Filtrado por inflação Remover filtro
  • Por que é difícil acreditar na queda da inflação?

    Pela segunda semana consecutiva, os analistas baixaram sua previsão para o IPCA 2017. O número agora está em 3,03%. Para 2018, as perspectivas dos analistas apontam um IPCA de 4,02%, portanto, abaixo da meta de 4,5% e com uma trajetória bastante favorável para os preços ao longo do ano que vem. Outras pesquisas feitas pelo BC indicam que o IPCA deve se manter neste mesmo patamar, perto de 4%, até 2020 – com quadro político minimamente equilibrado e aprovação da reforma da Previdência. 
     

    Pesquisa Datafolha divulgada neste domingo (3) mostrou que 60% dos brasileiros acreditam que a inflação vai subir no ano que vem. Isso é mais gente do que em setembro passado (57%) e um pouco abaixo de dezembro de 2016, quando 66% esperavam alta dos preços – naquele mês do ano passado, a previsão dos analistas para o IPCA estava em quase 5% para 2017.
     

    Por que será que está tão difícil acreditar que a inflação vai ficar baixa no Brasil? A expectativa dos chamados agentes econômicos é peça-chave do trabalho do Banco Central. Quando as pessoas não acreditam que a inflação está sob controle, a chance de ela subir é muito maior porque as decisões sobre preços – como dos salários, por exemplo – passam a ser defensivas, aumentando a indexação na economia e também a força da inércia da inflação.
     

    Foi o que aconteceu entre 2011 e 2015, quando o Copom derrubou os juros à força para 7,25% e as previsões continuaram aumentando – tanto que a taxa Selic voltou a subir rapidamente e não parou até 2016. E o IPCA confirmou a conexão com as expectativas negativas, já que ficou perto dos 6% entre 2012 e 2014 e chegou aos 10,67% em 2015.
     

    Será que a pesquisa Datafolha mostra que os ‘agentes econômicos’ que ‘contam’ para o BC estão limitados ao grupo de economistas e analistas de mercado financeiro? Não exatamente. Mas começa por eles, já que eles formam os preços dos ativos que podem influenciar na inflação, mesmo que indiretamente, como acontece com o dólar. De qualquer forma, o quadro atual tem uma explicação mais fácil para o que pode parecer um descolamento entre os economistas e os consumidores. 
     

    Os preços dos alimentos foram os que mais puxaram o IPCA para baixo em 2017, já que acumularam, até novembro, queda de quase 5%. Em 2016, neste mesmo período, a alta dos alimentos rondava os 9%. A supersafra de grãos derrubou muitos preços e o regime de chuvas evitou perdas de muitas culturas consumidas aqui durante o ano. Este deveria ser um dado a ser considerado pelas pessoas sobre sua percepção, não é mesmo? E ele é, mas pode ser também que haja uma desconfiança de que esta não é uma situação permanente e que o ciclo de queda já estaria chegando ao fim – elas têm razão sobre isso também.
     

    Só essa informação não seria suficiente para piorar a expectativa dos brasileiros sobre a inflação. O que pode ter pesado na avaliação geral foi a alta seguida e mais acentuada das tarifas de energia elétrica e dos combustíveis. Houve mesmo um aumento salgado desses dois componentes – cerca de 10% para ambos entre janeiro e novembro, segundo cálculos do Itaú Unibanco.  Estes são itens de peso no orçamento das famílias e assustam quando sobem seguidamente. Quando adicionamos a percepção correta de que acabou o ciclo de deflação dos alimentos, encontramos uma explicação para o pessimismo dos brasileiros.
     

    No final das contas, a pesquisa Datafolha não está nem um pouco equivocada. Se os analistas ouvidos pelo BC esperam que o IPCA vai ser maior em 2018 do que foi em 2017, eles não só corroboram esta visão dos consumidores como podem também influenciá-la. O que a pesquisa não revela exatamente, é qual a intensidade da alta esperada pelas pessoas.
     

    Ainda estamos muito mais perto do período de recessão, mesmo que ela tenha acabado. Há dois anos, ‘logo ali’, o IPCA foi de dois dígitos. A insegurança com o futuro do país e a decepção constante com a política misturam os sentimentos, seria incomum se isto não acontecesse. Vai levar um tempo para que a segurança com o controle da inflação seja assimilada pelas pessoas. Isto não anula a melhora da economia, mesmo que lenta e gradual; a queda acentuada do IPCA neste ano, a melhora no mercado de trabalho – ainda que de qualidade questionável.

