Células-tronco vistas por microscópio foram desenvolvidas no Japão a partir de fibroblastos, células adultas da segunda camada da pele, a derme. O trabalho desenvolvido pelo britânico John B. Gurdon e o japonês Shinya Yamanaka recebeu o Nobel de Medicina.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Se você costuma ler os artigos do Espiral, já deve saber que uma das grandes revoluções na área de células-tronco foi a chamada reprogramação genética, ou a arte de transformar um tipo celular em outro, contrariando os estágios do desenvolvimento. O criador da técnica, Shinya Yamanaka, recebeu o prêmio Nobel em medicina em 2012, apenas alguns anos depois de sua tecnologia ter sido publicada.

Apesar de fantástica e revolucionária, a estratégia desenvolvida por Yamanaka baseia-se na manipulação da expressão genética nas células-alvo, o que costumamos fazer pela ação de vetores virais que podem inserir novos genes, ferramentas clássicas na biologia molecular. O procedimento é simples, mas invasivo do ponto de vista celular, pois coloca a célula em contato com vetores virais que podem causar mutações ou estimular uma resposta imune. No passado, alguns grupos tentaram substituir esses vírus por proteínas recombinantes ou mesmo moléculas de RNA que fossem estáveis o suficiente para iniciar a reprogramação genética. Nada funcionou tão bem, tanto a proteína quanto o RNA não conseguem penetrar no núcleo celular com a mesma eficiência que um vírus.

Na semana passada, pesquisadores da China e Estados Unidos publicaram de forma independente uma nova forma de reprogramação celular, usando um coquetel de químicos. Essas pequenas moléculas são adicionadas diretamente nas células, difundindo naturalmente para dentro do núcleo e ativando a resposta genética que começa a reprogramação. Para mostrar que o procedimento funciona, os dois grupos escolheram transformar células humanas da pele (fibroblastos) em células do cérebro (neurônios). O grupo dos EUA usou uma estratégia de tentativa e erro combinatória para identificar conjuntos de moléculas que convertam os fibroblastos em neurônios. O grupo americano mostrou que na presença de 7 compostos químicos, denominados pelas siglas VCRFSGY, os fibroblastos tornaram-se neurônios funcionais em apenas algumas semanas.

Aparentemente, a combinação química VCRFSGY age de forma sequencial. Os primeiros 4 químicos (VCRF) modificam a estrutura física da célula, ativando um gene pro-neural chamado Tuj1. Mas essa mistura inicial deixava as células numa crise de identidade, não sendo capaz de finalizar o processo. Os outros 3 reagentes restantes (SGY) conseguem atuar a partir desse estágio intermediário e produzir neurônios funcionais, capazes de disparar impulsos elétricos (característica fundamental de um neurônio).

O grupo chinês fez basicamente a mesma coisa em fibroblastos de roedores, mas com uma combinação de drogas diferente. O fato de os dois grupos terem descoberto combinações químicas diferentes para fazer a mesma coisa é uma importante validação de que o protocolo é robusto e não se trata de um artefato experimental.

Ainda é cedo para que a técnica seja adotada no mundo todo. Existem diversas questões que não ficaram resolvidas nesses trabalhos, como por exemplo, o que acontece a nível epigenético (alterações químicas na molécula de DNA que não afetam o código genético) com as células tratadas, e por que a eficiência não é 100% (uma em cada três células são convertidas). Aplicações futurísticas incluem o uso para a medicina personalizada, como na geração de células para transplante ex-vivo, ou no desenvolvimento de novas terapias em mini-cérebros para modelos de doenças neurológicas.

Ainda não sabemos se o coquetel químico funcionaria in vivo, mas não consigo parar de imaginar o que aconteceria caso esse coquetel fosse aplicado diretamente na pele humana. Ou se alguém caísse acidentalmente num caldeirão de VCRFSGY. Hum, já consigo imaginar um novo personagem pra Marvel...)

Imagem: Reuters/Center for IPS Cell Research Kyoto