A Folha convidou oito moradores de São Paulo, da manicure do Itaim Paulista à doutoranda do Itaim Bibi, para falarem sobre por que votarão no presidenciável do PSL em outubro. O parlamentar é o segundo pré-candidato mais bem posicionado em pesquisa Datafolha de janeiro e assume a cabeceira num cenário em que Lula (PT) está fora do jogo.
Na última pesquisa Datafolha, de janeiro, Bolsonaro chega a liderar nos cenários sem o ex-presidente Lula (PT), com até 20% das intenções de voto. Nas simulações com o petista, fica em segundo.
Por que Bolsonaro?
Militar da reserva e deputado desde 1991, Jair Messias Bolsonaro “responde a demandas reais de pessoas reais”. Vem do sociólogo Thiago Santos, 32, a resposta que melhor sintetiza o sentimento dos oito eleitores do presidenciável que a Folha reuniu em sua Redação, em 14 de março, a fim de entender o que os leva a vê-lo como o mais bem qualificado para ocupar o Palácio do Planalto em 2019.
“Enquanto jornalistas e intelectuais estão preocupados com banheiro unissex, ele está falando dos 60 mil assassinatos que acontecem todo ano no Brasil, falando desse massacre da classe trabalhadora”, afirma Santos, que vem de uma família de Guaianases, periferia paulistana.
Se compartilham o gosto pelo homem que veem como predestinado a “dar um jeito no Brasil”, os perfis são distintos: da manicure Priscila Medeiros, 37, e o filho Lucas, 19, ambos desempregados e moradores de Itaim Paulista (zona leste de São Paulo), à ex-coordenadora do Endireita Brasil, movimento direitista, Patrícia Bueno, 37, residente de outro Itaim, o Bibi, bairro nobre da cidade (veja acima os outros componentes do grupo).
Três deles contam ter votado no PT em algum momento. “Tenho vergonha”, diz o diretor administrativo Raphael Daniele, 34, “ex-militar e membro da Congregação Cristã”.
Justifica-se: mais jovem, “eu tinha situação boa, viajava de helicóptero, me sentia culpado [pela desigualdade social]. No fundo ele [Lula] me dava esperança que ia pegar o que estava recebendo do FHC, que resolveu a situação do real, a paridade do dólar... Eu achava que Lula pegaria tudo aquilo e profissionalizaria no sentido de distribuir a renda. Ele fez o contrário. Pegou os piores podres e profissionalizou no oposto, para destruir princípio, a base, que é a família.”
Nilson Franco, 48, é coronel do Exército na reserva e conta ter conhecido Bolsonaro pessoalmente. Aposta em sua honestidade. “Em 2002, eu brigava com você se falasse mal de Lula.” Elenca escândalos como o do pasta rosa para explicar seu desgosto com a era FHC. E hoje, o que mudou? Nada, diz. “Tem que dar um basta. Para Aécio [Neves, PSDB], R$ 2 milhões [de suposta propina]. [Antonio] Palocci [PT] são milhões e milhões. Você desanima de ser honesto. O policial ganha R$ 3.000, R$ 4.000 para levar tiro.”
Caçula da mesa, Lucas votará pela primeira vez para presidente (no pleito de estreia, em 2016, optou pelo tucano João Doria para prefeito, mas se arrependeu). “Política é ajuda à população. Nele [Bolsonaro] ainda há um pouco disso. Ainda vê a luz no fim do túnel”, diz o jovem, que trabalhou numa ótica após terminar o ensino médio e hoje distribui currículos.
Sua mãe, Priscila, já ajudou a eleger Lula —e Tiririca para deputado, “por ser povão que nem a gente”. O que busca, diz, “é uma pessoa que se importe com o povo brasileiro”. Bolsonaro, para a manicure que estuda pedagogia, é esse cara.
Ela se diz perturbada por políticos que oferecem cestas básicas “e outras lembrancinhas” em troca de voto. “Muitos amigos têm o mesmo pensamento: votar no Bolsonaro para ter mudança, não para ter esses presentinhos.”
