Um homem pula para cabecear durante treino de futebol em meio a neblina em um parque público de Kolkata, na Índia
Sei que estou correndo o risco de me tornar um neurocientista pouco popular no país do futebol, mas acho que todo pai cujo filho joga e gosta de futebol, você deveria considerar essa opinião.

Conforme a ciência avança, vamos descobrindo quais são os fatores que influenciam nosso cérebro e nossa saúde em geral. Por exemplo, na década de 60 a ciência mostrou que fumar é prejudicial à saúde do fumante e daqueles que o rodeiam. Por causa disso, a sociedade optou por evitar fumantes em lugares fechados. Também sabemos há quase meio século que o álcool afeta o desenvolvimento do embrião.

Consequentemente, evitamos o consumo de bebidas alcoólicas durante a gestação. Conforme evoluímos cientificamente, ficamos mais sofisticados socialmente. O acesso a informação e ao conhecimento faz com que abandonemos práticas antigas ou tradicionais por uma atitude mais progressista e saudável.

Nas últimas duas décadas, diversos trabalhos científicos revelaram que impactos repetitivos na cabeça durante certas práticas esportivas, colocam os atletas em risco de danos cerebrais permanente. Se uma criança pratica o cabeceio durante jogos de futebol, ela está, com certeza, dentro dessa área de risco.

Estudos com outros esportes, como boxe e futebol americano, deixaram esse fator de risco muito claro: lesões cerebrais são detectadas imediatamente após o trauma, mesmo que o individuo não sinta nada e permaneça assintomático. As consequências mais sérias, podem aparecer anos mais tarde, já na fase adulta, e estão diretamente relacionadas a frequência e intensidade das batidas.

O trauma repetitivo, mesmo com intensidade baixa, contribui para que as lesões celulares aumentem, causando traumas irreversíveis. É o que chamamos hoje em dia de Encefalopatia Traumática Crônica (ETC), descrita pela primeira vez em 2002. Os sintomas são graves, e incluem depressão, demência, tremores e pensamentos suicidas. A condição também está associada a tendência ao uso de drogas.

A ETC é vista hoje como uma doença neurodegenerativa progressiva. Em 2009 a ETC foi detectada em diversos atletas. Em 2011, duas organizações de pediatria, uma Canadense e outra Americana, publicaram um manifesto contra a exposição infantil a lesões na cabeça durante a pratica esportiva.

Em 2014 foi registrado o primeiro caso de um jogador de futebol com ETC. No mesmo ano, a Federação de Futebol dos Estados Unidos perdeu um processo judicial feito por famílias da Califórnia sobre negligência com lesões cerebrais e passou a recomendar a proibição das jogadas de cabeça em crianças menores de 10 anos, além de impor limites ao jogo aéreo com jogadores de 11 a 13 anos.

Segundo o processo, em 2010 foram aproximadamente 50 mil jogadores de futebol em categorias estudantis que sofreram com lesões cerebrais, um número superior ao encontrado no basquete, beisebol e artes marciais. Infelizmente, a ação não conseguiu alterar as regras da FIFA, que não abordam esse assunto.

Sabendo disso, profissionais de saúde passam a ter o dever de informar e educar as pessoas sobre os riscos associados a lesões na cabeça, incluindo-se aí o famoso cabeceio futebolístico. Ao informar um individuo adulto sobre os riscos de cabecear durante uma partida de futebol, ele tem livre-arbítrio para decidir o que quiser. O mesmo acontece quando explica-se sobre os riscos do cigarro e mesmo assim alguns optam por fumar. O cérebro humano somente amadurece durante os 18-25 anos.

Temos idades legais para uma série de atividades, como votar, dirigir, fumar e ingerir álcool. Seguindo essa mesma lógica, acho que deveríamos proibir o cabeceio/jogo aéreo em nosso futebol infantil. Isso seria uma atitude sensata de proteção ao que temos de mais precioso em nosso país: o cérebro de nossas crianças, o único órgão que irá defini-las como indivíduos em nossa sociedade.