  • IPCA abaixo da meta – não há nada que BC possa fazer para 2017

    A ameaça rondava, mas estava ainda no campo das probabilidades baixas. Agora ficou mais real e quase irrefutável. O IPCA de 2017 vai ficar abaixo da meta de inflação, que é de 4,5%, com limite inferior de 3%. O relatório Focus do BC que trouxe a confirmação do que muito já se via nos cenários possíveis para o ano. A projeção dos analistas está agora em 2,97% para o índice oficial. E já está também abaixo dos 4,5% para 2018. 


    “Não há mais nada que o BC possa fazer para impedir que o IPCA fure o piso da meta, que é de 3%. Qualquer decisão que ele tome agora só terá impacto na inflação do ano que vem. Ele pode ter a ‘sorte’ de acontecer algum repique com preços de alimentos ou a energia elétrica ficar em bandeira vermelha até o final do ano, mas é pouco provável que isso aconteça”, disse ao Blog o economista chefe do banco BBM, Leandro Rothmuller. 


    Os preços dos alimentos foram os grandes responsáveis pela queda mais acentuada da inflação neste ano. A super safra aumentou muito a oferta e forçou preços para baixo.  A recessão, que achatou a demanda por consumo também fez seu papel, mas ela teve peso maior no começo do processo de desinflação, há pouco mais de um ano, não nos últimos meses. Segundo o BC, em dezembro do ano passado, a inflação de alimentos subia 9,36% e, agora em agosto, caia 5,20%. É uma queda de mais de 14 pontos percentuais.


    “Se não fosse isso, provavelmente o IPCA teria ficado mais alto, perto da meta. Provavelmente não vai se repetir no ano que vem. O que é importante é que este movimento parece ser permanente porque não foram só os alimentos que ajudaram. Quando a gente olha no detalhe, vê que tem uma desaceleração difundida na inflação, desde serviços,  como em bens de consumo (fora alimentação), e os preços administrados também recuaram bem. A desinflação é difundida na economia”, afirma o economista do BBM.


    O índice de difusão é a medida que mostra o quanto a alta dos preços está espalhada na economia. Pelos cálculos do Rothmuller, entre 2008 e 2015, o indicador rodava perto de 65%, sendo que, em 2015, ele chegou ao pior momento, em 75%. Agora, roda perto de 45%, o que mostra controle do processo inflacionário. Não adianta responsabilizar apenas a recessão por este movimento porque a economia brasileira é muito indexada. Tanto assim que em 2015 e 2016, quando o PIB derretia, o IPCA continuava subindo.  


    Claro que houve um peso importante da crise nesta queda recente do índice, afinal, 14 milhões de desempregados provoca traumas profundos na economia e é, como repito sempre, o lado mais perverso da crise, especialmente de uma crise criada pela irresponsabilidade do governo, como foi o nosso caso. Mas, felizmente, a atuação do BC também foi importante, com a recuperação da credibilidade, uma mudança radical na comunicação das decisões e uma escalda da previsibilidade na condução do Copom e seus efeitos. O que é desejável para um país em busca da estabilidade da moeda.


    Outra novidade no cenário atual da inflação é a fonte de riscos. O que ameaça esse processo benigno que acontece agora não vem da economia, ou das fontes conhecidas como alta do dólar, ou aumento dos salários. A composição da recuperação econômica é positiva diante de um parque produtivo ainda muito obsoleto – há espaço para acomodar muita demanda antes de haver pressão por ajuste de preços. O risco maior é institucional, distante, pouco palpável agora. Começa pela não aprovação da reforma da Previdência num horizonte razoável de tempo, em até 2 anos. Passa pela eleição de 2018 e as escolhas que serão feitas pela sociedade. 


    A queda dos juros vem a reboque da derrubada do IPCA. Por enquanto, mesmo baixando as previsões para a inflação do ano, os analistas esperam que o BC leve a taxa básica para até 7% e fique lá até entender melhor o cenário político e o que ele pode provocar na economia. De novo, não há preocupação com a dinâmica econômica, a ameaça mora mais longe do dia a dia das pessoas. Para ser justo e não pensar que um IPCA tão baixo seria tão inocente, há apenas um fator negativo nesta história. 


