Tiramos a barba de molho
Antes de deixarmos Belém, resolvemos dar um tapa no visual. Afinal de contas, já completamos mais de 30 dias em viagem e, além do desgaste físico, nossa aparência já não estava muito boa. Luciano Cury e eu fomos fazer a barba, como manda o bom figurino, depois que achamos, em nossas andanças pela capital paraense, uma barbearia diferente.
O local é reduto de integrantes de motoclube, e a porta de entrada está repleta dos mais variados modelos de Harley-Davidson, além da chamativa inscrição Rockfeller no vidro da frente. Dentro, o ambiente é retrô, com três cadeiras de barbearia com assentos em couro vermelho. Do lado oposto aos espelhos, poltronas de espera. Mais adiante, um bar com algumas variedades de cervejas.
Neste mesmo ambiente, um grupo de homens fala em alto e bom som, como se estivessem num vestiário de futebol. Muitos estavam ali apenas pela reunião dos amigos, alguns de barba feita e outros de barba por fazer. O que vale é a confraria, mais que o desejo de sentar na cadeira do barbeiro.
No tempo em que estivemos ali, pelo menos quatro pessoas escolheram o local para cortar o cabelo e aparar a barba pela primeira vez. Em uma das cadeiras de espera, vi uma senhora sentada, com um ar de desconforto no rosto e olhar fixo para o espelho. Interrompi o silêncio dela e perguntei se estava acompanhando alguém. Ela apontou para a cadeira do barbeiro do meio, onde estava o filho adolescente. Perguntei o que ela estava achando do lugar e o que sentia por ser a única mulher no ambiente. Ela respondeu que achava diferente, um pouco estranho e finalizou que ali era lugar de homem. Ao lado dela havia um revisteiro repleto de edições mensais com mulheres nuas nas capas.
Logo que o adolescente, sem barba no rosto ainda, terminou o corte de cabelo e se preparava para sair do salão, perguntei se ele tinha gostado do resultado. Ele assentiu com a cabeça. A mãe concordou, mas disse que o filho iria sozinho da próxima vez.
No andar de cima tem um salão de jogos com um videogame de última geração. Em outra sala tem um espaço de massoterapia. Foi aí que percebi que a mãe do adolescente não era a única mulher no salão. Duas se revezam no trabalho de relaxamento. A outra é responsável por manter o local asseado. Fiz a mesma pergunta que havia feito para a mãe do jovem para as três. Uma delas tomou a frente e logo disse sorrindo que se sentia como se um homem estivesse no meio de um monte de mulheres. Mas finalizou que aproveitava aqueles momentos para aprender como pensam os homens e o que falam quando estão juntos.
A essa altura, passada a primeira hora de espera, o número de minha comanda foi cantado. Minha vez que de ficar diante do espelho. O barbeiro se apresentou: Alan. Perguntou como queria o corte de cabelo e a barba. Pedi para manter o corte já feito. Fiquei curioso em saber onde tinha aprendido a profissão e ele brincou respondendo que havia começado na prisão.
Terminado o meu cabelo e minha barba, Luciano se acomodou na cadeira de couro vermelho. Fiquei espantado quando voltei ao salão, depois de fazer algumas fotos do lado de fora, e vi que o barbeiro tinha tirado toda a barba dele. Foi muito rápido. Na hora da toalha quente, Alan disse que não podia chorar, nem deixar sair uma lágrima sequer, que ali era lugar pra cabra macho.
De visual novo, fomos intimados pelo grupo da algazarra. Por sermos novos no local, teríamos de contar uma piada. Titubeamos, mas acabamos participando do desafio. Claro, fomos um fiasco e motivo de zoação geral. A cerveja tomada por todos naquela tarde de sábado, conhecidos ou desconhecidos, foi paga pelo avô corujão ali presente. Ele estava celebrando o nascimento da neta.
Todos embalados por blues, clássicos do rock nacional e internacional. Da próxima vou pedir para deixar só o mustache e lavar o cabelo com clean brew. Pelo menos o salão tem certificado de qualidade Chuck Norris.