• 'É simplista analisar reação do mercado ligada apenas à reforma da Previdência', diz economista

    Nada como um dia após o outro com algumas crises no meio. Como tem acontecido há algumas semanas, o comportamento do mercado financeiro no Brasil tem sido mais volátil. Um dia mais sensível aos nossos problemas domésticos, outro, mais ligado ao que acontece lá fora. Nesta quarta-feira o dia terminou positivo, com bolsa em alta de mais de 2% e dólar em queda (de 0,40%, a R$ 3,26), depois de fechar na direção contrária no dia anterior.

     

    Analistas têm se questionado se está chegando ao fim a tolerância dos investidores com o governo Temer, especialmente com as sinalizações sobre a reforma da previdência – novo estopim em Brasília com admissão do presidente da República de que a votação estaria fora da pauta este ano. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, entrou no meio de campo, resolveu amenizar o tom, o próprio Temer recuou e, parte da melhora do mercado nesta quarta-feira (08) se deve a isso.

     

    Tem sim peso a instabilidade política e as ameaças contra a previdência em Brasília, mas há muito mais na mesa dos operadores do mercado financeiro. Os rumos da política econômica dos Estados Unidos têm provocado mais onda do que as nossas marolas aqui.

     

    “Ignorar o cenário externo é um erro e leva muita gente a fazer uma análise simplista do que estamos vivendo. Claro que a reforma da previdência e cenário político aqui são importantes. Mas é simplista não olhar para o exterior. Ontem, por exemplo, foi um dia ruim para os ativos de todos os países emergentes. Hoje, tivemos alguma recuperação, mas não houve um fato direcionador de mercado. Lá fora foi um dia com pouca agenda e nós aqui seguimos parecidos com outros emergentes”, ressalva Ignácio Crespo Rey, economista-chefe da Guide Investimentos.

     

    O mercado está preocupado com dois fatores bem relevantes para a maior economia do mundo. O presidente Donald Trump está fazendo mudanças na direção do Banco Central de lá, o FED, o que pode provocar mudanças também na estratégia deles para a taxa de juros americana. Outro ponto é a reforma tributária proposta por Trump e há dúvidas em relação ao efeito que isso vai ter na economia e, ao mesmo tempo, de como isto também pode afetar as próximas decisões do FED.

     

    “Estes temas quando vêm à tona mexem com mercado financeiro no mundo todo e o  Brasil não foi exceção na terça-feira, nem hoje. O dólar, que é uma percepção de risco importante, está tendo oscilações parecidas com relação às moedas dos países emergentes, que não têm um momento politico como nosso”, disse o economista da Guide.

     

    Voltando com a brasa para a nossa sardinha, a reforma da previdência vai continuar no foco das atenções. Mas deve ter uma natureza diferente no questionamento dos investidores. O tempo mais elástico para uma votação já foi dado há algum tempo pelo mercado. Se o governo resolver cortar mesmo a proposta da reforma ao que for mais essencial, como a idade mínima e a regra de transição, os investidores também vão gostar.

     

    “Talvez o governo não jogue mesmo a toalha. O movimento de ontem foi mesmo precipitado. Quem sabe o presidente Temer não acaba usando a reação negativa do mercado como ameaça e volte a brigar pela reforma?”, questiona Ignacio Crespo Rey. 

  • “O Brasil é um plano em construção”, diz presidente da ABDIB

    O governo está na reta final para definição do modelo de venda da Eletrobras, uma joia da coroa do plano de privatizações e concessões. Além da estatal de energia, a lista de empresas e serviços que podem ser repassados ao setor privado é grande e pode, no curto prazo, gerar caixa para os cofres públicos, ajudando no reequilíbrio das contas. No longo prazo, porém, o ganho para o país será muito maior, já que a defasagem na infraestrutura que temos atualmente compromete muito a capacidade de crescimento da economia.

     

    “Estamos com um dos níveis mais baixos de investimento em infraestrutura da história. Vivemos um momento bem particular, porque tanto o investimento público quanto o privado caíram drasticamente. Há muito apetite para as privatizações e concessões, mas só o investimento privado não vai conseguir sozinho puxar a economia toda, retomar o crescimento. Além disso, há poucos projetos maduros, com plano estratégico claro,” disse ao G1, em entrevista exclusiva, Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base, a ABDIB.