    “Essa queda do IPCA prejudicou a receita com impostos, fez o governo arrecadar bem menos. As receitas são indexadas à inflação, então, essa redução forte do índice oficial fez o governo perder entre R$ 10 bi e R$ 15 bi este ano para ajudar as contas públicas. Mas isso não vai ser permanente, ano que vem deve equilibrar. Fora isso, não vejo nenhum fator preocupante para inflação, ao contrário, só tem coisa positiva”, concluiu Leandro Rothmuller.

  • Inflação seguirá no centro do debate do país

    Um banqueiro central já disse uma vez: “Banco Central bom é aquele que ninguém lembra que existe”. Este estágio quer dizer que a moeda está estável e fora de perigo, que a vida das pessoas segue sem sobressaltos ou ameaças sobre a renda. O Brasil ainda não conseguiu alcançar esta etapa e devemos levar mais tempo para chegar a este dia. Mesmo agora com a inflação em queda, teremos que conviver diariamente com o BC, acompanhando seus passos e cada palavra de suas mensagens

     

    No caso brasileiro, inflação baixa demais ainda não quer dizer estabilidade da moeda. Nunca vivemos um período parecido, nem mesmo quando o Plano Real foi lançado, porque além dos índices em queda, a taxa de juros segue a mesma trajetória, podendo alcançar o menor patamar da história nos próximos meses. Por melhores que sejam Ilan Goldfajn e sua equipe, eles também estão diante de um ineditismo, não só com a dupla inflação/juros, mas de conjuntura. E não é só por cauda da crise política.

     

    Recapitulando

     

    O país acaba de sair da maior recessão da história. Foram dois anos e meio de queda do PIB (-8%) e da renda per capita (-10%). A destruição de fontes geradoras de riqueza, com fechamento de empresas e negócios, foi sem precedentes e, no atual momento econômico mundial, com as economias interligadas e dependentes, ainda é cedo para entender os efeitos do estrago. Desemprego e subemprego atingem mais de 22 milhões de pessoas. Além disso, poupança interna e investimentos também caíram muito, revelando a fragilidade do país para seguir em frente. Vai ser na raça e com o que sobrou.

     

    Diferentemente das outras crises agudas vividas aqui, nesta escapamos do que sempre nos derrubou: as contas externas. O Brasil era muito dependente de dólares e a saída abrupta de investidores assustados com nossas trapalhadas fazia a moeda americana disparar – provocando alta da inflação, para dizer o mínimo – e consumia as reservas internacionais do país. Com o baú cheio, US$ 380 bilhões, e excesso de capitais no mercado internacional, nem a perda do grau de investimento, selo de bom pagador que atrai (ou afasta) investidores, foi capaz de espantar de vez quem apostava na nossa economia.

     

    As contas públicas estão catastróficas. Quem olha a fotografia da situação fiscal do país dificilmente encontra estímulo para acreditar que temos solução. Quando rodamos o filme do que vem acontecendo na gestão pública nos últimos 10 anos, daí é show de irresponsabilidade, ou de horror mesmo. O que tem segurado o país de pé é o roteiro do filme que pode ser produzido se a política econômica de Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, for mantida num próximo governo e se o Congresso Nacional aprovar a reforma da previdência.

     

    A instabilidade das contas públicas sempre nos rondou, mas nunca chegou a ser uma ameaça real como agora. Até porque, havia espaço para aumento de impostos e o governo nunca tinha se metido numa rota tão suicida quanto a que passamos no governo de Dilma Rousseff, com recorde de isenções, subsídios e pedaladas. Mesmo quando acendeu alertas, a política fiscal errática do PT se dava num ambiente de relativa atividade econômica. Agora não dá mais para mexer com impostos, o PIB afundou 8% em dois anos, a dívida pública pode dobrar na década e os puxadinhos feitos no orçamento público federal foram vetados pelo teto de gastos implementado no país.

     

    E a inflação? Como se comportou?

