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  • Como BC vai explicar a inflação baixa demais?

    A inflação de 2017 ficará abaixo de 3%, a menor desde que o Brasil adotou o sistema de metas para inflação, em 1999. Pelas regras do modelo brasileiro, o IPCA pode flutuar numa banda de 1,5 ponto percentual para cima e 1,5pp para baixo. A meta deste ano é de 4,5%, ou seja, ficando abaixo de 3%, o Banco Central terá descumprido seu mandato. Será a quinta vez que isso acontece, mas será a primeira que o problema foi a inflação ter caído demais, ou seja, ter furado o piso e não o teto da meta.
     

    Também pelas normas do sistema, o presidente do BC precisará mandar uma carta ao ministro da Fazenda explicando o que se passou e o que ele pretende fazer para levar o IPCA de volta à meta. O documento é endereçado ao ministro, mas é, na verdade, uma satisfação à sociedade. Imagine a abertura da carta:
     

    - Sr. ministro, o BC errou. A inflação caiu demais! Ficou muito baixa! Faremos de tudo para que ela volte a subir!
     

    Por mais esdrúxula que seja a paródia, ela faz sentido e leva a algumas reflexões importantes. A primeira delas é sobre qual é a meta de inflação mais adequada, digamos assim, para o momento atual da economia brasileira. Desde 2005 o BC persegue os 4,5%, que também valerá para o ano que vem. A partir de 2019, a meta começa a baixar: 4,25% em 2019 e 4% em 2020. A banda de tolerância vai permanecer em 1,5pp, o que aumentará a flexibilidade do IPCA no período, já que a meta será menor.
     

    Nestes 12 anos com uma meta de 4,5% para o IPCA, a economia viveu de tudo. Crescemos como a China, em 2010, e vivemos três anos de recessão, em 2009, 2015 e 2016, sendo que nos últimos dois anos as perdas do PIB passaram de 7%. O Banco Central também experimentou vários níveis de taxas de juros, entre a máxima de 19,75%, em julho de 2009, passando rapidamente pelos 7,25% de 2012, voltando aos 14,25% em julho de 2015, onde permaneceu por 15 meses, e os 7% de agora.
     

    Nestes 12 anos, o IPCA só ficou colado ao centro da meta em 2007 (4,46%) e em 2009 (4,31%), e abaixo disso em 2009 (3,14%). Nos outros 9 anos o índice oficial rodou bem perto dos 6%, ou acima dele, chegando a 10,67% em 2015. A banda de flutuação do sistema ficou em 2 pontos durante 11 anos, permitindo que o BC acomodasse choques de preços involuntários e também, infelizmente, o desejo político do governo petista, especialmente na gestão de Dilma Rousseff.
     

    Esta sopa de números mostra que a flutuação da inflação e da taxa de juros foi forte demais, o que não é nada saudável para nenhuma economia. A boa notícia é que, de um jeito, ou de outro, a moeda sobreviveu e o processo inflacionário não desandou, apesar de ter passado por momentos de altíssimo risco, como quando o governo de Dilma resolveu controlar preços à força e comprometer a credibilidade do BC.
     

    O debate sobre a redução da meta de inflação não é novo e abrange muitas questões que ultrapassam o escopo de atuação do Copom. É o caso da política fiscal, ou seja, dos gastos públicos. Quanto mais desequilibrada ela for, mais o BC precisa “compensar” os riscos do descontrole dos gastos com juros mais altos. Esta foi a fórmula que vimos atuar na última década. Mesmo em momentos em que foi possível reduzir a taxa básica da economia, com um IPCA mais comportado e previsível, o Copom sempre ficou limitado ao destempero fiscal estrutural do Brasil – caso da previdência e da folha de pagamento do funcionalismo público e também do crédito subsidiado pelos bancos públicos.
     