     

    O investimento em infraestrutura está abaixo de 2% do PIB, em 2016 ficou em 1,7%, um patamar insuficiente até para evitar a depreciação do que já existe. Para simplesmente evitar que ela aconteça, seria preciso ter ao menos 3% do PIB em investimento anual. Para superar a defasagem da infraestrutura que acumulamos nos últimos 20 anos, o buraco é ainda maior. Nas contas da ABDIB, o Brasil teria que investir aproximadamente R$ 300 bilhões por ano, pelos próximos 10, 15 anos.

     

    “Pelo ranking de qualidade de infraestrutura da OCDE, nós estamos em 116o lugar, abaixo da África do Sul, do Cazaquistão, do México, da Índia. Em termos de investimento sobre PIB, a situação é braba, não há crescimento sustentável e não há inserção competitiva internacional. Podemos até falar da questão energética, que está em alta agora por causa da venda da Eletrobras. Mas tudo está por fazer aqui. O Brasil é um verdadeiro plano em construção”, ressalta Tadini.

     

    A seguir, os principais pontos da entrevista.

     

    Chegou finalmente a hora de o Brasil investir em infraestrutura?

    É uma situação particular que vivemos hoje, porque o mundo tem abundância de recursos, nós não temos problemas de balanço de pagamentos e, no entanto, vivemos um problema de restrição fiscal que tem impedido que haja um volume adequado de investimentos do setor público. Poderíamos ter investimentos privados sendo realizados. Como o país está há 20 anos sem ter um planejamento estratégico claro, o que verificamos é que não há projetos maduros para que que haja investimento em maior volume.

     

     Mas o governo tem um plano de concessões e privatizações em curso.

    Quando governo atual estruturou o Programa de Parceria de Investimento foi muito importante porque reordenou a capacidade de governança do setor público.

    Com o PPI, os ministérios desenvolvendo projetos, as agências reguladoras atuando mais, o TCU, o Banco do Brasil e o BNDES mais envolvidos, foi possível articular de maneira mais organizada os interesses dos entes públicos para estruturação de projetos. Só que a defasagem era tão grande que o que tem saído é uma espécie de conta gotas diante da sede que o país tem para investimento em infraestrutura.

     

    O nível de investimento que o Brasil tem hoje é um dos menores dos últimos 20 anos. A infraestrutura também está com nível baixíssimo de investimento, menos de 2% do PIB, segundo números da ABDIB.

    Sim, nós teríamos que estar investindo por ano, aproximadamente R$ 300 bilhões pelos próximos 10, 15 anos para recuperar a defasagem que temos hoje na infraestrutura. No ranking de qualidade de infraestrutura da OCDE, nós estamos em 116o lugar, abaixo da África do Sul, do Cazaquistão, do México, da Índia. Em termos de investimento sobre PIB, a situação é braba e não há crescimento sustentável e inserção competitiva internacional possível se não mudarmos isso.  Podemos até falar da questão energética, que está em alta agora por causa da venda da Eletrobras. Mas tudo está por fazer aqui.

     

    E o que pode ser boa notícia neste cenário?

    O Brasil é um verdadeiro plano em construção. Há um imenso programa de investimentos a ser realizado nas mais diversas áreas como ferrovia, rodovia, saneamento, mobilidade urbana, energia.

     

    Qual seria a prioridade?

    Não tem. Cada segmento tem a sua prioridade. O que precisa ter clareza é sobre quais são os projetos estruturantes. Aqueles que conseguem, no segmento onde vai ser implantado, resolver um problema de eficiência econômica, por exemplo, um trecho ferroviário que pode se ligar a um porto de saída para o Pacífico. Com um projeto dessa natureza, é possível  ganhar um grau competitividade que torna inserção no mercado internacional mais favorável.

    Como diria a Bíblia, a Gênese, “no principio era o caos”, e esta é a situação do Brasil.

     

    Quando o investidor olha para esta fotografia, que sinais ele vê que podem estimula-lo a vir para o Brasil?