     

    Ela reagiu ao afundamento da demanda, claro. A queda da renda per capita foi tão violenta, que não tinha como ser diferente. Ela também reagiu ao excesso de oferta de alimentos e moeda no mundo o que provocou, de um lado uma forte redução no preço dos alimentos, de outro, a manutenção de um dólar mais fraco. Esta dupla já foi suficiente para permitir ao BC derrubar os juros quase que pela metade entre 2016 e o final deste ano (projeção para a Selic em 7%).

     

    O que não sabemos ainda é se esta reação em cadeia foi pontual, conjuntural, ou seja, vai apenas responder aos estímulos da recessão e do excesso de oferta, ou se ela veio para ficar. Se foi pontual, provavelmente o BC estará mais tranquilo para fazer trabalho, com livro texto sobre a mesa. Se ela for mais permanente, o desafio ficará mais complexo. Tudo que tivemos como referencia até agora será questionado. Por exemplo: que tamanho de desemprego gerará riscos para inflação? Que nível de taxa de juros deixará a atividade se recuperar sem gerar bolhas de consumo? Num país sem segurança fiscal poderá deixar a economia andar solta no supermercado?

     

    Provavelmente o BC vai discorrer sobre estes temas no próximo Relatório Trimestral de Inflação que será divulgado nesta semana. O RI chegará no mesmo dia em que o IPCA 15 de setembro será liberado pelo IBGE. Os economistas de mercado esperam uma taxa perto de 0,15%, o que levará a taxa em um ano para perto de 2,5%. Se a atividade econômica ganhar mais força até o final do ano, capaz da inflação reagir com pouquinho mais de força e evitar que o BC descumpra a meta de inflação, que tem o piso em 3%

     

    Esta mistura do que está acontecendo agora que nos distancia daquele ideal de nem lembrar que existe um BC na vida. Que dirá um Copom?! A inflação seguirá no centro do debate do país pelo menos até que o prognóstico fique mais claro.

  • Estava na hora de ousar com a meta de inflação

    Nesta quinta-feira (29) o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu a meta de inflação a ser cumprida pelo Banco Central em 2019 e em 2020 - 4,25% e 4,5%, respectivamente. É a primeira vez que há uma redução da meta em 14 anos e é também, pela primeira vez, que o CMN define para três anos seguidos à frente.

    Desde que foi adotado o sistema de metas de inflação, em junho 1999, houve apenas 4 momentos em que o CMN optou por uma meta menor do que a anterior em vigor. Isso sem contar os três primeiros anos sob o novo regime, quando o BC teve que trabalhar para entregar um IPCA cada vez mais baixo, já que era um período de adaptação e o país saía de um choque tremendo nos preços, provocado pela maxidesvalorização do real em janeiro de 1999.

    Em junho de 2001, o CMN escolheu a menor meta que já tivemos até agora, de 3,25%, a ser cumprida em 2003. Como assessora de imprensa adjunta do BC, eu participava das reuniões do Conselho e pude testemunhar uma discussão interessante sobre se o Brasil estava ou não preparado para assumir tamanho desafio.

    Houve muito debate entre os membros do CMN, presidido à época pelo ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, com participação de Martus Tavares, que comandava o Planejamento, Arminio Fraga e seus três diretores da área econômica do BC. A dúvida era se não seria muito arriscado, com tão pouco tempo sob o novo sistema, e a nova política fiscal, assumir um compromisso tão forte, que implicaria um BC mais propenso a subir os juros para segurar os choques inesperados na inflação.

    Venceram os defensores da meta menor, mas não sem muita argumentação de todos os lados. Nas reuniões do CMN para definição da meta, fica a cargo dos diretores do BC fazer a "defesa" do voto proposto, com explicações e projeções que possam convencer os membros votantes. Até aquele momento, a trajetória econômica parecia favorável à ousadia. Até que...

    Aquele ano de 2001 deve estar entre aqueles em que vivemos uma das maiores frustrações com o futuro. Começamos muito bem, com dólar abaixo de R$ 2, o sistema brasileiro de metas de inflação era um sucesso reconhecido até lá fora, a política fiscal se consolidava com a adoção de superávit primário e a nova Lei de Responsabilidade Fiscal já estava valendo.

    No início daquele ano, esperava-se que o PIB cresceria 5%, com chances de ser maior ainda. Até que veio a pior das notícias em meados do primeiro semestre. Os reservatórios das usinas hidrelétricas estavam vazios e o Brasil teria que adotar um racionamento radical no consumo de energia. O Apagão, como ficou conhecido o episódio, derrubou todos os planos de fortalecimento da economia.

