Filtrado por governo Dilma Remover filtro
  • A porta está aberta

    O Brasil acordará sem governo nesta segunda-feira, dia 18 de abril de 2016. Mas não necessariamente sem rumo. Com a resposta do plenário da Câmara dos Deputados ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, o país se vê diante de uma porta aberta para decidir seu próximo passo, seu futuro. Entre a votação histórica no parlamento e o início efetivo de uma nova gestão haverá uma travessia de muita instabilidade e tropeços. O vice-presidente Michel Temer pode até assumir o novo posto publicamente, mas ainda não terá nem a cadeira nem a caneta para escolher e implementar as mudanças que ele já prenunciou. Sem falar no enfrentamento da reação do Partido dos Trabalhadores e da própria presidente Dilma contra a legitimidade de sua posse. 
     

    O Brasil precisa de dinheiro, confiança e iniciativas que estanquem a sangria dos cofres públicos, estimulem o investimento e recoloquem o país na trilha para a retomada do crescimento econômico. De onde eles podem vir? Quem vai chegar primeiro? Talvez tudo possa começar ao mesmo tempo, mas não sem atropelos durante a travessia. Para tornar realidade qualquer uma das ideias em discussão, Michel Temer vai precisar de pessoas, estratégias claras e apoio político. Será que os 367 votos que aprovaram o impeachment na Câmara estarão disponíveis para aprovar reformas, ajustes ou, pelo menos, desfazer os estragos que corroeram a economia nos últimos anos? Quem vai aceitar o desafio de assumir um cargo público no governo para colaborar com arrumação da casa?


    A prioridade consensual entre os economistas tem foco no ajuste das contas públicas e no equilíbrio fiscal. Temer e o programa apresentado pelo PMDB no ano passado, Ponte para o Futuro, já sinalizaram que estão em sintonia com o que pensam os analistas. Ainda não está claro, porém, onde está a ponta deste novelo. Está evidente que não há mais espaço para medidas efêmeras e remendos. Esta lucidez não garante sucesso fácil e rápido, ao contrário. Temas como a reforma da previdência e flexibilização do mercado de trabalho, por exemplo, enfrentam enorme resistência política – e devem estar no topo da lista do novo governo.


    Enquanto tudo vai tomando forma em Brasília com os personagens ocupando seus espaços, o choque de confiança pela vitória do impeachment pode levar empresários e consumidores a fazerem algum movimento positivo. Até agora, mesmo quem tinha uma brecha para investir ou avançar em algum projeto, estava estacionado esperando Brasília resolver os rumos do país. Isso pode envolver, por exemplo, a manutenção de empregos e metas de desempenho. Mas não tem força para reverter ou cessar o processo recessivo que embala a economia brasileira. Não no curto prazo. Mas é preciso começar de algum lugar.


    O dinheiro que gira pelo mundo também estava à espera das definições políticas do Brasil. O apetite para entrar é enorme, mas não a qualquer custo. Neste primeiro momento o mercado financeiro deve viver dias de excitação com a bolsa de valores subindo e a moeda americana de desvalorizando com mais força. Será um cabo de guerra entre a euforia com a expectativas de mudanças e a realidade do que vai se passar em Brasília daqui para frente. A porta está aberta, mas ainda não sabemos o que tem do outro lado. Avançar sem responsabilidade e sem considerar a gravidade da crise econômica poderá nos levar a um novo labirinto.

  • Brasil está no SPC

    Se o Brasil fosse um cidadão comum certamente já estaria na lista mais ameaçadora da praça: a do SPC. O Serviço de Proteção ao Crédito é o maior cadastro de inadimplentes do país. Todos nós sentimos um frio na barriga em pensar na possibilidade de “ficar com nome sujo no SPC”. Na conjuntura atual, a ameaça já se concretizou para cerca de 60 milhões de brasileiros que estão com as contas atrasadas, segundo pesquisa do próprio serviço de crédito. A grande diferença entre o Brasil-nação e nós é que o governo tem máquina de imprimir dinheiro para pagar as contas. Ou pior, pode parar de pagar e ver a dívida crescer rapidamente sem que o gerente do banco bata à sua porta.

