2020, o ano em que, se fizer tudo certo, a partir de “ontem”, o Brasil poderá finalmente voltar para o azul. O que diferencia, ou distancia, as previsões do governo das feitas pelos analistas de mercado é a expectativa de receitas. Lá em Brasília continuam esperando receber mais do que uma dose de realismo sugeriria. Em pensar que não temos mais o Ministro Guido Mantega, o “levantador de PIB”, craque em inflar previsões... mas sua sombra parece ainda rondar a capital federal.

 

Sem a CPMF e com a recessão se aprofundando este ano, a arrecadação de impostos tende a sofrer perdas significativas, o que já está em curso. Além dos fatos corriqueiros da gestão fiscal, há os esdrúxulos por conta da gravíssima situação dos estados brasileiros. Eles deveriam contribuir com R$ 6,6 bilhões aos cofres públicos este ano – tarefa que se sabe improvável se não impossível. Se os governos regionais ganharem o direito de adotar juros simples – o que seria de uma irresponsabilidade impensável – a conta cairá no colo do governo federal. Mais de $30 bilhões levando em conta apenas os estados que já entraram na justiça para tentar a façanha surreal. O STF concedeu liminar aos seguintes: Santa Catarina, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Outros estados estão se movimentando para pedir a mesma coisa, mesmo quem sabe que é uma medida insana – a briga agora é política. Sempre foi.

 

Nelson Barbosa está se empenhando para evitar o pior fazendo peregrinações ao Palácio da Justiça. É de se espantar que um Ministro da Fazenda tenha que ir de porta em porta no STF explicar as implicações de uma reversão estapafúrdia nas regras de crédito no país. Esta é uma questão que já deveria estar superada no Brasil. É como falar em estatizar novamente a Telebras! Alguém quer?