A birra com o populismo também está no discurso do filho. “No Nordeste, como o PT se alastrou tanto? Ia com a necessidade do povo”, diz Lucas. “Há uma semana, o que foi mais passado pela Globo? A operação [no pé do Neymar]. Se [a mídia] continuar priorizando informações banais, deixando de lado infraestrutura, médico...”
“Antes, se você falava em Bolsonaro, era exótico”, diz Thiago. “Agora, parentes que nunca tiveram contato com política falam naturalmente, mandam vídeos do Bolso.”
Patrícia, que está terminando um doutorado em ciências sociais, diz que “desde 1988 a gente tem só esquerda no Brasil, a direita foi massacrada. Claro que FHC é esquerda”.
Faltava, portanto, “um político que realmente respondesse a nós”, alguém que impedisse aqueles que “queriam causar revolução na sociedade e precisavam destruir o que pra mim é mais sagrado, a questão da própria família”, diz a filha de imigrantes que fugiram da União Soviética em 1921 (“minha família tinha militares, pessoas ligadas à propriedade de terra”, conta).
Maria Cristina Szabo, 55, trabalha “em formação de imagem política” e se candidatou, em 2016 e sem sucesso, a vereadora de Santana de Parnaíba pelo DEM. Mãe de policial civil, diz que “votará em Bolsonaro porque o que está aí a gente já tem certeza que não deu certo, até pela questão da segurança. Rio é uma vergonha nacional e internacional”.
Armas
A segurança é um tema caro ao grupo. Todos já dizem ter sido vítimas de algum episódio de violência. Leocádia conta que um irmão foi assassinado num assalto em Minas. Raphael, que foi ameaçado de sequestro pelo PCC. Priscila diz que perder amigos e parentes é rotina. “Um deles foi baleado no quintal de casa.”
No caso de Patrícia, a violência a encontrou dentro do lar. Seu ex-marido, diz, a ameaçou diversas vezes. “Por mais de um ano, toda a família andava com segurança. Meu pai me tirou do país. Eu não podia me defender, é uma impotência. Não adianta acreditar que o Estado vai te salvar.”
O Estatuto do Desarmamento, sancionado no primeiro ano do governo Lula, 2003, é vaiado pelos oito bolsonaristas. “Só desarmaram cidadão de bem”, afirma Priscila.
Para Patrícia, a recomendação de não reagir a um assalto, por exemplo, só vale “se você não estiver armado. É a cultura do cordeiro, ter que aceitar tudo o que acontece”.
Ela minimiza estudos que relacionam a cultura da violência ao armamento da população (como nos EUA, onde quatro de cada dez americanos têm ao menos uma arma). “Todos nós mexemos com faca, e eu nunca dei facada em ninguém. Problema não é a arma, é quem está atrás dela.”
De todos, só o coronel Nilson diz ter posse de arma.
LGBTQ
Ninguém do grupo diz ser contra pessoas do mesmo sexo se relacionarem. O problema, segundo o octeto, é privilegiar a “pauta gay” em detrimento de outras, como educação e saúde. “Minorias histéricas tomaram conta da agenda, e as maiorias foram deixadas de lado. Por que essas pessoa têm cota? [A orientação sexual] é uma questão de foro tão íntimo, a educação vem dos pais”, afirma Patrícia.
“Banalizaram tanto, começaram a se expor tanto... Não estou criticando o homossexualismo”, diz Priscila. “Mas hoje é quase um crime quem é hétero. Você não vê homem e mulher se atracando, que nem vê [gays] no metrô, no shopping, para mostrar que são [homossexuais]. Não sei se é para atrair olhares, para mostrar a questão da homofobia.”
Há, segundo a manicure, “uma força muito grande para algo que infelizmente não é importante”. Thiago também defende que a questão não seja prioritária. “Isso que incomoda. Morei em Guaianases. Pessoas na linha municipal de ônibus colocam celular na meia [por temerem assalto], e os intelectuais vivem em sua bolha delirando sobre ideologia de gênero enquanto pessoas estão com medo de morrer.”
Os oito do grupo de debate se declaram heterossexuais.