     

    Guardadas as devidas proporções, o Brasil já está com “nome sujo” faz um tempo. Está registrado nas agências de classificação de risco que nos tiraram o grau de investimento – um SPC à avessas do mercado financeiro internacional. Quem ainda aceita financiar as aventuras do governante encarregado de cuidar das contas públicas vai cobrando um preço cada vez mais alto, com prazos cada vez mais curtos. O governo atual ultrapassou todos os limites razoáveis deste entendimento e levou o Brasil a pior crise fiscal desde o Plano Real. A referência ao fim da hiperinflação se dá porque não há comparação justa com um país que não tinha uma moeda.

     

    Aos fatos
    Nesta sexta-feira o ministro Nelson Barbosa encaminha ao Congresso Nacional o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2017 que lhe dá uma chave mestra dos cofres públicos para permitir mais um rombo nas contas – sendo o quarto ano de déficit primário seguido. Pelos cálculos de Barbosa, o governo precisa ser autorizado a gastar R$ 65 bilhões a mais do que espera arrecadar no ano que vem. Mas espera um pouco… Já resolvemos como fica 2016? Está lá no parlamento juntando poeira um pedido do governo federal para ficar no vermelho em R$ 96,6 bilhões até dezembro. Mas todos hão de convir que a coisa lá não está propícia a assumir esta discussão.

     

    Faça as contas comigo:
    - Em 2014 o déficit primário foi de R$ 17 bilhões. Aqui não vale muito porque a bicicleta do governo estava pedalando a toda pela Esplanada dos Ministérios.
    - Em 2015, obrigado a brecar o pedal pelo TCU, o saldo negativo pulou para R$ 117 bilhões.
    - Em 2016 caminhamos para um rombo de R$ 96,6 bilhões, segundo o cálculo oficial. No mercado, o montante esperado de déficit primário já ultrapassa os R$ 100 bilhões.
    - Em 2017, se conseguir o aval do Congresso, a Fazenda já começa o ano devendo R$ 65 bilhões. Para a banca privada, isto é quase um trocado perto dos R$ 103 bilhões previstos por eles.

     

    Poderia continuar até 2020, o ano em que, se fizer tudo certo, a partir de “ontem”, o Brasil poderá finalmente voltar para o azul. O que diferencia, ou distancia, as previsões do governo das feitas pelos analistas de mercado é a expectativa de receitas. Lá em Brasília continuam esperando receber mais do que uma dose de realismo sugeriria. Em pensar que não temos mais o Ministro Guido Mantega, o “levantador de PIB”, craque em inflar previsões... mas sua sombra parece ainda rondar a capital federal.

     

    Sem a CPMF e com a recessão se aprofundando este ano, a arrecadação de impostos tende a sofrer perdas significativas, o que já está em curso. Além dos fatos corriqueiros da gestão fiscal, há os esdrúxulos por conta da gravíssima situação dos estados brasileiros. Eles deveriam contribuir com R$ 6,6 bilhões aos cofres públicos este ano – tarefa que se sabe improvável se não impossível. Se os governos regionais ganharem o direito de adotar juros simples – o que seria de uma irresponsabilidade impensável – a conta cairá no colo do governo federal. Mais de $30 bilhões levando em conta apenas os estados que já entraram na justiça para tentar a façanha surreal. O STF concedeu liminar aos seguintes: Santa Catarina, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Outros estados estão se movimentando para pedir a mesma coisa, mesmo quem sabe que é uma medida insana – a briga agora é política. Sempre foi.

     

    Nelson Barbosa está se empenhando para evitar o pior fazendo peregrinações ao Palácio da Justiça. É de se espantar que um Ministro da Fazenda tenha que ir de porta em porta no STF explicar as implicações de uma reversão estapafúrdia nas regras de crédito no país. Esta é uma questão que já deveria estar superada no Brasil. É como falar em estatizar novamente a Telebras! Alguém quer?