    Ora, você pode indagar, estamos exatamente num momento em que a situação fiscal é gravíssima, a mais grave da história, com inflação baixa e previsível. Há algumas diferenças estruturais que marcam este período. Do que depende do governo, as reformas aprovadas no último ano criaram uma nova fundação para a economia: teto de gastos, que limita o destempero do governo de plantão; a TLP, nova taxa de juros do BNDES que reduz subsídios ao crédito; redução da participação dos bancos públicos nas concessões de crédito; a reforma trabalhista que pode melhorar a arrecadação de impostos se a formalidade do mercado de trabalho aumentar.
     

    O plano de concessões e privatizações já apresentado colabora nas duas pontas: traz dinheiro para o caixa e reduz gastos futuros com a manutenção e os riscos das empresas repassadas ao setor privado. Há outros exemplos, mas os de cima são suficientes para demonstrar a mudança estrutural, sendo repetitiva, na relação entre despesas e receitas do governo. A própria retomada da atividade já trouxe aumento de arrecadação de impostos.
     

    A carta que o BC vai escrever ao ministro da Fazenda vai conseguir explicar o que aconteceu em 2017. Só a deflação de quase 5% no preço dos alimentos, depois da alta de 9% em 2016, já responde por muita coisa. A recuperação da credibilidade do BC deu mais segurança sobre o controle do processo inflacionário e também para as expectativas sobre o futuro. É improvável que o que vimos em 2017 se repita nos próximos anos. Mas isto não impede, ou pelo menos não deveria, um aprofundamento do debate sobre o tamanho da meta de inflação que o país precisa ter.
     

    Como tem acontecido com todas as análises sobre a economia brasileira, a última ressalva se repete: tudo isso será realidade se, e somente se, a reforma da Previdência for aprovada antes das eleições. O mundo vai acabar se isso não acontecer? Não, nem o Brasil. Vamos apenas abrir mão da oportunidade de viver durante mais tempo com menores solavancos na inflação e nos juros, o que nos daria mais chances de crescer com qualidade bem superior ao que experimentamos no passado.

  • Juros próximos ao recorde de baixa

    Nesta semana os juros no Brasil vão chegar muito perto do recorde de baixa que tivemos em 2012. Na penúltima reunião do Banco Central de 2017, marcada para a próxima quarta-feira, a Selic deve cair para 7,5%, muito perto dos 7,25% alcançados há cinco anos. Os números são próximos e parecidos, mas as condições econômicas dos dois períodos são absolutamente diferentes, a começar pela dinâmica da inflação.

     

    As expectativas para o IPCA de 2017 estão correndo próximas aos 3% e o movimento com a taxa de juros que está sendo promovido pelo BC agora já faz parte da estratégia para 2018, já que há defasagem no efeito da política monetária. Em dezembro teremos o último encontro do Comitê de Política Monetária do ano e a Selic vai cair para 7%, novo recorde, e não deve parar por aí. Há gente apostando que os juros cheguem a inéditos 6,5% no primeiro trimestre do ano que vem.

     

    Em 2012, quando BC empolgou com a caneta da força política, o IPCA rodava próximo a 5,5%, portanto acima da meta de inflação, e as expectativas não cediam, ao contrário, apontavam alta do índice nos meses à frente. A regra básica da política monetária de sucesso, qual seja, manter as expectativas de inflação firmes na convicção de que ela será controlada, foi desrespeitada sem pudor.  De duas, uma: ou porque havia alguma chance da regra estar errada, ou porque a ideologia do governo do PT venceu. 

     

    O que sabemos é que deu tudo errado. O IPCA fechou acima da meta em 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016, comprovando que não se deve brincar quando o tema é inflação, ainda mais num país com histórico como o nosso. Claro que o descontrole do IPCA se deu também pela estapafúrdia ideia (mais uma) de controlar preços da economia à força, como o governo de Dilma Rousseff fez com a energia, os combustíveis, com o crédito e também o dólar. Mas a irresponsabilidade cresceu quando BC foi conivente com as escolhas da petista. 