    Do ponto de vista de atratividade, os projetos que têm sido licitados têm tido muito sucesso. Exemplos como os das rodovias, dos aeroportos federais, linhas de transmissão de energia e a parte das áreas do pré-sal. Tudo que está sendo feito agora, está bem feito, tanto é que o resultado, do ponto de vista da lógica de mercado, está funcionando bem. Mas há muita coisa por se fazer ainda.

     

    Falando das privatizações, especificamente sobre Eletrobras, as expectativas são positivas?

    Estamos num caminho excelente e quanto mais melhor.

     

    Acredita que vai sair mesmo no ano que vem?

    Nosso desejo é que ocorra no primeiro semestre, mas é só um desejo.

     

    Mas os sinais são de que vai sair?

    Sem dúvida, porque primeira coisa que é importante para colocar uma empresa num processo dessa natureza, principalmente como a Eletrobras que é enorme e é multiregional, é fazer o trabalho que o Wilson (Ferreira, presidente da estatal) está fazendo do ponto de vista de gestão, tomando ações para reduzir endividamento, eliminar nichos de negócios como as distribuidoras que não estão no foco da Eletrobras.  Isto é uma preparação previa muito importante para que tenha sucesso no processo de venda.

     

    A ABDIB tem reclamado bastante da queda no investimento público em infraestrutura. Mas o Estado brasileiro não vai conseguir aparecer tão cedo porque está praticamente quebrado? O setor privado não pode assumir?

    Tem um estoque enorme de ativos na mão do Estado, mas não dá para vender tudo até porque não vai ter quem comprar. As rodovias não pavimentadas, por exemplo, o saneamento... não têm viabilidade econômica, então é o Estado mesmo que tem que investir. E isso não é só aqui, é em qualquer lugar do mundo, tem que haver um balanço entre o recurso público e o privado. Nós estamos chegando num limite de participação privada, não porque ela é baixa, porque não é.  Porque é o limite onde o estado tem que estar pela natureza do investimento.

    O investimento público, longe dele ser causador de déficit fiscal, é gerador de receita. Investimento gera receita.

     

    A retomada da economia e do investimento em infraestrutura vai acontecer liderada pelo setor privado?

    Só o privado não retoma, mas não tem capacidade para puxar a economia como um todo.

     

    Como ficar otimista então? Há uma enorme expectativa para que este dinheiro privado venha e faça grande parte deste trabalho.

    Há uma necessidade de investimentos fantástica, isto é negativo porque mostra o tamanho do nosso problema, mas isto também atrai recursos. Hoje nós não temos problemas de recursos. Só não atraímos mais porque não há projetos maduros. A parte positiva é que está melhorando o ambiente institucional, regulatório, dando mais garantia jurídica para os contratos. Nós sofremos muito para chegarmos até aqui, não precisaria ter aprofundado tanto a recessão e a crise. Como há um grande volume de investimentos a ser feito, isto é positivo. Para recuperar investimento público, vamos ter que passar por este processo de ajuste fiscal, infelizmente. Mas para este primeiro movimento de transferência de ativos para o setor privado, estamos bem.

     

    Não vai acontecer nada do dia para noite e vamos precisar muito da participação estatal, e o mais rápido possível. 

     

     

  • Previdência – quanto mais tarde, mais dura terá que ser

    A reforma da Previdência está pendurada no precipício do desfiladeiro politico desde o estouro do escândalo envolvendo os empresários da JBS e o presidente da República, Michel Temer, em maio passado. Até aquele momento, o governo estava em lua de mel com o Congresso Nacional e tudo indicava que a proposta de mudança do sistema seria aprovada sem dificuldades. O escândalo empurrou a votação e a sua provável aprovação para tempo incerto e imprevisível.

     

    O capital político necessário para reunir votos suficientes foi gasto para livrar Temer das duas denúncias criminais feitas pelo MPF. Ainda assim, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não desiste. Está no papel dele e vem subindo o tom das ameaças sobre o que pode acontecer com o país se a reforma não for aprovada o mais rápido possível. Meirelles tem dois motivos básicos para carregar a mão no discurso: há sim um risco grave se o aumento de despesas com aposentadorias não for contido; seu legado será essencialmente comprometido sem a reforma, já que o teto de gastos públicos cairá por terra.