  • Mr. Obama, vai demorar para atendermos seus desejos

    Seria um bocado politicamente incorreto ter ciúmes, ou inveja mesmo, da visita de Barack Obama à Argentina. Por compaixão ou honestidade intelectual é preciso admitir que os argentinos não só merecem este momento como precisam muito dele. A Argentina foi ignorada pela comunidade internacional nos últimos 15 anos e a escolha de Obama faz as porteiras se abrirem novamente ao país. O peso político da presença do presidente mais poderoso do mundo nos nossos vizinhos também age como reconhecimento de que os argentinos vêm fazendo "escolhas certas" desde a eleição de Maurício Macri em 2015.

     

    Entre elogios e degustações gourmets, Obama assumiu, simbolicamente, um papel de fiador da recuperação esperada na economia argentina e, principalmente, na reconquista da confiança dos investidores internacionais. Perguntado pela imprensa que o acompanha na visita, o presidente americano deu alguma atenção ao Brasil e fez torcida na superação da nossa crise. E mais: nos incumbiu de uma baita responsabilidade. "Precisamos de um Brasil forte e eficiente para nossa própria economia e para a paz mundial", disse Obama.

     

    Mr. President, posso lhe garantir que, aqui, a torcida não é diferente. O ego do Brasil é do tamanho do seu território, mas talvez a gente não tivesse pensado num papel tão relevante no cenário internacional. O brasileiro quer ser o cidadão do futuro e levar sua criatividade nata pelos cantos do mundo, mas colaborar para a “paz mundial” é, certamente, um desafio e tanto – se não uma honra. Por incrível que pareça, representar este papel num momento de tanta turbulência internacional pode ser menos difícil do que lhe atender no outro quesito.

     

    Na parte em que o senhor nos pede que sejamos “fortes e eficientes”, podemos apenas lhe oferecer um alerta de que será mais penoso e demorado. Olhando daí da Argentina, onde a inflação roda na casa dos 35% e o crescimento patina na última década, e avistando o Brasil com uma inflação na casa dos 10% e um PIB em profunda recessão, pode lhe dar a impressão de que o nosso problema é menor. Sem comparar números ou indicadores, lhe garanto que há uma enorme diferença entre nós e os vizinhos, e é precisamente por isso que o sr. está aí e não aqui. Os argentinos estão começando a fazer o caminho de volta. Nós.. bem, nós estamos ainda caminhando para trás, sem saber exatamente aonde vamos estacionar.

     

    Como o sr. está em viagem, imagine, foi à Cuba!, fica difícil ser atualizado de tudo que se passa pelo mundo. Sem contar o horror que atinge a Bélgica e milhares de europeus, reféns do terrorismo e impotentes diante dos radicais.  Aproveito esta missiva para lhe contar, rapidamente, como estamos. Assim, ficará mais fácil assimilar o tamanho da dificuldade que enfrentamos por aqui. O desemprego cresce vertiginosamente. Só em fevereiro, 104 mil pessoas perderam o emprego formal. As pesquisas que acompanham o mercado de trabalho indicam que ainda está em curso um processo de correção do nível de desocupação na economia e, assim sendo, corremos o risco de fechar 2016 com uma taxa de desemprego acima de 10%.

     

    Sobre a inflação, há um dado fresquinho e, abusando um pouco da realidade, uma boa notícia. O IBGE divulgou nesta quarta-feira (23) o IPCA-15 de março, uma espécie de prévia do índice oficial de inflação que adotamos no Brasil. Ele veio baixo (0,43%) e por isso tirou nos tirou do patamar de dois dígitos, onde estávamos há 4 meses (9,95%). No ranking dos países do G-20, estamos em terceiro lugar com a inflação mais alta. Na média, o índice de preços ao consumidor do grupo está em 2,6% (dados de janeiro). 

     

    Sobre o crescimento, não há ponto de vista que satisfaça um otimista. Este ano o PIB pode cair mais de 4% – pior do que os 3,6% de 2015, marcando a nossa biografia com o pior biênio da história. O sr. pode imaginar o tamanho do estrago que esta composição descrita acima é capaz de fazer numa economia. O sr. pode também nos perguntar: e o que estão fazendo para superar este momento?