    A sequência de eventos derrubou qualquer esperança de o país experimentar uma inflação tão baixa. Ainda em 2001, a Argentina decretou sua moratória e quase leva o Brasil junto, já que os estrangeiros enxergavam os dois países como quase-iguais. Em setembro, veio o ataque aos Estados Unidos, o pior ato terrorista da história mundial, o que derrubou os mercados e estabeleceu um clima de aversão ao risco.

    Em 2002, com a chance cada vez maior de Luiz Inácio Lula da Silva ser eleito presidente, vivemos mais um choque agudo de confiança. A Carta ao Povo Brasileiro acalmou os mercados, mas a crença de que o Brasil manteria a política econômica de FHC só se fortaleceu em meados de 2003 - ano em que teríamos tido um IPCA inédito de 3,25% - ele ficou em 9,30%. Ainda assim, em junho daquele primeiro ano do PT no poder, o CMN resolveu reduzir a meta para 4,5%. E aí ela está até agora valendo também para 2018.

    Quando há redução da meta, como deve ser o caso agora, há de se ponderar as previsões para a economia para dois anos à frente, quando ela será validada. Hoje, o Brasil está vivendo momento peculiar, para dizer o mínimo, na sua conjuntura econômica.

    O processo desinflacionário é forte, como nunca visto, o Banco Central está em plena campanha de redução da taxa básica de juros e tudo indica que este movimento veio para ficar, de forma sustentável.

    Não há garantias, porém, de que todo resto necessário para suportar a estratégia do BC vá acontecer paralelamente e em tempo de acomodar as mudanças de patamar inflacionário e de juros. As reformas, especialmente da Previdência, que podem garantir a solvência das contas públicas e, consequentemente, ancorar a política monetária, estão cada vez mais distantes de uma aprovação.

    Diante de todo esse histórico, ressalvo que o Brasil está mais maduro para ousar. Apesar das crises profundas e agudas que vivemos, o Real sobreviveu e está preservado. Uma das maiores ameaças do passado, que se impôs várias vezes, não está presente agora, qual seja, o desequilibro das contas externas. O câmbio tem hoje menor poder de alimentar a inflação do que há 15 anos.

    A grande ameaça da década não vai se dissipar facilmente, a dos gastos públicos e sua estrutura cara e ineficiente. Mas é preciso recolocar o Brasil na trajetória sustentável de juros menores e inflação controlada. A redução da meta de 2019, para 4,25%, pode colaborar com o processo.



  • Se o Copom não fosse brasileiro...

    Mesmo com a alta do tomate em abril, o prato básico do brasileiro está menos salgado. Os alimentos em geral subiram 0,31% no período, mas o resultado do IPCA-15, com alta de 0,21%, foi mais uma demonstração irrefutável de que o processo inflacionário está no seu momento mais benéfico em quase uma década.

     

    A estimativa dos analistas de mercado era para uma alta maior, mais perto dos 0,30%. As surpresas baixistas do indicador não cessam e, sob qualquer ângulo ou referência, a inflação está caindo de forma disseminada.

     

    A difusão de alta dos preços na economia também está encolhendo, espalhando alívio no bolso dos consumidores.

     

    A queda do preço dos alimentos nos últimos seis meses respondeu por mais da metade da redução do IPCA no período. O cálculo é do banco Credit Suisse que, num relatório recente enviado a clientes, mostrou que a inflação de alimentos apresentou deflação de 2,1% entre setembro de 2016 e fevereiro de 2017 – um fenômeno que nunca aconteceu desde que começou o registro do indicador.

     

    No acumulado em 12 meses, o IPCA-15 já está menor que a meta de 4,5%. Em 2017, até agora, o índice está em 1,22%, comparado com os 3,32% do mesmo período de 2016. Vai ser difícil encontrar quem aposte que o IPCA fique acima de 4% ao final do ano, mesmo que os juros sigam caindo mais rápido e com mais força até 8,5% em dezembro, como sinaliza o BC

     

    Esqueça os números, vamos à dinâmica. 