     

    Quem perde neste conflito irracional, caro e ineficiente é o país. O entendimento sobre a necessidade de reformar o sistema previdenciário no Brasil já deveria estar superado. Senão pelos privilégios de poucos (servidores públicos) em detrimento de milhões de aposentados que ganham um salário mínimo (trabalhadores do setor privado), ao menos pela noção sobre o envelhecimento da população. Hoje, nove pessoas que estão na ativa sustentam um aposentado. Em 25 anos, serão apenas quatro pessoas por inativo, o que implica em duas possibilidades: ou terão que contribuir com muito mais, ou o beneficiado receberá muito menos do necessário para sobreviver.

     

    Mas não, nem a isso chegamos ainda. O ministro da Fazenda, e outros defensores da reforma, ainda gastam voz, saliva e tempo tentando provar que há déficit no sistema, ou seja, que a arrecadação é cada ano menor do que a conta a se pagar. Há cerca de dez dias um relatório preparado por uma CPI da Previdência, desqualificou as contas oficiais e renegou qualquer chance de haver rombo no sistema. A má fé e a ideologia têm tido participação contundente no debate, o que deveria ser motivo de desconfiança, não o contrário. Agora, governo e TCU ficaram com a batata quente na mão e terão quer provar que estão certos, mais uma vez.

     

    Enquanto a novela corre, o drama cresce. O recado que vem dos corredores do Congresso Nacional diz que será impossível aprovar uma mudança mais abrangente do sistema. Mas também ninguém garante que uma proposta enxuta – que contemplaria apenas a mudança na idade mínima e uma regra de transição – poderá ser votada e aprovada até o final do ano. Meirelles disse em entrevista à rádio Gaúcha, nesta sexta-feira (03), que se passar apenas um pedaço da reforma, o Congresso terá que voltar ao tema em pouco tempo.

     

    O mercado financeiro já “botou preço” nesta fórmula: uma aprovação miúda agora e toda expectativa de mudança mais radical fica para o início de 2019, quando chegar o próximo governo que, além de assumir a bucha da previdência, ser um governo reformista, responsável fiscalmente e disposto a arrumar as contas públicas. Parece muito sonho para uma noite só, ou até para mil e uma noites. De qualquer forma, este roteiro é o que prevalece e por isso não um nervosismo maior nos mercados. O aumento do dólar nas últimas semanas não aconteceu só por nossa causa. Lá fora, a moeda americana está mais forte pela conjuntura da economia dos Estados Unidos.

     

    A realidade é que nós não vamos escapar de uma reforma da Previdência. Se serve de consolo, nenhum país do mundo, ricos ou pobres, enfrentou este debate sem conflitos. O conflito faz parte e é bem-vindo, até para que a discussão se aprofunde. O risco está em negar a realidade, ou distorcê-la por má fé ou desonestidade. O que está em risco são as gerações futuras que terão que arcar com um desequilíbrio caríssimo, sem contar com o total engessamento dos gastos públicos. Se quisermos pagar impostos apenas para manter aposentados, terá que ser uma escolha muito clara.

     

    Quanto mais tarde fizermos esta escolha, mais dura ela terá que ser. O calendário eleitoral vai nos tirar do caminho e impor um período de luta política num ambiente já totalmente contaminado pelos escândalos de corrupção e um vale-tudo pela sobrevivência. Quem disser que sabe como será esta trajetória e que chances há de aprovação, mesmo que seja da proposta desidratada, está conjecturando. Tudo pode acontecer, o que é ainda mais ameaçador do que saber o que poderia dar de errado. 

  • Novos desenhos no mapa da recuperação

    Venda de automóveis, balança comercial, indústria, desemprego e juros. A lista de dados econômicos divulgados na semana vai desenhando o mapa da recuperação da atividade em 2017. Todas as informações vieram positivas, algumas melhores do que as outras. Caso da venda de veículos que registrou alta de 27,5% em outubro e, não só pelo número em si, mas também porque ele indica o que pode vir de reação nos outros setores da economia no mês passado.
     