     

    Veja bem, Mr. President, deixei esta parte para o final, mesmo ela sendo a mais relevante. O Brasil também vive uma das piores crises políticas e institucionais da história. As contas públicas do país estão muito desequilibradas e em rota de deterioração. O nosso Banco Central elevou a taxa de juros a incríveis 14,25% ao ano, e a inflação só fez subir. Esta queda dos preços que lhe contei acima, é fruto da recessão, não resultado de uma boa política econômica do governo. Como o sr. vê, para recuperarmos nossa força e buscarmos mais eficiência, vamos ter que, primeiro, resolver o vácuo de governabilidade e liderança que acomete o nosso país.

     

    Mas quem sou eu para estragar a sua viagem. Aproveite seu bife de chorizo e o delicioso doce de leite argentino. Ah, e um vinho, claro! Os Malbec são uma ótima pedida. Hasta Luego! 

  • Nelson Barbosa não ouviu Joaquim Levy

    Eu queria ser uma mosquinha para ter acompanhado o encontro entre o ministro da Fazenda Nelson Barbosa com o ex-presidente Lula e mais uma penca de líderes do Partido dos Trabalhadores. Pelo que nos contou o jornalista Gerson Camarotti, Barbosa foi chamado às pressas para explicar a política fiscal de 2016!

     

    Como numa sabatina, o ministro terá que convencer o ex-presidente Lula de seus planos para salvar a economia da crise – que ele mesmo ajudou a construir. Se não fosse dramático, seria cômico. Tanto pela posição esdrúxula do ministro mais importante do governo ter que dar explicações a um ex-presidente da República, quanto ao fato de ser ele, este mesmo ministro, o autor da estratégia que levou o país à crise mais grave do século. 

     

    O discurso que Barbosa faz agora é exatamente igual ao de Joaquim Levy antes dele ser enxotado do governo. "Não é hora de extremismos na política econômica", e sim "hora de volta à normalidade. O adiamento do enfrentamento desses problemas [da economia brasileira] vai tornar inevitável a adoção de soluções mais drásticas no futuro próximo, o que não é bom para ninguém", disse o ministro, em discurso na cerimônia de que participou antes em Brasília.

     

    Em setembro do ano passado, quando já colecionava derrotas no Congresso Nacional e atropelos do colega Nelson Barbosa, Joaquim Levy disse: “A gente tem dificuldades, a gente tem incertezas, mas eu acho que o maior risco que talvez a gente tenha é a procura de soluções fáceis, a procura de que mudando uma peça aqui ou acolá se vai resolver tudo, quando há problemas que são objetivos, problemas estruturais”.

     

    Seis meses depois, sob um fogo cruzado dentro de casa, Nelson Barbosa está sendo forçado a alertar contra as ideias que ele mesmo incutia na cabeça da presidente Dilma Rousseff.

     

    "Adotar somente medidas de estímulo de curto prazo não é suficiente para resolver problemas, pois a recuperação tende a ser curta ou não ocorrer, diante dos desequilíbrios atuais e a incerteza sobre o futuro. No passado recente, já tivemos experiência (...) que tiveram efeitos de muito curto prazo sobre a economia e, em vez de resolver os problemas estruturais, ampliaram os problemas estruturais".

     

    A pergunta que cabe agora é: será que há um ano, quando Levy assumiu, a crise não era tão grave? Sim, já era grave – e a omissão do governo em brigar pelas medidas propostas lá atrás certamente foi responsável por empurrar o Brasil para onde ele se encontra hoje. Nem Barbosa consegue discordar: “A situação atual é desafiadora e as previsões do mercado indicam que o país terá um segundo ano consecutivo de queda da atividade. O que não acontece desde os anos 30, desde a depressão do século passado”.

     

    Se eu fosse uma mosquinha, gostaria de ter visto como o ministro Nelson Barbosa se saiu diante do interrogatório e exigências do partido político que acolheu sua mais famosa criação, a Nova Matriz Econômica – mais gastos públicos, aumento do peso do estado sobre a economia, leniência com a inflação e com o endividamento soberano. Já de saída do cargo, em dezembro passado, Joaquim Levy deu seu último recado ao sucessor: “Ficar parado é o mesmo que andar para trás".