     

    Em junho de 2016, quando deixou a presidência do BC, Alexandre Tombini levou com ele a falta de credibilidade na condução da política monetária. Ilan Goldfajn, o atual, restaurou a confiança na responsabilidade das decisões sobre os juros e pôde atravessar o último período de choques provocados pelo governo petista, conduzindo sua estratégia para acomodar o IPCA na trajetória atual de queda estrutural do IPCA. Ilan contou ainda com dois outros aspectos importantes: o ponto agudo da recessão e a recuperação da economia internacional. 

     

    Estes fatores, além da safra recorde de grãos que derrubou os preços dos alimentos, são conjunturais, ou seja, não serão permanentes, mas terão sido essenciais para tirar o Brasil da rota de risco de novos picos inflacionários. Agora que a economia volta a crescer, mesmo que lentamente e ainda frágil, a atenção do BC já começa a se voltar para os reflexos desta retomada no processo inflacionário. Como temos muita capacidade ociosa na indústria e desemprego alto, deve levar mais tempo para aparecerem focos de pressão, mas não diminui a atenção. 

     

    A recuperação da economia internacional, somada ao excesso de capital pelo mundo, tem mantido dólar relativamente comportado no patamar de baixo e, ao mesmo tempo, elevado a demanda por importações – que ajudam o Brasil. Estados Unidos e Europa, especialmente Reino Unido, têm registrado crescimento mais forte do PIB, quadro que será confirmado esta semana com a divulgação de dados. Ainda que o governo de Donald Trump gere muita insegurança sobre o futuro, nada foi capaz de reverter o rumo do crescimento mais forte e generalizado do mundo desenvolvido. China, ator relevante neste cenário, parece estar querendo pisar no acelerador novamente, elevando os efeitos benéficos deste ambiente para o Brasil. 

     

    São com estes ingredientes que os diretores do BC vão misturar a receita para o novo patamar da taxa de juros. Próxima a 7%, a Selic ainda está longe das taxas cobradas dos consumidores e das empresas pelos bancos, mas alguma coisa já começou a mudar nos cálculos para os novos financiamentos e crédito concedidos. Redundante mas nunca demais dizer que continuamos ameaçados pela crise política e seus desdobramentos. 

     

    Na quarta-feira, dia do Copom, a denúncia contra Michel Temer será votada no Congresso. Difícil haver desfecho diferente do que mais uma salvação do mandato do peemedebista. O que vai piorando, e muito, é o custo para manutenção dele no poder a mais de um do fim do mandato. A dúvida é prever até quando o atual descolamento da economia e da política vai se manter e promover melhora na qualidade de vida dos brasileiros que mais sofreram com a crise recente. 

     

  • IBC-BR – tropeço ou mudança de rumo?

    A lenda diz que agosto é o mês das bruxas. Pode-se até duvidar da sua existência, mas tem hora que a dúvida aparece. Foi neste mês que a atividade econômica do Brasil voltou a apresentar resultados negativos. Nesta quarta-feira (18) o Banco Central divulgou o IBC-BR de agosto com queda de 0,38%. O IBGE acaba de mostrar que o mesmo destino foi reservado aos setores da indústria, comércio e serviços, todos caíram no fatídico mês: 0,8%, 0,5% e 1%, respectivamente. 

     

    A maioria dos analistas já se posicionou alertando que os recuos foram um tropeço e não uma mudança de rota – da recuperação para a retração da economia. O que justifica esta segurança é a leitura que compara o desempenho de agora com o mesmo período do ano passado. Em todos os casos houve melhora, algumas mais significativas como na indústria. Outro dado que conforta as análises é sobre a difusão da retomada dentro dos próprios setores, indicando que, mesmo que frágil, a caminhada conta com número cada ver maior de atividades. 

     

    São dois outros pilares que sustentam a tese de que a recuperação não foi abortada pelos maus agouros de agosto. Um deles é a confiança dos empresários e consumidores que subiu em setembro, segundo a FGV, ou seja, passados os ventos místicos. Na mesma corrente, as expectativas para o PIB e para a dobradinha juros/inflação continuam melhorando ou em equilíbrio com cenário mais positivo. Pelo último Focus, o IPCA escapou de furar o piso da meta de inflação, terminando 2017 em 3%, a taxa básica de juros fechará o ano em 7% e o PIB vai crescer 0,72% (previsão mais alta que a anterior). 