    Ainda falando de outubro, a balança comercial continua batendo recordes (US$ 58,48 bi) e a composição vem melhorando nos últimos meses. Principalmente quando olhamos para as importações, que andavam fraquinhas até meados do primeiro semestre. Estamos importando mais bens de capital (18,5% a mais), ou seja, máquinas e equipamentos, e também bens de consumo (9,3% a mais), que sinalizam duas coisas: a indústria já começa a se preparar para produzir mais, ou melhor; e os consumidores voltaram a demandar produtos estrangeiros.
     
    Olhando um pouco mais atrás, a produção industrial teve uma leve recuperação em setembro, alta de 0,2%, depois de ter recuado em agosto. Foi o melhor resultado para aquele mês desde 2013 e o setor soma alta de 3,1% no terceiro trimestre. Há um longuíssimo caminho a ser vencido até que a indústria brasileira vença três anos seguidos de queda acentuada registrados em 2016 (6,6%) , 2015 (8,3%) e 2014 (3%) . Para este ano, os analistas de mercado esperam alta de 2%, que é muito pouco para superar quase 18% de perdas acumuladas, mas sair do vermelho é positivo.
     
    Mercado de trabalho é o que tem causado a maior surpresa. Ele vem melhorando desde abril, revertendo a expectativa negativa que havia para o desemprego em 2017. Nos ciclos econômicos, o emprego é o último a piorar e também o último a melhorar. Como disse João Borges, em artigo recente no seu Blog aqui no G1, isto também surpreende na atual dinâmica da recuperação. Há uma enorme ressalva sobre o tema, já que o país tem ainda 13 milhões de pessoas desempregadas, uma enormidade. Mas não há como desprezar a volta de mais de 1,3 brasileiros para o trabalho.
     
    A segunda ressalva é sobre a qualidade do trabalho que vem sendo criado. A informalidade vem crescendo e o trabalho por conta própria também. Isto sinaliza que os empregadores ainda não têm segurança para assinar carteira e formalizar o funcionário, o que acarretaria em mais custo, ao mesmo tempo em que o trabalhador está aceitando esta condição para não ficar sem renda. Aqueles que partem para o “conta própria” podem ter sido forçados a esta opção porque não conseguiram uma cadeira no mundo corporativo.
     
    A qualidade do mercado de trabalho neste ciclo de retomada é um ponto relevante e precisa ser acompanhado de perto porque está diretamente relacionado à produtividade e à consistência da recuperação. O fato novo é a mudança na legislação, com a reforma trabalhista e a terceirização tendo sido aprovadas. Ainda não é possível prever como as novas regras vão formar o que pode ser o novo mercado de trabalho no país.
     
    Finalmente, mas nada menos importante, estão os juros. O Banco Central avisou que a taxa básica vai cair para 7% no último mês do ano. E pediu liberdade para decidir se vai cortar mais a partir de janeiro de 2018, ou vai ser mais cauteloso. Quem lê os sinais do BC há mais tempo, está vendo mais chance da taxa cair para a casa do 6% do que estacionar em 7%. Se isto acontecer, será um empurrão forte nesta recuperação que ainda caminha lenta, apesar de mais consistente.
     
    Uma última ressalva, impossível de não fazer, é sobre o spread bancário. As taxas cobradas dos consumidores e empresários ainda é aviltante, especialmente se comparada com o resto do mundo. O governo se defende dizendo que muitas outras medidas estão sendo tomadas para provocar uma redução mais forte dos juros bancários. Há razões para acreditar nisso quando analisamos as medidas. Mas, dado o histórico do comportamento do setor financeiro no país, é melhor esperar e ver para crer.

  • Emprego e juros baixos: combinação preciosa

    O desemprego está em queda, caiu para 12,4% em setembro, menor taxa do ano. Há apenas seis meses, ninguém era capaz de antecipar esta trajetória. A taxa de juros básica da economia vai chegar ao menor patamar da história, provavelmente abaixo de 7% ao ano. A combinação entre recuperação do emprego e queda dos juros é preciosa e pode ser estrutural, ou seja, mais permanente.