  • 'Não haverá solução mágica para resolver o que não fizemos até agora', diz Goldfajn

    O ano de 2015 está quase no fim e a pauta econômica ficou vergonhosamente abandonada. O agravamento da crise política foi afastando as prioridades capazes de estancar a piora da economia, principalmente a deterioração do mercado de trabalho e a resistência da inflação. O desejo de sair da crise é o único consenso que emerge hoje no país – mas nem isso significa unidade nas soluções. O que já está claro para todos, mesmo entre pensamentos políticos contrários, é que não será por mágica ou por milagre.

    “Não podemos mais ficar no autoengano. Não haverá solução mágica para resolver o que não fizemos até agora. Se as soluções fossem fáceis mesmo, já teriam sido adotadas. Não adianta pensar numa guinada populista porque estamos sem dinheiro. As incertezas politicas e econômicas estão entrelaçadas e devem continuar com uma nova queda do PIB desemprego subindo em 2016”,  avalia o economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco, em entrevista exclusiva ao blog.

    Para Goldfajn, que foi diretor do Banco Central na administração de Arminio Fraga e de Henrique Meirelles, o país vive a “ressaca” do excesso de gastos públicos, acima dos limites do sustentável. “Não adianta pensar que mais um drinque no café da manhã vai rebater a ressaca da noite anterior. A ressaca virá, não adianta ficar postergando”, disse ao G1. Pela previsão do banco, este ano o rombo nas contas públicas será de 1,2% do PIB, ou seja, o país ficará com a conta negativa em dezenas de bilhões de reais. Para ajustar as contas e devolver o equilíbrio econômico ao país, Ilan fala numa economia nos gastos públicos da ordem de 3,5% do PIB, um esforço gigantesco e muito custoso.

    “A receita correta não é a mais divertida. O que é curioso é que está todo mundo cansado do ajuste fiscal sem ele ter começado. Melhorar a eficiência do Estado não é uma coisa de curto prazo e não se consegue economizar 3,5% do PIB pela eficiência. Esses 3,5% vão ter que sair do bolso de alguém. O que nós precisamos é de líderes que possam conduzir um processo que vai beneficiar a todos em algum momento. E para isso tem que ter confiança da sociedade”, avalia o economista.

    Perguntado sobre a falta de crédito, especialmente para as empresas, Goldfajn rebate que o que está escasso na praça é vontade de investir, dado o tamanho da insegurança com o futuro do país. Em conversas com empresários por todo país, o executivo explica que o que está faltando no mercado é demanda, ou seja, consumidor querendo comprar. Junta-se a isso, o aumento brutal nos custos acumulados: energia, transporte, mão de obra. De novo, a confiança, ou a falta dela, fecha o quadro na economia real.

    “Se a confiança estivesse alta e estivesse faltando óleo para fazer o motor andar, seria o caso de falar de crédito para o dia a dia das empresas. Mas a confiança está no pior nível da série das pesquisas. Recuperar a confiança leva a tempo – construir leva mais tempo que destruir. A reclamação que mais escutamos dos empresários é sobre vendas (em queda) e custos (em alta). Quando eles olham para frente só querem sobreviver – se você é empresário não vai vender com margem negativa, vai repassar os custos – o que é melhor do que vender com prejuízo”, disse Ilan Goldfajn.

    E quem está na outra ponta deste cenário? Os trabalhadores. 

    “O trabalhador poderia aceitar um reajuste de 8% se ele acreditasse que a inflação fosse baixar, que as coisas fossem melhorar mais rápido. Mas a indicação de que o ano que vem vai ser tão ruim faz ele se defender e querer mais. Essa dinâmica alimenta a inflação.

    A inflação leva tempo para ceder, ela não cai de maduro, não cai na mesma velocidade com que ela sobe. Uma hora acaba caindo, mas demora. A piora das expectativas fortalece a inércia inflacionária, ou seja, se você não enxerga um futuro melhor, você se protege. A economia como um todo reage num movimento que aprofunda a recessão”, analisa o economista do Itaú Unibanco.

    Sobre as conquistas sociais da última década, Ilan refuta as teses de que elas teriam sido enganosas, ou artificiais. "A nova classe média surgiu do aumento do emprego e da renda, dos salários”,  ele defende. Mas infelizmente, essa visão não imuniza o alto risco de perdas e reversões negativas nos próximos anos.

