Por Victor Lebre, g1 AC — Rio Branco


  • Maria Cauane da Silva, de 11 anos, foi assassinada durante operação do Batalhão de Operações Especiais (Bope) no bairro Preventório, em Rio Branco, em 18 de maio de 2018

  • Além da criança, dois homens morreram na ação e outras duas pessoas ficaram feridas a tiros.

  • Dois dos policiais acusados tiveram crime de homicídio desclassificado para culposo, outros dois foram absolvidos sumariamente e um foi impronunciado.

Cauane tinha 11 anos quando morreu ao ser atingida por um tiro — Foto: Arquivo pessoal

Os policiais militares acusados pela morte da menina Maria Cauane da Silva, de 11 anos, em maio de 2018, vão passar por júri popular. A informação foi divulgada pelo Ministério Público do Acre (MP-AC) nesta terça-feira (25).

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De acordo com o MP, a 1ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Rio Branco havia desclassificado a ação dos réus para homicídio culposo, quando não há intenção de matar, e alguns haviam sido absolvidos sumariamente por legítima defesa. O órgão recorreu da decisão, e os agentes responderão por homicídio qualificado e lesão corporal grave.

"O MPAC interpôs recurso de apelação por considerar que as evidências eram suficientes para que todos os policiais fossem julgados por homicídio qualificado e lesão corporal grave", informou o órgão por meio de nota.

Maria Cauane, Gleiton Silva Borges e Edmilson Fernandes da Silva Sales foram mortos por agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da PM-AC, no bairro Preventório, em Rio Branco, no mês de maio de 2018. À época, o comando do Bope afirmou que a menina já estava baleada quando a guarnição chegou ao local. A família contesta a informação, e desde o início alegou que o tiro que matou a menina partiu de um fuzil da PM, fato também apontado em laudo feito em agosto daquele ano.

O g1 entrou em contato com a Polícia Militar e não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

Maria Cauane foi morta aos 11 anos — Foto: Arquivo pessoal

Seis anos de luta

“Já são seis anos nessa peleja por justiça”

Assim o pai de Cauane, José Carlos, resume a história da família desde o dia da morte da filha. Ele contou ao g1 que constantemente liga para o Tribunal de Justiça para saber sobre a movimentação do processo.

Ele conta que a pronuncia dos réus a juri popular alivia o coração da família, que segue de luto. Ele agora espera pela marcação da data para o início do juri, e diz que vai acompanhar pessoalmente.

“Eu fico ligando, quando sai alguma noticia, comunico para todos. A gente fica com o coração aliviado de saber que a Justiça está dando o seu máximo para punir os acusados. Com isso, eles ficam mais cientes para não fazerem isso de novo”, avalia.

O pai da menina também diz que lembra bem do dia da ação policial que terminou com a morte dela e outras duas pessoas, e conta ainda que toda vez que uma nova decisão é divulgada, é como se estivesse vivendo tudo outra vez.

Cauane era a filha do meio, e deixou dois irmãos. Se estivesse viva, teria 17 anos atualmente, lembra o pai.

“Eles chegaram lá no bairro por volta de meio-dia, minha filha estava se arrumando para ir à escola. Eles fizeram uma operação, mas não acharam nada, e disseram que voltariam mais tarde. Voltaram, e três pessoas morreram. Cada vez que aparece uma novidade, é igual terem iniciado todo aquele filme. A família está em luto eternamente. Se ela não tivesse falecido, teria 17 anos”, diz.

Denúncia

Família da menina Maria Cauane, morta em ação do Bope, pede que caso não seja esquecido e espera por justiça — Foto: Arquivo pessoal

Conforme denúncia do Ministério Público do Acre (MP-AC), os policiais Antônio de Jesus Batista e Alan Melo Martins foram acusados pela morte das vítimas Maria Cauane Araújo da Silva e Gleiton Silva Borges. Além de lesão corporal contra duas vítimas que ficaram feridas na ação policial.

Já os policiais Josemar de Farias, Wladimir Soares da Costa e Raimundo Costa foram denunciados pelo crime de homicídio contra a vítima Edmilson Fernandes da Silva Sales.

A denúncia contra os três militares foi recebida pela Justiça do Acre no dia 17 de maio de 2019 e, na época, o pedido de prisão preventiva foi indeferido.