     

    O Banco Central quer ter “liberdade” para decidir se os juros vão continuar caindo a partir de dezembro, mas a probabilidade disso acontecer se mantém alta. O recado está na ata da última reunião do Copom, quando decidiram reduzir a Selic para 7,5%. Os diretores do BC disseram claramente que preferem não se comprometer, ou sinalizar explicitamente, as próximas decisões. Eles querem acompanhar o que vai acontecer com a atividade econômica, ou seja, a que ritmo ela estará caminhando daqui dois, três meses.

     

    O comportamento da inflação, em resposta à força da retomada, também será condição para o rumo dos juros. Não poderia ser diferente. O Brasil está chegando a uma composição inédita dos fundamentos econômicos e é hora de observar com mais cuidado e muita responsabilidade para acertar uma sintonia mais fina e, principalmente, eficiente.

     

    Quanto mais acurada for a decisão no curto prazo, mais permanente ela pode ser - o BC parece ter escolhido esta estratégia há bastante tempo. Agora chegou a hora da prova do pudim. Até que ponto o país suporta um ‘dinheiro mais barato’ sem investimentos? Como nunca vivemos uma composição como a atual, a leitura do termômetro da economia pede muita responsabilidade e diagnósticos claros. O consenso dos analistas aponta 2020 como limite, ou seja, até lá, os investimentos em infraestrutura e na capacidade de produção terão que ter voltado com força.

     

    O desemprego, ou melhor, a queda dele nos últimos meses, se mistura nesta receita e insere um dado potencialmente importante. A geração de renda, num processo de recuperação do PIB, é combustível aditivado para consumo. Esta fórmula pode ser saudável, e tudo indica que é assim que está acontecendo agora, se ninguém se empolgar com os sinais e errar a mão na política econômica. Por isso a cautela do BC é recomendável. A ousadia também.

     

    A ambiguidade cabe num país com as distorções que temos aqui. Como já disse um ex-diretor do BC, Sérgio Werlang, política monetária é 30% ciência, 70% arte. E a arte exigida no quadro atual é ainda mais complexa. Lidar com a crise política, o adiamento de reformas importantes como a da Previdência, as incertezas do cenário eleitoral para 2018 e o andamento das investigações da Lava-Jato é coisa para artista cascudo e, ao mesmo tempo, com sensibilidade suficiente para fazer escolhas.

     

    Os 13 milhões de brasileiros que continuam desempregados, sem usufruir deste novo ciclo que desponta mais positivo, merecem e contam com isso, mesmo que seja difícil entender como vão se desenrolar os desafios. Fato é que o mercado de trabalho está mais aquecido, a inflação está baixa, proporcionando ganho de renda real, os juros estão em queda, promovendo melhores condições financeiras para o crédito, e a confiança dos agentes econômicos está em alta. A ressalva cabe apenas quando se adiciona Brasília no roteiro. 

  • O que aprender com a recessão?

    Foram 11 trimestres de atividade em queda no Brasil, ou seja, 33 meses andando para trás, entre abril de 2014 e dezembro de 2016. O país acaba de sair da pior recessão da sua história, segundo a linha do tempo da economia elaborada pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da FGV. Olhar pelo retrovisor será tão importante quanto acompanhar a saída da crise, não só para que os diagnósticos sejam bem fundamentados, mas, principalmente, para que lições tenham sido aprendidas. 

     

    Uma recessão não nasce de um dia para o outro. Ela pode ser provocada por um abalo extemporâneo, o estouro de uma bolha e então a economia reage pela via da insegurança total com o futuro. Foi o que aconteceu em 2008, depois da quebradeira geral do sistema financeiro mundial. Passado o tempo necessário para reflexão, fica claro que aquela crise foi sendo fabricada por anos nos corredores obscuros do mercado financeiro, às custas da desinformação de muitos e da má fé exagerada de poucos. Ainda assim, ela caiu como uma bomba. 

     

    A resposta do Brasil ao refluxo de capital no planeta foi forte e rápida. Entre o 4o trimestre de 2008 e o 1o de 2009, o PIB perdeu 5,5%, segundo a FGV. Assim que todos foram percebendo que havia luz no fim do túnel, que os ricos se salvariam do colapso e, mais importante, que o governo brasileiro estava disposto a abrir o cofre para dar uma ajuda, todo mundo colocou o bloco na rua novamente. Tanto assim que o PIB cresceu 7,5% em 2010, num ritmo de recuperação bem forte. 