     

    As ressalvas são basicamente três. Duas no campo econômico e uma na política. O fim do dinheiro do FGTS e da deflação nos preços dos alimentos pode afetar a sobra no orçamento das famílias que surgiu com os dois fatores no primeiro semestre. Olhando sobre a ótica direta, o benefício do FGTS foi aplicado para abater dívidas ou comprar algo muito importante ou desejado há tempos e... pronto, acabou o dinheiro. Do ponto de vista indireto, ao quitar ou reduzir dívidas, muitas famílias sentiram o alívio nas prestações ou nas limitações para novos financiamentos em condições mais favoráveis. 

     

    Como a medida do FGTS é nova, nunca tinha sido usada e, ainda por cima, foi aplicada na pior crise da história do país, era difícil prever seus efeitos, especialmente os de longo prazo. Os de curto prazo, são óbvios, mas além disso, não dá para ser afirmativo demais. No caso da deflação de alimentos, ela realmente durou bastante e parece estar chegando ao fim. Mesmo que a inflação volte a subir a partir de agora, e vai mesmo, a acomodação nas contas das famílias vai ser dar num momento de menor ameaça e pressão. 

     

    Finalmente, mas não menos importante, o mercado de trabalho. Ele vem melhorando, para surpresa geral de todos, felizmente. Ainda é na informalidade, com qualidade pior do que a ideal, mas foi capaz de reintroduzir uma fonte de renda em mais de um milhão e meio de lares nos últimos meses. A continuidade desta dinâmica ainda é incerta sobre a intensidade, mas não sobre a trajetória. 

     

    Bem, sobre a política...Para lidar com esta ressalva, as bruxas resolveram invadir todos os meses do ano e não é de agora. Como vamos sair disso, talvez nem elas ainda saibam responder. 

  • Oscilação dos serviços faz parte do ciclo de recuperação


    O ciclo de recuperação da economia brasileira já está em curso. Mas seu ritmo e intensidade ainda vão apresentar oscilações nos resultados mensais. É o que mostra desempenho do setor de serviços, com queda de 0,8% em julho, depois de três altas seguidas, segundo IBGE. A mesma coisa pode-se dizer do resultado das vendas do comércio, que foi de estabilidade no mês de julho, também depois de três meses seguidos de alta. 
     

    Olhando para este comportamento fica claro que o dinheiro do FGTS foi determinante para estimular a demanda das famílias. Ainda assim, os dados do IBGE mostram também que a escolha pelo destino da renda está sendo seletiva e voltada para coisas do dia a dia. O turismo teve queda de 2,1% em julho, pleno mês de férias escolares do país.
     

    A acomodação em julho não significa que o efeito terá ficado apenas no primeiro semestre. Até porque, a melhora no emprego no primeiro semestre também contribuiu para retomada do consumo. Apesar da oscilação no varejo e nos serviços, a trajetória já está apontada para cima, com força gradual e com novos estímulos a partir de agora.
     

    Há uma segunda onda de consequências esperadas pela liberação das contas inativas do Fundo. Aquelas pessoas que resolveram quitar dívidas e não gastar num primeiro momento, acabaram liberando uma parte do orçamento mensal. Isto pode ser reverter em consumo de serviços ou produtos numa condição de mais segurança com a economia, já que o desemprego já começou a reduzir.
     

    A cereja do bolo deverá ser a taxa de juros, que assume a responsabilidade de ser o fio condutor da retomada do consumo neste segundo semestre. A taxa média cobrada pelos bancos caiu em agosto pela 9ª vez seguida, segundo pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
     

    A intensidade da queda deixa muito a desejar, mas pode ganhar alguma força se o Banco Central seguir baixando a taxa Selic até pelo menos 7%, como ele indicou que vai fazer. A queda da inflação é o ingrediente fundamental deste novo ciclo econômico que se consolida no país. Tudo indica que ela vai seguir comportada porque ainda estamos longe de superar o ociosidade do parque produtivo e, especialmente, o lado mais perverso da crise que começa a se despedir: o altíssimo desemprego.

