No clima de vai-não-vai da reforma da Previdência, o mercado financeiro está dançando conforme o ritmo da música cantada, ora pelo governo, ora pelas lideranças no Congresso Nacional. Quem está quieta, observando de longe o que está acontecendo em Brasília, é a agência de classificação de risco S&P Global, a mais importante entidade no mundo. Mesmo quietos, os analistas da S&P sabem o poder que têm para mexer nas fundações da economia brasileira com as suas decisões.
De visita ao Brasil para discutir a nossa classificação de risco atual, o executivo responsável pela análise de risco dos países no mundo todo avisou, em entrevista exclusiva ao Blog, que se passar o mínimo de reforma no Congresso, a S&P pode reverter a perspectiva negativa sobre o país. Mas não alivia e alerta que, sem uma reforma, as aposentadorias não serão pagas no futuro.
“Se houver, neste momento crítico, um sinal de que as lideranças políticas, tanto no governo como no Congresso, são capazes de trabalhar juntos para começar neste processo, isto seria um passo positivo e poderia ser a estabilidade da nossa expectativa para as notas futuras do Brasil. Nós temos que ser claros, se não houver reforma, as promessas de agora não serão sustentáveis, não serão pagáveis. ”, disse Moritz Kraemer, Chefe da área de Ratings Soberanos Globais da S&P.
A S&P foi a primeira a nos tirar o grau de investimento, em setembro de 2015, quando o tamanho do rombo nas contas públicas começou a aparecer para valer. Desde então já nos rebaixou duas outras vezes e está pronta para nos levar para o terceiro grau abaixo da nota de bom pagador. Isto porque, além da nota, o chamado “outlook”, ou seja, a perspectiva sobre o país, está negativo. Isto indica que, se der errada a tramitação da proposta do governo, mesmo a mais enxuta, pode vir mais um rebaixamento de classificação.
O executivo da S&P avisou ainda que o tempo está passando muito rápido e que a última janela de oportunidade para avançar alguma coisa na Previdência brasileira está se fechando e que há mais riscos do que soluções.
“O tempo está passando muito rápido e se você tem uma longa jornada, você precisa partir mais cedo para ter tempo de chegar na hora certa. Cedo é agora. Os riscos para um rebaixamento (da nota) permanecem, apesar de haver alguma recuperação da economia, depois de uma longa e profunda recessão. Resolver o problema da Previdência no Brasil será uma tarefa de longo prazo e de várias administrações”, reforça.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista
Como Sr. vê o Brasil agora com processo atual para aprovação da Reforma da Previdência?
Nossa perspectiva (outlook) para a nota do Brasil está negativa, o que reflete nossa visão de que os riscos para rebaixamento permanecem, apesar de haver alguma recuperação da economia depois de uma longa e profunda recessão. O desafio principal é totalmente doméstico, não tem nada a ver com o que o banco central dos Estados Unidos vai fazer, ou outros bancos centrais, ou o quê Trump pode fazer, ou qualquer coisa parecida. O principal problema está em casa, isto é, a situação fiscal, o déficit das contas. E não apenas hoje, que já é muito grande, mas também no futuro, que nós esperamos que seja muito grande também em função do fardo pesado que o orçamento brasileiro carrega por causa do peso da Previdência. O que não é nem um pouco comum para economias deste tamanho.
O Sr. vê algum progresso? Vê chances de a reforma será aprovada até o final do ano?
Resolver o problema da Previdência no Brasil será uma tarefa de longo prazo e de várias administrações. Para lhe dar uma noção de tamanho do desafio, nós estamos olhando para 58 países pelo mundo, economias avançadas e emergentes, e simulando qual o aumento de gastos relacionados ao envelhecimento da população. O número um 1 foi o Brasil!