     

    Está mais fácil para o Banco Central equilibrar os pratos da política monetária com a economia. A sequência de eventos não poderia ser mais benigna e pró-BC, o que, teoricamente, abre uma avenida de possibilidades para o país. Se o Copom não fosse brasileiro, se encaixaria em qualquer país com moeda mais estável, que caminha para uma sintonia fina entre os juros e os preços.


    Mas como estamos no Brasil, a coisa não está tão fácil e nem será simples. A começar pelas justificativas para o cenário atual, que são as piores possíveis. Foram a recessão e o desemprego que derrubaram o dragão. Ainda assim, o BC precisa de competência e responsabilidade para ajustar os preços e os juros neste ambiente, claro.


    E sem querer ser repetitiva, já sendo. Continuamos pendurados na aprovação das reformas e na qualidade de gestão das contas públicas que elas vão proporcionar ao poder executivo. Por enquanto, tudo indica que a da previdência vai passar prometendo muito menos do que o necessário. Quem se atreve a garantir este cenário? Eu que não.

  • IPCA-15 autoriza BC a cortar juros com mais força

    O resultado da prévia da inflação de março autoriza um corte mais forte dos juros pelo Banco Central na próxima reunião do Copom em meados de abril. O IPCA-15 ficou em 0,15%, o menor índice mensal em oito anos. Como disse em seu comentário na CBN o comentarista e colunista do G1 João Borges, “o processo inflacionário que começou lá em 2010, quebrou”.
     
    A lembrança de João Borges é válida e merece atenção. Engana-se quem acha que a alta do IPCA foi um problema dos anos mais recentes, consequência das inconsequentes políticas adotadas pela ex-presidente Dilma Rousseff.  A raiz do processo inflacionário que assustou o país começou quando o Lula estava no comando e promovia o maior crescimento do PIB da história, de 7,5%.
     
    O Brasil não tinha capacidade de produzir para atender a tanta demanda e o BC de Henrique Meirelles deixou o projeto do ex-presidente correr solto naquele último ano de mandato. Com a chegada de Alexandre Tombini, na gestão da sucessora do petista, o controle da inflação perdeu ainda mais espaço para não atrapalhar a ideologia de Dilma Rousseff.
     
    Eles brincaram com fogo e quem saiu mais queimado foi o bolso dos brasileiros, especialmente os de baixa renda que não puderam se proteger dos desmandos da política econômica petista. Agora, depois de muita recessão e perdas mais profundas, tudo indica que a queda da inflação é estrutural, ou seja, a formação de preços no país está operando em novas bases e expectativas.
     
    A crise dos últimos três anos impôs um corte profundo no consumo das famílias e uma perda abrupta à renda dos brasileiros. Ainda que a retomada do PIB acontecesse com um pouco mais de força do que está vindo, não seria suficiente para espetar o dragão com vara curta. 
     
    Por isso a estratégia do BC ganha segurança e a redução dos juros ganhará intensidade. A taxa está agora em 12,25%, depois de sofrer quatro quedas seguidas e mais tímidas desde outubro do ano passado. No Copom dos dias 11 e 12 de abril, devemos assistir a uma queda para 11,25% da taxa básica.
     
    A dúvida que fica é se o BC poderá manter o mesmo ritmo de reduções ou terá que reavaliar a intensidade até o encontro de final de maio. Os riscos de uma alta inesperada de preços estão muito menores hoje. Os preços dos alimentos seguirão em baixa e podem cair mais se o episódio da Carne Fraca tomar mais tempo na discussão sobre a qualidade da carne brasileira.
     
    A dúvida se mantém no campo fiscal. O buraco é gigante e está difícil cobrir os rombos. As reformas estruturais passaram a ser ameaçadas pelo corporativismo político de Brasília, apavorado com as delações do fim do mundo e suas garras. O Brasil engatinha para sair do ponto mais fundo da crise e, pelo menos por enquanto, a queda da inflação e a consequente redução dos juros são o único empurrão para cima.

Autores

  • Thais Herédia

    Jornalista, especialista economia e política; é colunista da Globo News. Foi assessora de imprensa no BC e gerente de comunicação do Carrefour. Na TV Globo, foi repórter de economia do Bom Dia Brasil. Tem pós-graduação em finanças pela FIA.

Sobre a página

A jornalista Thais Herédia comenta os principais fatos econômicos do país e do mundo e explica como eles afetam a sua vida.