  • “Teto de gastos foi divisor de águas para queda da inflação”, diz ex-BC

    Prever o resultado da inflação no Brasil já foi mais fácil. Das surpresas que a economia tem produzido, a queda da inflação é, certamente, a mais imprevisível – mais pela intensidade do que pelo movimento em si, que já era esperado depois de uma recessão como a que vivemos. O IPCA de agosto ficou em 0,19%, quando o previsto pelos analistas era 0,32%. O relatório Focus desta semana traz previsões para o índice ao final do ano em 3,14%, muito perto do piso da meta de inflação. Este espanto tem se repetido desde o começo do ano. Por quê?

     

    “O divisor de águas deste processo parece ter sido a aprovação do Teto de Gastos. A inflexão é muito nítida porque, até setembro do ano passado, o IPCA vinha muito alto e despenca a partir de então. Em parte também por causa dos alimentos, mas não é só isso. Coincide com o avanço fiscal a percepção de que o governo tinha base parlamentar sólida para aprovar as reformas”, disse ao Blog o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central.

     

    Tem mais coisa a ser explicada nesse processo de queda da inflação que temos testemunhado. Os serviços também cederam depois de mais de uma década com preços inflexíveis e altíssimos, sempre rodando acima do IPCA. Além disso, há grande ociosidade da indústria e o desemprego ainda elevado segurando a alta dos preços.

     

    Na entrevista exclusiva ao G1, Schwarstman, sócio da consultoria Schwartsman & Associados, considera que a queda do IPCA pode ser mais consistente e permanente. O economista alerta para riscos que temos pela frente, como as eleições de 2018 e o abandono da agenda de reformas, além da previdência. Veja os principais trechos da entrevista.
     

    A inflação tem caído com mais força e tem surpreendido vocês. O que mais explica esse movimento?
    A surpresa de agosto é um dado importante pelo fato de muita gente ter sido surpreendida. É um fenômeno disseminado. Um pedaço da história é por conta dos alimentos, que têm deflação no ano, tem deflação em 12 meses e tem impacto forte no IPCA. Mas se a gente tirar a parte de alimentos e dos preços administrados, a inflação fica baixa do mesmo jeito. Temos em particular a questão dos serviços cuja inflação continua relativamente alta, mas agora tem caído com bastante força.
     

    Isso não explica toda surpresa, não?
    O divisor de águas nessa história foi a aprovação do Teto de Gastos (set/2016), dando uma indicação forte de mudança na postura com a politica fiscal mostrando que, senão agora, em algum momento as contas públicas entrariam nos eixos. A aprovação do Teto tirou da frente o fantasma de uma dominância fiscal. A inflexão é muito nítida! Até setembro do ano passado a inflação vinha muito alta e de repente ela despenca e não foi só por causa dos alimentos. Coincide avanço fiscal e a percepção de que o governo tinha base parlamentar sólida para seguir com as reformas.

     

    É grande o risco de o BC descumprir a meta de inflação, com IPCA ficando abaixo de 3%?
    É um risco sim, mas pode não acontecer.

     

    Que efeitos podemos esperar deste novo processo inflacionário?
    Podemos explorar novos recordes de taxa de juros. Hoje o consenso de mercado dá Selic em 7% até final do ano, abaixo dos 7,25% que aconteceu sob Alexandre Tombini (ex-presidente do BC). O juro baixo na época da Dilma foi porque Tombini era pau mandado do governo. Baixar o juro quando se é pau mandado, as pessoas sabem que em algum momento vai dar errado. E foi pior do que todo mundo esperava.

     

    O juro baixo é a nossa saída para recuperação cíclica. A retomada que já vemos hoje vai ficar mais nítida até o final deste ano ou a partir da segunda metade deste semestre. Por enquanto só tivemos produção industrial reagindo com mais força. Agora vamos ver de maneira mais consistente o consumo reagindo, com vendas no varejo acelerando. O efeito defasado do juro acaba ajudando atividade.
     