Denúncias
A fé no deputado não foi abalada por uma série de reportagens da Folha que revelaram: 1) como ele, junto com os três filhos políticos, possui 13 imóveis com preço de mercado de ao menos R$ 15 milhões; 2) o uso de auxílio-moradia, mesmo sendo dono de imóvel em Brasília; 3) o emprego, com verba da Câmara, de uma servidora fantasma que vende açaí em Angra dos Reis.
Os eleitores minimizaram a gravidade das denúncias e acusaram a Folha de perseguir Bolsonaro. “Vocês juntaram tudo no mesmo saco [o patrimônio de pai e filhos]”, disse Patricia. Ela e Nilson disseram que a imprensa tratou o terreno de Angra com exagero. “É mansão!”, ironizou o militar. Parte da imprensa se referiu assim à casa “com puxadinho”, segundo Patricia, que a família tem na cidade.
“Se for falar de moral e pegar Congresso, me fala um político que tá todo o tempo do Bolsonaro [desde 1991] e tem a ficha dele, que não tem nenhum escândalo”, diz Maria Cristina. A princípio Raphael afirma não se espantar com eventuais deslizes, que seriam irrelevantes ante a roubalheira em Brasília. “Os caras vão de um bilhão pra cima, não se compara.” Depois se desculpa pelo que disse. “Roubar é inadmissível em qualquer circunstância. Acho que corrupção é que nem câncer, vírus.”
Mídia
“Você deve saber o que as pessoas comuns pensam da Folha. O nome é ‘Foice de S.Paulo’, o instituto [Datafolha] é o Datafoice”, diz Leocádia.
Seu pensamento reflete o humor geral do grupo diante da Folha —classificada por todos os presentes como “esquerda” ou “extrema esquerda”— e de outros veículos da mídia profissional. A imprensa, para Priscila, “só quer colocar aquilo que faz bem para eles, o que vai lucrar para eles”.
“A Rede Globo é a pior, mascara tudo o que é importante”, continua a manicure. Nilson intervém: “Não se esqueçam que [Bolsonaro] falou que ia arrebentar a Globo. Quando um homem desafia um império, vai incomodar. Todos estão contra ele. Acho que Folha, Veja, Globo”.
O deputado já afirmou que, se eleito, reduzirá a verba publicitária para o Grupo Globo, após dizer que o jornal da organização quer “emplacar o Lula em 2018. E daí vocês vão estar bem, vão ter como negociar bem a dívida do BNDES”.
“Quando sair foto dele [nos jornais], vai sair foto com boca torta”, reclama Maria Cristina, folheando uma edição da Folha em busca de reportagens que citem seu candidato. Encontra uma em que o publicitário Nizan Guanaes aposta que Bolsonaro ganhará a eleição porque “a população está irritada”, e nesse contexto ele “é o Dorflex, uma solução para a sua dor”. Acha insatisfatório o espaço dado à notícia.
Para Leocádia, “é evidente o propósito de macular imagem dele, não importa se é verdade ou não”.
Mas vale aqui a máxima “o que não mata fortalece”, segundo a aposentada. “Se a gente vê a mídia perseguindo, ‘pô, esse cara é bom’. Vocês defendem gente que vive de cota, de bolsa isso, bolsa aquilo.”
Caso Maria do Rosário
Para o grupo, o estilo “bateu, levou” é um ativo do presidenciável. E uma briga com a deputada Maria do Rosário (PT-RS) é um bom termômetro. Em 2014, Bolsonaro disse à então ministra dos Direitos Humanos: “Fique aí, Maria do Rosário. Há poucos dias [na verdade, a contenda começou em 2003] você me chamou de estuprador no Salão Verde, e eu falei que eu não estuprava você porque você não merece”, afirmou o deputado.
Os eleitores reclamam que a mídia destaca a frase, mas não a contextualiza. O bate-boca começou em meio a discussões sobre a redução da maioridade penal (ele a favor, ela contra), impulsionadas em 2003, após uma gangue sob comando de Champinha, 16, atacar um casal acampado —Felipe, 19, morreu com um tiro na nuca, e Liana, 16, foi estuprada e morta com facão.