Em novembro de 2019, 15 pessoas foram ouvidas, na 1ª Vara do Tribunal do Júri durante audiência de instrução. Após essa fase do processo, o MP-AC pediu pela pronúncia dos réus, ou seja, para que fosse a júri popular.

Já a defesa requereu a absolvição sumária dos denunciados Antônio de Jesus Batista, Alan Melo Martins, Wladimir Soares da Costa e Raimundo de Souza Costa, e a impronúncia do acusado Josemar de Farias.

Três pessoas foram mortas durante operação do Bope em maio de 2018 — Foto: Arquivo pessoal

Decisão da Justiça

A juíza Luana Campos entendeu, conforme o processo, que Alan Melo Martins e Antônio de Jesus agiram de “forma a revidar injusta agressão acabando por matar duas pessoas e ferir outras duas”.

Portanto, a magistrada decidiu que eles devem responder por homicídio consumado e tentando na forma culposa, “diante da negligência em suas ações”. Ou seja, ela determinou pela desqualificação do homicídio doloso para culposo, quando não há intenção de matar. A decisão cabe recurso.

Com isso, caso a decisão não seja reformulada após recurso, os dois policiais não vão a júri e devem ter processo julgados por magistrado de outra vara.

Com relação aos réus Wladimir Soares da Costa e Raimundo de Souza Costa, a juíza entendeu que eles agiram de forma a revidar injusta agressão vindo a matar Edmilson e eles foram absolvidos sumariamente.

Já com relação a Josemar Farias, a magistrada descreveu na decisão que não há indícios de autoria quanto ao acusado na morte de Edmilson. Portanto, ele foi impronunciado, ou seja, deve ter o processo arquivado.

Ao g1, o advogado dos policiais, Wellington Silva disse que essa foi uma “grande vitória” para a defesa. Mas que vai recorrer para que Alan Martins e Antônio Jesus também sejam absolvidos sumariamente. “Já é uma vitória muito expressiva, porque já houve absolvição, impronúncia e desclassificação. Então, já é uma vitória, uma vez que parte da tese da defesa já foi acatada”, disse Silva.

Familiares pediram que justiça seja feita — Foto: Alcinete Gadelha/G1

Relembre o caso

Cauane morreu em maio de 2018, após ser atingida por um disparo de fuzil usado pela Polícia Militar em uma ação policial no bairro Preventório, em um tiroteio entre facções rivais. Na época, o Bope informou que o tiroteio começou após os policiais fazerem uma operação na área.

A ação no bairro ocorreu após a polícia ter tido acesso a um vídeo, no qual criminosos exibiam armas de grosso calibre e anunciavam a retomada do local. “O João falou que é pra não recuar e vai rolar troca de tiros”, dizia um dos trechos do funk divulgado no vídeo.

Além de Cauane, foram mortas mais duas pessoas durante um tiroteio entre facções rivais e a polícia. Na época, o Bope informou que o tiroteio começou após os policiais fazerem uma operação na área. Conforme o processo, um laudo balístico apontou que o tiro que matou a menina partiu da arma usada pelo policial Alan Martins.

Familiares e amigos fizeram um ato, chegaram a fazer um ato em frente ao comando-geral da PM para pedir a prisão dos responsáveis pela morte dela.

Silvinha Pereira da Silva, de 38 anos, morreu após ser atropelada — Foto: Arquivo da família

Acidente que matou mulher

Alan Martins também estava envolvido no acidente que matou Silvinha em maio de 2019, na Estrada Dias Martins, envolvendo o carro do policial e moto que a mulher estava com o marido. Os três ficaram feridos durante o acidente.

A estudante Gabriela Amorim, sobrinha de Silvinha, contou na época que o casal ia ao supermercado fazer compras para comemorar o aniversário de uma das filhas quando aconteceu o acidente.

Em junho de 2022, o juiz Alesson Braz, da 2ª Vara do Tribunal do Júri e Auditoria Militar de Rio Branco, decidiu pela pronúncia dele e o policial vai responder pelos crimes de homicídio e tentativa de homicídio em júri popular. O júri não tem data marcada, segundo advogado de Martins, e ele aguarda em liberdade.

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