    E quanto podemos esperar para a queda dos juros? E ela será permanente?
    Nós vamos discutir quanto que o processo de queda de juro é uma mudança de percepção sobre o ajuste fiscal e quanto é um fenômeno puramente cíclico. Hoje é cíclico, mas nós vamos precisar de mais observação. Não vamos ficar permanentemente na casa dos 7% (taxa Selic). Dá para fazer um chute educado sobre a trajetória do juro.

     

    Se a taxa de juro neutra real (taxa que não coloca inflação em risco) está hoje em torno de 4% e a meta de inflação é de 4%, a taxa neutra é de 8%.  Espera-se que a Selic chegue em 7%, ou pouquinho menos, e depois deve voltar para 8%. Há muita incerteza nisso porque se melhorar muito fiscal, pode ser que a taxa neutra caia para 3%, 3,5%. Enquanto os juros estiverem abaixo dos 8%, este desvio de 1,5 pp é cíclico, para ajudar a atividade.

     

    Quais os riscos deste roteiro de acontecimentos?
    Tem vários. Da atividade econômica propriamente dita, não. Tem espaço grande para crescer, mas vamos acompanhar a evolução do emprego para saber quanto dá para crescer sem bater em níveis de desemprego que comecem a pressionar a inflação.

     

    Se eu estou correto na percepção de que a melhora (nas expectativas para economia) é uma mudança na perspectiva fiscal, que, por sua vez, está ligada ao processo de aprovação de reformas, a gente vai precisar que o conjunto reformas que ainda faltam, ande. Vamos ter que ver se o teto de gastos é sustentável, se teremos uma reforma previdenciária num horizonte razoável. Não está com cara de que acontece este ano, dificilmente em 2018. Então, o cenário para reforma foi para 2019, meio atrasada, mas acontecendo. Para dar certo, teremos que eleger alguém comprometido com isso.

     

    Enquanto isso, essa queda da inflação mais forte do que os economistas esperavam é positiva e benigna?
    É positivo e benigno, sim. A questão principal fica para daqui 3, 4 anos. Se a gente não resolver as reformas, o que a gente vai ter lá na frente é um retorno ao que foi governo Dilma. Um desequilíbrio estrutural fiscal muito grande e ninguém com condições de resolver. Em 2018 (por cauda das eleições), estaremos sujeitos a chuvas e trovoadas. 

  • Cenário para inflação é positivo e inusitado

    O que está acontecendo com o processo inflacionário no Brasil é certamente positivo e inusitado, ao mesmo tempo. Positivo porque a redução da carestia beneficia trabalhadores e assalariados que recuperam poder de compra. Depois de dois anos de meio de recessão e de ter enfrentado um IPCA de dois dígitos, a economia brasileira caminha para conviver com uma inflação mais civilizada, em torno dos 3% ao ano.
     
    Segundo relatório Focus, produzido pelo BC, os analistas do mercado financeiro esperam que o IPCA feche 2017 em 3,14%, menor do que os 3,38% da semana anterior e dos 3,50% de duas semanas atrás. A previsão derrete diante do comportamento dos preços na economia, numa velocidade que ninguém está conseguindo adiantar. O patamar esperado agora pelos economistas reacende um risco inédito no Brasil, a parte inusitada da queda da inflação.
     
    O arcabouço que rege a política monetária no país, o sistema de metas para inflação, prevê que, se o IPCA ficar fora dos limites de tolerância da regra, o BC estará descumprindo com seu objetivo e terá que se explicar à sociedade sobre como isso foi acontecer. Hoje, a meta é de 4,5%, com uma banda de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, ou seja, o IPCA só pode variar entre 6% e 3%. Com a previsão mais recente feita pelos analistas para o índice oficial, aumentou muito o risco de o BC ter que se explicar por um fato inédito: a inflação furar o piso, e não o teto da meta, como já aconteceu.
     