Há 15 anos, Bolsonaro disse que a contenda se iniciou após ele sugerir que Maria do Rosário contratasse Champinha para ser motorista de sua filha. Em frente à câmeras de TV, ela acusou o colega de “promover essa violência [estupro]”.
“Se a pessoa te xinga e você xinga de volta, não é crime. Ainda que ele tivesse falado coisas piores”, afirma Patricia. Para Maria Cristina, diante de alguém “que estava defendendo um assassino”, Bolsonaro até que foi “extremamente educado”. A manicure Priscila esperava mais: “Talvez daria um tapa na cara dela, foi uma agressão”.
As mulheres da mesa elogiam um projeto de lei de Bolsonaro que prevê castração química a estupradores.
Estilo
“Tudo o que ele fala ou faz se torna polêmico”, diz a manicure. “Querem que a população interprete de outra forma, mas ele é autêntico, é aquilo ali, não precisa fazer média.”
“Ele é uma pessoa, um ser humano”, emenda Patricia. Raphael concorda: “Não estamos elegendo um super-homem”. Nilson é o único que faz uma ressalva. “Acho que ele se excede um pouco, não pensa pra falar, como essa questão da Maria do Rosário. Lógico que ele não ia estuprar de jeito nenhum, mas perdeu uma boa oportunidade de ficar calado. Poderia pensar um pouquinho, dar um ‘timezinho’.”
Imigração
Não é que estrangeiros não sejam bem-vindos no Brasil. A questão, segundo Patrícia, “não é a imigração, mas qual imigração”. No caso dos venezuelanos: “É um grupo sofrendo por conta de ditadura comunista, eles têm valores parecidos com os nossos”.
O que não pode, continua a advogada, é ter “povos que cruzam oceanos, não vão para países vizinhos e querem que os povos [que os acolheram] mudem sua cultura para que eles possam se sentir bem”.
Parte da mesa discute se o Brasil deve abrir as fronteiras sem antes “cuidar dos seus”.
“Se não consegue manter os que estão aqui...”, diz Priscila. Maria Cristina está com ela: “Quando você vai receber visita, a casa tem que estar em ordem. Só que, do jeito que Brasil está... Você vê o estado do Rio. Não adianta trazer pessoal para cá para costurar no Brás, num fundinho de quintal, e estar totalmente ilegal.”
Democracia vs. ditadura
Não há intervencionistas declarados. Para o grupo, Bolsonaro seria um militar governando nos moldes da democracia, sem tentar implantar uma nova ditadura no Brasil.
Raphael diz que “a questão é tema passado” e que o deputado “não é aquele político que vai defender [o regime militar], impedir liberdade de comunicação”. Lado bom: “Herda do militar aquele perfil honesto, conservador do qual já fiz parte, mas ao mesmo tempo estende a mão para segurança, educação, comércio”.
Lucas é o único que nasceu num Brasil democrático. Afirma que, como capitão da reserva, Bolsonaro tem “posição muito dura”, mas isso pode ajudar a pôr o país nos trilhos.
A Folha questiona se reiterados elogios do parlamentar à ditadura não incomodam. Mostra o vídeo de Bolsonaro votando “sim” pelo impeachment de Dilma Rousseff, “em memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra [ex-chefe do Doi-Codi], o pavor de Dilma”, que quando estudante militou em movimentos contra o regime e foi torturada e encarcerada por 28 meses.
Mas Ustra era pavor de quem? É o que o grupo quer saber. “Pro bandido, o policial, o coronel é o pavor”, afirma Maria Cristina. Raphael brinca: “É a mesma coisa que falar do Batman pro Coringa”.
“É importante falar que a esquerda lutava por uma ditadura nos moldes cubanos”, afirma Patrícia.
FOLHA ESTREIA SÉRIE SOBRE VOTO EM 2018
A começar por quem declara seu voto em Jair Bolsonaro (PSL-RJ), o jornal conversará nos próximos meses com eleitores dos principais presidenciáveis da eleição de 2018. A próxima roda de debates, que acontecerá em abril, será com os que preferem Lula ou um eventual outro candidato do PT.
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