     

    Os problemas daquela virada foram dois, basicamente: o governo teria que ter desligado a máquina logo depois que a economia retomou seu curso em final de 2009; o PIB de 7,5% era muito mais do que o país poderia suportar sem gerar inflação alta e tudo que vem a reboque. Foi então que começou o roteiro desta recessão profunda vivida entre 2014 e 2016.  Ao assumir o governo em 2011, Dilma Rousseff foi dobrando todas as apostas e lançando mão do que há de mais perverso e equivocado em política econômica para evitar os efeitos do exagero dos estímulos que já tinham sido adotados até ali. 

     

    A crise que está deixando seu epicentro para trás deixou um rastro de destruição e distorções, difícil de comparar com outros desatinos já aplicados no Brasil. Uso o termo destruição sem nenhum medo de exagerar no drama, já que a quantidade de empresas que fecharam as portas, a quantidade de gente que perdeu emprego em pouco espaço de tempo, já seria o suficiente para ilustrar esta triste fotografia. O pior desastre, porém, está na situação que ficou o estado brasileiro. 

     

    Nem vou falar de corrupção, apesar de saber que é quase impossível contabilizar o tamanho do estrago na economia sem considerar a montanha de dinheiro público roubado na última década. O rombo nas contas públicas responde a isso, mas, principalmente, ao abuso descarado dos recursos públicos nos experimentos estapafúrdios e irresponsáveis do governo dilmista, como a reforma do setor elétrico em 2012 – que até hoje nos cobra uma conta altíssima, vide alarde dos reguladores sobre novos aumentos da conta de luz. Os repasses de R$ 500 bilhões ao BNDES são outro escândalo da política econômica que nos levou à pior recessão da história. 

     

    Abro quase nenhum espaço para falar da economia internacional neste contexto. Podemos até crer no peso do desarranjo exterior na composição da nossa crise. Lá em 2012, quando a Grécia quase quebrou, o Brasil sentiu o tranco. Mas sentiu pouco! Sim, porque, para tentar segurar a porteira com a mão, o governo de então se intrometeu na formação do preço do dólar, do juro, da luz, da batedeira, da refinaria de Pasadena e da JBS. Cada um do seu tamanho, contribuindo para o tamanho do monstro que apareceria em 2014. 

     

    Quando a “fera” apareceu, houve uma tentativa de acalmá-lo, com a chegada do super ministro escalado por Dilma Rousseff. Claro que não durou nem um ano a tentativa de Joaquim Levy de conter a sangria, em primeiro lugar, e evitar que o monstro crescesse mais. Inês já era morta e o esqueleto apareceu quando Henrique Meirelles anunciou que o rombo nas contas públicas era de R$ 170 bilhões em 2016. E que continuaria gigante por anos até que toda conta fosse paga. 

     

    As recessões não nascem de um dia para outro. É preciso muito esforço para errar bastante e provocar desequilíbrios estruturais tão profundos quanto os que atingiram o Brasil nos últimos anos. A boa notícia é que, como disse, o epicentro ficou para trás. A saída da crise está contando com um bom roteiro de política econômica, recuperação da credibilidade dos condutores deste roteiro, uma oportunidade única de redução dos juros diante de uma queda, também estrutural, da inflação. 

     

    Infelizmente há uma péssima notícia nos rondando diariamente, a crise política, seus escândalos, roubalheiras, sem-vergonhices, descaramentos e poucas promessas de renovação deste quadro tão cedo. As eleições de 2018 terão o poder de nos afastar mais do olho do furacão que nos abateu, ou nos levar de volta para dentro dele. Já aprendemos como se faz a pior recessão da história. Agora, devemos aprender como evita-la. 

     

Autores

  • Thais Herédia

    Jornalista, especialista economia e política; é colunista da Globo News. Foi assessora de imprensa no BC e gerente de comunicação do Carrefour. Na TV Globo, foi repórter de economia do Bom Dia Brasil. Tem pós-graduação em finanças pela FIA.

Sobre a página

A jornalista Thais Herédia comenta os principais fatos econômicos do país e do mundo e explica como eles afetam a sua vida.