Mais do que Japão, Itália e Alemanha, que são sociedades que estão envelhecendo mais rapidamente do que o Brasil. Maior parte do aumento de gastos no Brasil é com aposentadorias. Isto dá o contorno do tamanho do problema que precisa ser endereçado. Eu acredito que esta será uma longa jornada, além do atual esforço para uma reforma, para tentar fazer isto ser sustentável. Nós temos que ser claros, se não houver reforma, as promessas de agora não serão sustentáveis, não serão pagáveis.
A política de Teto para os Gastos também pode ser comprometida?
O teto para os gastos é uma tentativa de controlar o maior gasto do orçamento do país. O Brasil tem um orçamento muito grande para o tamanho de sua economia e é muito grande para o padrão internacional. E os impostos e as receitas do governo são relativamente altos para o padrão de países emergentes. Então, o que o que governo está tentando fazer é limitar a pressão por gastos e trazê-los gradualmente para baixo.
Mas para fazer isto, é preciso tocar o gasto principal, que é o da seguridade social. O que é realmente discricionário (gastos), que pode ser reduzido, já foi feito . Para viver nestes limites que foram estipulados pelo Congresso Nacional, a reforma da Previdência precisa acontecer. Caso contrário haverá um não cumprimento do teto de gastos. E se você tem uma regra fiscal e você quebra esta regra na primeira vez em que a situação fica critica, então a regra não é realmente válida, de forma alguma.
Quanto tempo mais nós temos? O mercado financeiro tem dado mais tempo ao governo para aprovação da reforma.
O tempo está acabando, a janela de oportunidade está se fechando, e isto tem a ver com o ciclo das eleições de outubro do ano que vem. No início do no ano que vem, toda atenção estará no posicionamento para as eleições e será mais difícil passar qualquer coisa no Congresso, ainda mais uma coisa tão controversa como a reforma da Previdência.
O tempo está passando muito rápido e como há este grande desafio, será uma longa jornada. E se você tem uma longa jornada, você precisa partir mais cedo para ter tempo de chegar na hora certa. Cedo é agora. Se não houver nada nas próximas semanas, o país vai cair na próxima administração que toma posse só em 2019. Eles primeiro terão que formar sua maioria (no Congresso) e o país terá perdido outro ano e meio de avanços.
O novo governo terá que revisitar este tema de qualquer jeito. Então, este só pode ser o primeiro passo de uma reforma que terá que ser feita várias vezes. Nós acreditamos que este projeto de agora, que pode ser digerido pelo Congresso, não será suficiente para mudar e realmente resolver este grande problema que está se formando para as próximas décadas. O próximo governo terá que encaminhar isto, e o governo que virá depois, e o governo que virá depois também.
Se este projeto mais enxuto da reforma for aprovado agora, mesmo que a gente tenha que voltar neste tema depois, vocês podem reverter a perspectiva negativa para o Brasil? Pelo menos a perspectiva?
Certamente. Há um significativo pacote para a reforma no Congresso agora para se tornar lei. O que nós veremos é um sinal de que, apesar de todas as disputas no sistema político e das instituições que governam o país, eles ainda serão capazes de se unir, de tomar decisões para o futuro do Brasil. Isto será um bom passo. Até porque nós sabemos que, na história recente do país, tem sido muito difícil ver isto.
O fato de o Brasil estar gastando muito do orçamento público é resultado de como o processo politico tem tido dificuldade para formar maioria, pela necessidade de ser fazer concessões para atender interesses de grupos especiais e isto só faz (o gasto) crescer, crescer, crescer. Se houver, neste momento crítico, um sinal de que as lideranças políticas, tanto no governo como no Congresso, são capazes de trabalhar juntos para iniciar este processo, isto seria um passo positivo e poderia dar estabilidade à nossa expectativa para as notas futuras do Brasil.
Nós perdemos grau de investimento há pouco mais de dois anos, mas o risco no Brasil está baixo, o mercado financeiro está de bem com país. Se nós perdemos mais uma nota, com este rebaixamento possível, seria muito grave? Isto é impossível de saber. A perda do grau de investimento é um negócio muito mais sério do que ir para notas abaixo disso. Mas não será necessariamente a nota e sim a sinalização que virá da liderança política no Brasil, Congresso e governo.