    Vigente desde 1999, o sistema de metas para inflação tem balizado as decisões do Banco Central sobre a taxa de juros, sendo um dos pilares mais importantes da economia, desde a criação do Plano Real. A meta de IPCA a ser cumprida, estabelecida pelo governo dois anos antes, faz o BC calibrar os juros para controlar a demanda por consumo e, ao mesmo tempo, conter o processo inflacionário. Nestes 18 anos, foram quatro as vezes (2001/02/03/15) em que o presidente do BC precisou escrever uma carta pública ao ‘chefe’, ministro da Fazenda, para se explicar, reafirmar compromisso com o sistema e indicar o que está fazendo para evitar que isso aconteça novamente.
     
    Em 2011, 2014 e 2016, o IPCA esbarrou nos 6,5% - topo do limite de tolerância à época -  e, com exceção do ano passado, o limite não foi ultrapassado mais por sorte do que por competência do comando do BC. A estratégia de Alexandre Tombini, presidente do BC no governo Dilma, chegou a ser irresponsável quando a trajetória do IPCA era claramente ascendente e, mesmo assim, o Copom cedeu às pressões políticas para reduzir os juros (2011/12), ou estancar a alta da taxa para não atrapalhar a eleição em 2014. Aquele BC também se calou diante da política de controle de preços adotada pelo governo petista, que resultou no IPCA de dois dígitos de 2015, com altíssimo custo imposto aos brasileiros, especialmente os de menor renda.
     
    Pela primeira vez, em quase duas décadas, poderemos viver o ineditismo de receber a carta do BC porque a inflação caiu demais. Os alimentos têm respondido por boa parte deste movimento, já que estão em deflação há quase cinco meses seguidos. Mesmo a recuperação da atividade que ganha mais consistência não tem tido força suficiente para provocar remarcação dos preços – nem mesmo de serviços. Essa categoria, aliás, que foi grande fonte de pressão inflacionária na última década, tem contribuído para segurar o IPCA. Nem mesmo o aumento de impostos dos combustíveis teve força suficiente para segurar o índice mais perto de 4%.
     
    A alta ociosidade no parque produtivo brasileiro explica muito também a baixa pressão pela alta de preços. Estamos longe de ter um problema de oferta – não tão longe que evite uma preocupação com o nível de investimento suficiente para evitar que isso se torne um problema no médio prazo. O estudo sobre o comportamento da inflação no Brasil deve ganhar um novo capítulo depois da experiência atual. Há uma dinâmica nova na economia que ainda não foi totalmente compreendida e, por isso mesmo, mais difícil de ser prevista, ou esperada.
     
    A composição da atividade econômica deverá sofrer mudanças com novo perfil do mercado de trabalho que já se mostra com aumento do “por conta própria” e da informalidade, e mais a reforma trabalhista que deve gerar mudanças relevantes no emprego. A taxa de juros, que vai responder ao baixíssimo risco inflacionário – também uma situação inédita na economia –, vai provocar reações na tomada de decisão sobre consumo e investimento, para um lado ainda não mapeado.
     
    O cenário é benigno e inusitado. Pode gerar frutos saudáveis para a construção de uma economia menos distorcida. Mas a ressalva é obrigatória e tão relevante quanto toda a discussão acima: sem a reforma da Previdência e revisões na gestão do orçamento público, essas transformações terão final conhecido e melancólico. Se a classe política achar que esse quadro positivo os isenta de responsabilidade na aprovação das reformas, o país perderá uma oportunidade valiosa de avançar com segurança e estabilidade.

Autores

  • Thais Herédia

    Jornalista, especialista economia e política; é colunista da Globo News. Foi assessora de imprensa no BC e gerente de comunicação do Carrefour. Na TV Globo, foi repórter de economia do Bom Dia Brasil. Tem pós-graduação em finanças pela FIA.

Sobre a página

A jornalista Thais Herédia comenta os principais fatos econômicos do país e do mundo e explica como eles afetam a sua vida.