O sudeste do Pará é marcado pelos altos índices de mortes relacionadas a questões agrárias. Em abril de 1996, a polícia militar matou 19 trabalhadores sem-terra no que ficou conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás. A violência no campo não foi reduzida desde então: em 2012, foram seis mortes e mais de 50 tentativas de homicídios, e a lista de pessoas ameaçadas de morte ou que escaparam de atentados não para de crescer.

Como parte da série especial “Bye Bye Brasil, três décadas depois”, que refaz a rota da Caravana Rolidei, do filme de Cacá Diegues, o G1 visitou as cidades de Marabá, Eldorado dos Carajás e Curionópolis, onde fica Serra Pelada. Confira dados sobre a violência na região, histórias de assassinatos e de ameaçados de morte e entrevistas com sobreviventes de Eldorado dos Carajás. Conheça também a nova mina de Serra Pelada e as diferenças entre a exploração mecanizada de hoje e o “formigueiro humano” que era o garimpo nos anos 1980.

Nos vídeos abaixo, a sindicalista Maria Joel Dias da Costa, conhecida como Joelma, fala sobre o dia em que presenciou a morte do marido, assassinado em 2000 a mando de fazendeiros da região, e conta como negociou a própria vida com o pistoleiro contratado para matá-la.

‘Como meu marido morreu’

Joelma conta em detalhes a morte de Dezinho e critica: ‘na hora do julgamento, a gente vê quem manda matar ser livre e solto’

‘Como negociei minha vida’

Sindicalista relembra o momento em que ficou de frente com o seu pistoleiro e confessa: ‘tenho fé que minha partida será por Deus’

Ameaçados de morte estão sem proteção

Entre 2000 e 2012, mais de 60 ambientalistas e trabalhadores do campo sofreram ameaças de morte ou sobreviveram a atentados, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). O contrato entre os governos federal e estadual para o Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, no entanto, está vencido desde outubro de 2012.

Em Marabá, a sede do Incra foi ocupada por 2 mil integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que pedem mais rapidez na conclusão de processos de assentamentos. Muitas ações se arrastam na Justiça por mais de 10 anos, enquanto que as tensões no campo aumentam. “Infelizmente, a situação vem se deteriorando a cada ano”, diz José Afonso Batista, advogado da pastoral.

- Cacá Diegues

O outro lado

Segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o convênio não foi renovado por necessidade de aprimoramento do plano de trabalho em âmbito estadual. Atualmente, 66 pessoas estão no programa no Pará. Mesmo sem o convênio paraense, o órgão federal informou que todos os casos de vítimas de ameaça de morte no estado são analisados pela Coordenação Nacional do Programa.

Isso inclui a articulação com órgãos envolvidos na solução das ameaças; acompanhamento das investigações e denúncias; monitoramento por meio de visitas periódicas no local de atuação da vítima para verificar a permanência do risco e a situação de ameaça; retirada provisória da pessoa do seu local de atuação, em casos excepcionais e emergenciais; proteção policial em casos de grave risco e vulnerabilidade.

Terra suja de sangue

No fim de setembro de 2013, familiares do casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo Silva, mortos em uma emboscada em maio de 2011, relataram um novo atentado, em Nova Ipixuna (PA). A porta de casa foi arrombada e a mangueira do gás cortada. A ambientalista Claudelice Silva dos Santos, irmã de José Cláudio, carrega o espírito de luta das vítimas do conflito e afirma que sofre constantes ameaças de morte. Para despistar seus matadores, mudou o corte e a cor do cabelo sete vezes nos últimos meses. “O que manda lá é o [calibre] 38. A terra que meu irmão defendia está suja com o sangue dele”, diz Claudelice, no vídeo abaixo.

Em 17 de abril de 1996, cerca de 1,5 mil integrantes do MST que acampavam na região de Eldorado dos Carajás fizeram uma marcha para pedir mais rapidez no processo de desapropriação da Fazenda Macaxeira, em Curionópolis (PA). Durante a manifestação, a Polícia Militar foi acionada para liberar a rodovia BR-155, mas o resultado da ação foi a morte de 19 trabalhadores sem terra.

Segundo José Batista, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT), mais de 90 pessoas ficaram feridas com gravidade. Dessas, 25 conseguiram receber indenização, “algo entre R$ 25 mil a R$ 90 mil”. Outras 30 vítimas da ação policial foram indenizadas em R$ 20 mil. Vinte e cinco trabalhadores, no entanto, “não receberam qualquer valor”, segundo Batista.

O processo sobre as mortes está na Organização dos Estados Americanos (OEA), e quem responde pelo massacre é o governo federal. Somente o coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira foram condenados, em maio de 2012. As defesas dos dois entraram com recurso para cumprimento das penas em prisão domiciliar.

Os atuais moradores da região conseguiram oficializar a posse da terra em um assentamento. Um monumento feito de troncos de castanheiras e cruzes foi montado no local do ataque para relembrar o massacre. O G1 ouviu sobreviventes de um dos episódios mais tristes da história brasileira. Eles falaram sobre as cicatrizes que marcam o corpo e a alma.

‘Os ônibus vieram cheios de policiais’

Josimar mostra as cicatrizes dos tiros que levou: ‘é uma história que não foge do nosso pensamento’

‘Passei por cima de muita gente morta’

Antonio de Oliveira exibe suas cicatrizes e diz que a polícia queimou os cadernos de controle dos sem-terra

Serra Pelada, famosa vila de garimpeiros localizada em Curionópolis, no Pará, parece uma cidade fantasma. As casas de madeira erguidas na década de 1980 estão descuidadas, as ruas estão vazias e o comércio está enfraquecido. Durante o tempo em que o G1 esteve lá, faltou água e luz para os moradores.

Ouvimos histórias de ex-garimpeiros, encontramos mulheres que vieram morar no território que era exclusivo dos homens e vimos a expectativa pela nova fase de exploração de ouro, com tecnologia de ponta, que deve começar em 2014, em um contrato entre a Cooperativa de Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) e a mineradora canadense Colossus.

Na terra dos milionários “de um dia para o outro” da década de 1980, alguns sonhadores seguem em busca de fortuna e se recusam a deixar o lugar.

Reportagem do G1 compara a Serra Pelada de hoje com a de 30 anos atrás

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‘Minha parte foi de 411 quilos’

José Mariano conta que comprou casa e passou um mês no Copacabana Palace no auge do garimpo. Hoje, está na 14ª esposa

Próxima parada: Altamira

Na sequência da série especial que refaz a rota da Caravana Rolidei, do filme de Cacá Diegues, o G1 visita Altamira, no Pará. A cidade que era “a terra prometida” em “Bye Bye Brasil”, hoje é palco de tensões em meio a construção da usina de Belo Monte, a terceira maior do mundo.

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