    “Essa é a parte mais difícil e mais triste. Uma boa parte das conquistas teve mais a ver com uma melhora do mercado de trabalho que com as transferências de renda, como o bolsa-família. A nova classe média veio do emprego, do salário subindo. O problema foi que os salários foram aumentando sem que a produtividade acompanhasse – não havia justificativa para ter uma renda tão alta. Ainda assim, temos que tomar muito cuidado para não haver uma reversão aguda dessas conquistas.

    Agora, com a crise, o salário real está caindo, o desemprego está subindo rapidamente. A pior coisa que pode acontecer é a nova classe média ter de voltar para a classe baixa. As pessoas não querem isso, claro, principalmente depois que já experimentaram uma vida melhor. Se as soluções fossem fáceis mesmo, já teriam sido adotadas. Elas não são fáceis e qualquer guinada populista terá perna curta”, alerta Ilan Goldfajn.

  • O preço da dúvida – ou seria da mentira?

    A reação positiva do mercado financeiro no Brasil após a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff não é uma surpresa. Se tivesse sido negativa, também não seria. Bolsa de valores abriu em alta e o dólar, em queda nesta quinta-feira (3). Esse movimento não mostra consistência ou tendência. Até porque não há como prever o "andar da carruagem" pelo caos político instalado no país.

    Enquanto o país tomava o primeiro lanche da manhã, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, apareceu numa entrevista coletiva, disse e repetiu várias vezes que a presidente Dilma Rousseff mentiu. Neste contexto, esta primeira sinalização dos investidores não pode ser considerada uma avaliação de que a saída de Dilma seria a melhor solução para o país. É enorme a quantidade de dúvidas que precisam ser esclarecidas até que o quadro tenha alguma nitidez. Por exemplo, se o processo avançar com velocidade, pode antecipar uma renúncia da presidente? A natureza das acusações que serão analisadas pelo Congresso Nacional atinge o vice presidente Michel Temer?

    Com a declaração de Cunha, rebatendo agressivamente a presidente Dilma, o quadro político se agrava, se é que isso era possível. Se começar a valer um toma lá da cá ao vivo e dinâmico, as incertezas podem aumentar. Portanto, as negociações no mercado financeiro na manhã não são, necessariamente, uma precificação dos efeitos das ações do deputado. No foco dos investidores, assim como da sociedade, não há uma liderança legítima para conduzir o país, mesmo que seja para apitar a luta livre entre o Legislativo e o Executivo. 

    Tão ou mais caras que as dúvidas políticas, são as econômicas. Ajuste fiscal? Aumento de juros? Inflação alta? Isso não é problema do governo ou dos congressistas. O Banco Central, que tem lá alguma autonomia, confirmou na ata da última reunião do Copom que os juros vão subir. E não deve demorar. Com a inflação resistente e sem ajuda do equilíbrio nas contas públicas, a dose do remédio do BC tem que aumentar, agravando as distorções que corroem os fundamentos do país. Enquanto o preço médio dos alimentos no mundo caiu cerca de 18% em um ano (dados da FAO), aqui eles subiram quase 10%. Nem o fator natureza explica tamanha diferença.

    A produção industrial sobrevive nem se sabe como. Segundo o IBGE, o setor teve queda de 0,7% em outubro. Em um ano, a queda chega a 11,2%. O oxigênio está na reserva e, em Brasília, quem comanda a válvula está gritando pelos pulmões sem considerar o risco de asfixiar o país inteiro. E quando o grito vem com mentiras, o consumo duplica. Com menos oferta, o preço do cilindro do oxigênio vai aumentar – e não há juros altos que controlem essa alta. 

Autores

  • Thais Herédia

    Jornalista, especialista economia e política; é colunista da Globo News. Foi assessora de imprensa no BC e gerente de comunicação do Carrefour. Na TV Globo, foi repórter de economia do Bom Dia Brasil. Tem pós-graduação em finanças pela FIA.

Sobre a página

A jornalista Thais Herédia comenta os principais fatos econômicos do país e do mundo e explica como eles afetam a sua vida.