Eu converso muito com investidores, eles acreditam que alguma coisa vai acontecer com a reforma da Previdência. Qual seria a reação se o projeto não for aprovado pelo Congresso, não posso dizer. Mas é esperado que haja uma retração dos investidores e nós vimos uma reação parecida com esta quando o presidente (Temer) foi acusado de corrupção. O mercado reagiu fortemente porque eles veem esta administração como a que poderia tocar as reformas. E se ela não puder, o mercado pode “reprecificar” tudo. Isto aconteceria independentemente da mudança na nota de classificação de risco.
O Governo brasileiro tem usado esta ameaça de um novo rebaixamento para pressionar os políticos pela aprovação da reforma. Isto é uma ameaça ou é uma realidade? Nossa classificação de risco é decidida para informar aos investidores sobre o risco de crédito, a possibilidade de um governo não pagar suas dívidas. Isto é o que fazemos. Eu faço isto há muito tempo para saber que muitas pessoas usam isto para outros propósitos, não é incomum ver o governo usando isto como argumento para mudar atitudes dos parlamentares, por exemplo. Não será a primeira e nem a última vez que isto acontece.
Nós não comentamos sobre isto, não é nosso papel. Nosso papel é diferente, nosso negócio não é promover certas politicas, não falamos que a reforma da Previdência tem que acontecer. Nós dizemos que se ela não acontecer, então a probabilidade de um rebaixamento da classificação vai aumentar consideravelmente. É isto que nós estamos dizendo. Se o governo está usando este discurso, é muito próximo do que nós estamos dizendo. Nós temos esta perspectiva negativa pendurada na expectativa de que alguma coisa vai passar, uma mudança suficiente que sinalize uma reversão na direção da formulação de políticas, sabendo muito bem que será preciso fazer muito mais no futuro.
O Sr. vê alguma linha de tempo para o Brasil recuperar o grau de investimento? É muito prematuro falar sobre a volta do grau de investimento porque o Brasil está duas notas abaixo disto e há a perspectiva negativa, o que significa que há uma chance de um novo rebaixamento. Se ele voltará ou não, isto dependerá totalmente do desenvolvimento da situação fiscal do Brasil. A direção agora não é para o grau de investimento.
Historicamente o que nós vemos, e vale para o Brasil, é que leva mais tempo para voltar (ao grau de investimento) do que ir para baixo. E isto é simplesmente porque é mais rápido quebrar coisas do que concertá-las.
O Brasil está em recuperação da economia e isto pode ajudar na arrecadação do governo e melhorar um pouco as contas públicas. Isto não colabora para o quadro fiscal?Nós estamos vendo uma recuperação cíclica agora. O Brasil está se recuperando de uma recessão muito profunda e longa. Desde 2010, de todos os países emergentes no mundo, o Brasil teve quase o pior desempenho. Talvez a Venezuela tenha sido pior. O crescimento per capita não aconteceu desde 2010. O que vemos agora é uma leve recuperação desta profunda recessão. Isto vai ajudar o orçamento do governo, mas não será nem um pouco suficiente para mudar os desafios de longo prazo, relacionados ao envelhecimento da população, totalmente sobreposto num sistema extremamente generoso de aposentadorias.
Na maioria dos países há saúde, cuidados de longo prazo, tudo isto cria pressão para os gastos do estado. Mas no Brasil (o gasto) é predominantemente com as aposentadorias. E quanto mais pessoas se aposentarem, mais isto será impagável e nenhuma recuperação econômica pode resolver isso sozinha. Pode ajudar para criar momentos, um ambiente politico para fazer as reformas com mais facilidade, mas não vai resolver o problema. O problema será apenas resolvido por ação de novas politicas.